O Lavrador das Lavras Vazias
Livro de poesias escrito em 2006 na cidade mineira de Lavras, retratando as dificuldades intrínsecas a uma nova realidade do serviço público na polícia. A solidão espiritual e a certeza de que muitas vezes na vida o ouro que se procura vem manchado de sangue e sofrimento. Às vezes uma oportunidade não é mais que uma desilusão.
Livro de poesias escrito em 2006 na cidade mineira de Lavras, retratando as dificuldades intrínsecas a uma nova realidade do serviço público na polícia. A solidão espiritual e a certeza de que muitas vezes na vida o ouro que se procura vem manchado de sangue e sofrimento. Às vezes uma oportunidade não é mais que uma desilusão.
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O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS<br />
1
O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS<br />
2
“A coragem, embora louvável no indivíduo humano, não é tão bela<br />
quanto o medo. Bonito é sentir medo, pois é com o medo que vem a<br />
superação. Quem nunca sentiu medo diante dos perigos da vida, ou diante<br />
de uma situação assustadora, é inconseqüente. Vitorioso é o que teve medo<br />
e conseguiu atravessar tal situação”.<br />
Vitor Corleone Moreira da Silva<br />
3
Comentário<br />
“Superação.Sentimento louvável que se esconde no interior <strong>das</strong> pessoas<br />
mais frágeis. Desperta com fúria e promove ao homem a realização de façanhas<br />
jamais pensa<strong>das</strong>. O inatingível se torna o topo onde é cravada a bandeira da<br />
conquista.<br />
É nos momentos mais difíceis da vida que ela se faz presente. Marca dos<br />
vencedores que trazem no rosto as provas de tão dura batalha que é a<br />
sobrevivência.<br />
Vivemos à procura de novas e mais emocionantes conquistas a cada dia, e<br />
muitas vezes deixamos simplesmente de cuidarmos de nós mesmos. O desejo<br />
pelo novo nos move com tamanha ferocidade que nossos instintos mais íntimos e<br />
mais delicados acabam sendo deixados de lado em detrimento <strong>das</strong> conquistas e<br />
dos objetos do desejo.<br />
Na vida nada é tão ruim que não possa ficar pior conforme os<br />
acontecimentos se desenvolvem, e o limite entre o desespero diante dos fatos e a<br />
coragem para reverter qualquer quadro é o que torna cada conquista mais<br />
preciosa. A dor se torna saborosa quando o que foi passado é reflexo de<br />
momentos em que a vitória é vivenciada.<br />
Isso é bom, pois quanto mais nós garimparmos o garimpo da vida mais<br />
riquezas serão encontra<strong>das</strong> nas <strong>Lavras</strong>.<br />
Superação. Força propulsora que permite a resistência. É isso que o<br />
lavrador procura em <strong>Lavras</strong> onde não existem riquezas. Procura formas para<br />
resistir à to<strong>das</strong> as dores e tormentos que seu pobre corpo calejado e faminto<br />
possui. O auxílio para sobreviver em um ambiente onde tudo é novo: mágoas que<br />
jamais foram senti<strong>das</strong>, mundos que jamais foram visitados, sentimentos e<br />
aspirações impossíveis, o exílio.<br />
Nas <strong>Lavras</strong> não havia ouro, o lavrador insistia em procurar riquezas para sua<br />
alma.”<br />
Santa Rita de Cal<strong>das</strong>, 13 de Março de 2009<br />
Vitor Corleone Moreira da Silva<br />
4
As palavras mais bonitas da língua portuguesa<br />
Amor<br />
Paz<br />
Felicidade<br />
Esperança<br />
Amizade<br />
Sentimento de igualdade<br />
Pensamento, urbanidade<br />
Pai, mãe, irmão<br />
Deus<br />
Aurora<br />
