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última página<br />
Sobre o brilho<br />
nos olhos<br />
Unsplash<br />
rodolfo sampaio<br />
Eu sempre fui um apaixonado pela propaganda.<br />
Paixão mesmo. Tesão, tara.<br />
Fogo. E me entristece ver que, nas novas gerações<br />
<strong>de</strong> criativos, essa paixão está ficando<br />
cada vez mais rara. Não estou falando <strong>de</strong> falta<br />
<strong>de</strong> talento, muito pelo contrário: aqui nasce<br />
criativo “bão” em tudo quanto é canto, tal<br />
qual craques <strong>de</strong> bola surgem todos os dias nos<br />
terrões Brasil afora. Não é esse o caso.<br />
Falo daquela paixão arrebatadora que passa<br />
por cima dos <strong>de</strong>feitos (a nossa profissão<br />
tem muitos, como qualquer outra).<br />
Falo daquele brilho nos olhos ao se <strong>de</strong>parar<br />
com a gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia. Da eletricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar<br />
o diferenciado.<br />
Saí da URFJ especializado em greves, não<br />
em propaganda.<br />
Lembro-me que vagavam pelos corredores<br />
vários veteranos, que já tinham teoricamente<br />
acabado o curso, mas perambulavam por ali.<br />
Eu pensava: esses caras não trabalham não?<br />
Isso me <strong>de</strong>u aquele “gelado na bunda”, mesmo<br />
sem estar vendo sangue.<br />
Caramba, vou ser mais um <strong>de</strong>sempregado!!!<br />
Não é possível que eu percorra 60 km<br />
todo dia pra isso. Se é pra ser <strong>de</strong>sempregado,<br />
era melhor eu ficar em casa. Pelo menos economizava<br />
as passagens!<br />
Para tentar mudar meu suposto <strong>de</strong>stino<br />
trágico, cheguei a fazer faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito,<br />
profissão séria, mas isso é uma outra história.<br />
Falo do orgulho <strong>de</strong> fazer o que faz. De ser<br />
o que é.<br />
Meu romance com a propaganda começou<br />
como uma espécie <strong>de</strong> “blind date”.<br />
Eu não tinha a menor i<strong>de</strong>ia<br />
do que fazer no vestibular. Eu só<br />
sabia o que eu não queria fazer:<br />
medicina. Sou filho <strong>de</strong> médico e,<br />
muito sutilmente, na visão <strong>de</strong>le,<br />
meu pai dava indiretas, às vezes<br />
diretas, sobre o orgulho <strong>de</strong> ser<br />
médico, <strong>de</strong> nos ver médicos e coisa<br />
e tal.<br />
Acho a medicina uma profissão<br />
muito nobre e apaixonante, mas não era pra<br />
mim.<br />
Gente, eu sinto um ‘gelado na bunda”<br />
quando vejo sangue!!!!<br />
Aliás, minha filha sente a mesma coisa<br />
nessas ocasiões. Prova <strong>de</strong> que, se muitas vocações<br />
são hereditárias, as não-vocações também<br />
são.<br />
Eu me inscrevi no vestibular <strong>de</strong> comunicação<br />
social, com tanta convicção, SQN, que no<br />
dia da inscrição eu saí da fila e liguei <strong>de</strong> um<br />
orelhão pra minha mãe, na busca <strong>de</strong> uma confirmação<br />
<strong>de</strong> que estava fazendo a coisa certa.<br />
Não lembro do que ela disse, colocada nessa<br />
situação. Mas fui em frente.<br />
Comecei meu curso na UFRJ, Praia Vermelha,<br />
a famosa ECO. E, logo <strong>de</strong> cara, peguei<br />
uma greve <strong>de</strong> professores e funcionários. Seriam<br />
várias nos quatro anos que passei ali.<br />
“Meu roMance<br />
coM a<br />
propaganda<br />
coMeçou<br />
coMo uMa<br />
espécie <strong>de</strong><br />
‘blind date’”<br />
E como eu vi a luz? Comecei a estagiar na<br />
Artplan, como redator, numa equipe incrível.<br />
Eu criava, criava, mas nada era aprovado. E,<br />
no dia seguinte, fazia tudo <strong>de</strong> novo.<br />
Só toco. Até que um dia, emplaquei<br />
uma i<strong>de</strong>ia. Gente, foi uma<br />
revelação: ah, é isso??!!!! Entendi.<br />
Naquele dia eu não fui à UERJ,<br />
on<strong>de</strong> fazia direito à noite. Aliás,<br />
nunca mais voltei lá, para o <strong>de</strong>sgosto<br />
da minha mãe. Naquele<br />
dia eu me transformei num publicitário.<br />
Eu tinha, e tenho, um orgulho<br />
louco <strong>de</strong> ser publicitário. Enchia a boca pra<br />
contar o que estava fazendo. Ficava horas e<br />
horas atrás da melhor i<strong>de</strong>ia. Às vezes, como<br />
gato e rato, ela fugia <strong>de</strong> mim. Mas eu ia atrás,<br />
on<strong>de</strong> quer que ela fosse. Eu me sentia importante.<br />
Vaidoso mesmo, confesso.<br />
E a vida me levou a trabalhar, <strong>de</strong>pois daquele<br />
começo, com vários e vários profissionais<br />
completamente apaixonados por propaganda.<br />
Incansáveis nessa caça <strong>de</strong> gato e rato<br />
sem fim. Não vou citar nenhum, porque gostaria<br />
<strong>de</strong> citar todos.<br />
Hoje, em vários papos com criativos mais<br />
jovens, é recorrente essa analogia: “Mas você<br />
chegou na propaganda no auge da festa... A<br />
gente chegou não tinha mais salgadinho e estavam<br />
varrendo as latinhas <strong>de</strong> cerveja amassadas!”.<br />
É, o ritmo da música mudou radicalmente.<br />
Bora soltar a cinturinha e curtir.<br />
Rodolfo Sampaio é sócio e CCO da Moma Pro<br />
rodolfo@momapro.com.br<br />
50 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> <strong>2020</strong> - jornal propmark