Natureza<br />
Floresta<br />
Lua, mar, amar, amar, amar<br />
Seresta, orquestra, relva<br />
Riacho, desejo, selva<br />
Beleza<br />
Certeza<br />
Momentos de prazer<br />
Realização<br />
Simplicidade, companheirismo<br />
Arte, cultura, fartura, aventura, doçura, cura<br />
Maravilha<br />
Sorriso e fraternidade<br />
Fantasia<br />
Infância, paixão, saudade<br />
Flora, fauna, animais<br />
Vida, Brasil, Minas Gerais<br />
29/12/2006<br />
5
Monotonia<br />
Só se passaram dois<br />
Ainda faltam muitos<br />
Stress, exaustão, fadiga<br />
Monotonia, fim de tarde<br />
E eu preso à essa função<br />
Regrada, complexa e numérica<br />
Monotonia, um segundo mais<br />
Ah! ‘Pasárgada’<br />
Me espera que eu vou!<br />
Movimentos inúteis<br />
Palavras que nada dizem<br />
Horas que não passam<br />
Elas demoram a ir mas vão<br />
Monotonia<br />
Do meu lado e à minha frente<br />
Um segundo mais<br />
Meus olhos hipnotizados<br />
Mórbidos somente contam<br />
Parado no tempo<br />
Monotonia<br />
Olhando o ponteiro do relógio<br />
18/05/2006<br />
6
Lágrimas<br />
Canto <strong>das</strong> águas ouvi.<br />
O toque <strong>das</strong> águas senti.<br />
As quais pareciam pedir<br />
Que as ensinasse a sorrir.<br />
Eram águas tão turvas!<br />
Eram águas tão frias<br />
Que conduziam meu corpo<br />
Ao sereno <strong>das</strong> noites vazias.<br />
Vi na imensidão <strong>das</strong> águas<br />
Na contra-mão da vida vagando,<br />
A mãe natureza do mundo<br />
Na imensidão <strong>das</strong> águas chorando.<br />
Tomei banho nas águas, tomei...<br />
E as on<strong>das</strong> levaram-me ao fundo.<br />
O lixo coloriu o mar<br />
Com o capitalismo do mundo.<br />
Eram águas tristes<br />
Da mãe, do pai, do filho insano<br />
E tornaram tristes também<br />
A vida de todo o oceano.<br />
Canto dos cisnes...ouvi.<br />
Cisnes cantam para morrer<br />
O som mais triste da vida,<br />
A vida não pode perder...<br />
Senão transborda ás águas,<br />
Com a pureza destas lágrimas<br />
Um livro manchado de sangue,<br />
Da vida, sofri<strong>das</strong> páginas.<br />
18/04/2001<br />
7
Amazona<br />
Livre como as andorinhas<br />
A amazona do campo<br />
O perfume – um encanto<br />
Que provoca o meu desejo<br />
Os mais brilhantes cacheados<br />
Os mais sorridentes e macios<br />
Nos olhos a fonte de brilho<br />
Perfumes que voam nos ares<br />
Se a aurora vem tarde<br />
Amazona acorda o dia<br />
Com sua presença que radia emoção<br />
A terra tem o cheiro dela<br />
Os passos têm a maciez <strong>das</strong> nuvens<br />
Pura como os passarinhos<br />
Perfeita como flor que se abre<br />
Marchando com o Manga-larga<br />
Um corcel branco imponente<br />
A presença dela é um alegre soneto<br />
Cantilena, seu som ofegante<br />
Que já fez versos em muitos corações<br />
O alecrim saúda a sua passagem<br />
Amazona morena<br />
O corpo mais lindo do mundo<br />
Os lábios mais perfeitos<br />
Cor e perfume do campo<br />
Dona de muitos corações<br />
E do coração que a ninguém pertence<br />
07/08/2001<br />
8
A extração do ouro<br />
Vivemos todos da extração do ouro<br />
E o nosso desejo é o brilho dourado que possibilita tudo<br />
Nessas <strong>Lavras</strong> ensolara<strong>das</strong> de chão rachado e seco<br />
Só o ouro importa e a fome existe<br />
Se nos matamos é pelo ouro<br />
O ouro guia os passos na terra e cospe no barro do chão<br />
O ouro nos chama de idiotas<br />
Mas nós damos a vida para encontrá-lo<br />
Somos o dedo recortando o barro seco<br />
Somos a pá devorando a terra rachada de sol<br />
Vivemos de lavrar minas cheias de ossos<br />
Queremos o ouro para comprar comida<br />
Queremos o ouro para comprar panelas<br />
Para devorar o mundo e estamos dispostos a morrer na busca<br />
Sem acordarmos desse pesadelo escaldante<br />
Passamos o dia sob o sol ardente<br />
Vivemos todos da extração do ouro<br />
A água é pouca pra que todos saciem a sede mas a carne quer riqueza<br />
Um terço do ouro para os impostos<br />
Muitos engolem o ouro que encontram e não pagam<br />
Muitas desavenças na Lavra – o sangue é constante<br />
Nós somos homens de roupas rasga<strong>das</strong><br />
Somos movidos a esperança e ambição<br />
De encontrar essas pedras nas <strong>Lavras</strong> cheias de ossos<br />
De pessoas que procuraram o ouro<br />
Nós somos enxa<strong>das</strong> consumindo a terra<br />
Nós somos ossos cobertos de pele sufocando o barro<br />
Para que ele cuspa o tão sonhado laurel dourado<br />
Vivemos a buscar essa riqueza<br />
Sem receio aos cânceres que o sol nos presenteia a cada instante<br />
Não tememos o sol do meio-dia<br />
Vivemos todos da extração do ouro<br />
30/06/2001<br />
9
Viver<br />
Viver<br />
É procurar diamante onde só há cristais<br />
Procurar pela água onde só existe areia<br />
Estar em um labirinto e procurar a porta<br />
Escapar da chuva e se esconder do sol<br />
Viver é desfrutar do que o momento apronta e se entregar ao amor<br />
À aventura<br />
É se aventurar onde só há quietude<br />
Desejar luzes à noite e a sombra quando é dia<br />
É querer um cobertor no inverno e dormir sem roupa no verão<br />
Sentir o perfume da flor na primavera<br />
Viver é nos encantarmos com as coisas que nos fazem bem<br />
Chorar quando estamos tristes<br />
Chorar quando estamos felizes<br />
Admirar as coisas boas da vida. Simples que se tornam eternas<br />
Viver é procurar amigos onde só há diamantes<br />
Se impressionar com a simplicidade do artesanato<br />
E não enxergar maravilhas inexplicáveis na tecnologia<br />
Ouvir nossa música preferida<br />
Cantar, sorrir, cantar<br />
Viver é tudo que nós podemos ser<br />
E aquelas coisas que não conseguimos vivemos na fantasia<br />
É desatar os nós que fecham os caminhos<br />
Olhando as estrelas viajar no espaço<br />
Procurar o fim do mundo<br />
É procurar por terra onde só existe o mar<br />
É procurar por água onde só há areia<br />
Chegar ao fundo do poço<br />
E ter a certeza de que ninguém jogará uma corda<br />
Viver é desprezar as coisas que não suportamos<br />
E guardar no peito quem admiramos<br />
Viver é querer ser jovem quando se está velho<br />
E querer ser velho nunca<br />
20/10/2006<br />
10
Anjo do sonho<br />
E vai às noites<br />
E vaga errante<br />
Enegrecido pelas folhagens<br />
E escondido pelas estrelas<br />
O puritano<br />
Espelho da essência juvenil<br />
Ou como a dor puerperal<br />
Iluminado pelas certezas<br />
E reluzindo a experiência<br />
Guardião do entendimento<br />
Razão e aprendizado<br />
De sua vida onipresente<br />
Luz que os olhos não compreendem<br />
E vai à vida<br />
E vai tentador<br />
Sempre com o brasão dos sonhos<br />
Da liberdade que o fortalece<br />
E o faz vagar nas noites<br />
E o faz descansar nos dias<br />
22/04/2001<br />
11
Encontro com a saudade<br />
Encontro hoje o cenho da saudade<br />
Como o sol carente ao doce lírio<br />
E me deito no amargor do meu penar<br />
Como a explosão de estrelas no noturno<br />
Abro os braços e abraço o nada<br />
Abro os olhos e jorram derrotas<br />
Vivo a vida e encontro a saudade<br />
Sonho, e não vejo a luz<br />
Encontro a expressão do charme<br />
Perdida na extensão de amores<br />
Mas só eu estou sofrendo<br />
Descubro a evolução da vida<br />
Esbarro em tons de várias cores<br />
Mas só eu sou incolor<br />
Encontro hoje o cenho da saudade<br />
Como o sol carente ao seco rio<br />
E me deito no amargor do meu penar<br />
Como a noite sobre a indefesa cidade<br />
Caminhando não me movo<br />
Estando só, eu sou um povo<br />
A labareda arde minha pele<br />
Sem eu estar próximo ao fogo<br />
Encontro o portal dos sonhos<br />
E o ermo coberto de dores<br />
No chão rachado pelo sol do meio-dia<br />
Sigo passos de quem não ri<br />
E que passa a vida só<br />
Vivendo com a saudade<br />
Sofrendo de ansiedade<br />
Enquanto passam-se as horas<br />
20/04/2001<br />
12
Descoberta<br />
E vejo que eu descobri liberdade<br />
Ao passo que longe havia o intransponível<br />
E hoje para mim não é mais que uma curva na estrada<br />
Sonhador, um eterno sonhador<br />
Por nunca ter a expectativa da realização<br />
Desafiando a posição ocupada na existência<br />
Provador de amores verdadeiros e falsos<br />
Loucuras, carnavais que se passaram<br />
Os quais assassinavam a insanidade na ressaca da quarta-feira<br />
Beijos verdadeiros provados<br />
E já houve morte no final da primavera<br />
Ao fim de um amor passageiro, resistente ao dia <strong>das</strong> cinzas<br />
E vejo que eu descobri a consciência<br />
Pois em tempos de loucura eu sonhava com a lua<br />
E agora também sonho com as estrelas<br />
Em tempos longínquos da escassa juventude<br />
A vontade de viver porejava num acréscimo pelo desconhecido<br />
E hoje tenho saudade daqueles tempos<br />
13/04/2006<br />
13
Vinho<br />
Vê, que o vinho me fez insídia...<br />
Devolveu-me à lembrança meu peditório<br />
Fez minha boca regurgitar poemas antigos<br />
Meus atos serem reprovados pela teleologia<br />
Vê, que o vinho me fez injúria...<br />
Pensamentos perdidos revoar em coração cheio de nada<br />
Pensar que o sofrimento não é recidivo<br />
E por um momento as palavras cheias de prazer<br />
Vê, que o vinho me fez incúria;<br />
O meu corpo repleto de vigor<br />
Tirou dos meus olhos a policromia<br />
Retirou a lucidez e me levou ao fundo do poço<br />
Vê que o vinho não teve piedade<br />
Dores passa<strong>das</strong> me debelaram<br />
Grilhão de meu infortúnio me enclausurou<br />
Rastejar perante minha face no espelho<br />
Vê, o vinho fez de mim um escravo<br />
15/04/2001<br />
14
Universo inóspito<br />
Nos braços<br />
Da blasfêmia desesperadora<br />
A alma calva que chora e se perde<br />
Triste, gemedora<br />
No amaríssimo penar<br />
De sua existência onírica<br />
Perde-se no sol de verão que resseca sonhos<br />
Sendo coberta por raios dourados<br />
Raios que alimentam a voracidade <strong>das</strong> folhas<br />
E como o lírio voraz<br />
Como o livro de paz<br />
Ou como a andorinha que voa<br />
Existe a alma nesse espaço bélico<br />
De guerra, mas que não há inimigos<br />
A extensão dos desejos<br />
De amargurado humano<br />
Que na utopia guarda lucidez<br />
Pois é trágica sua realidade<br />
Onde o intróito de sua existência<br />
É como o rio gárrulo<br />
Como o pranto forçado<br />
Ou como o golfinho que mergulha<br />
Vive, e vive somente<br />
Como se realiza qualquer outro tipo de ação<br />
A alma geme no universo inóspito<br />
O seu pesar ecoa em gritos de desespero<br />
Nos braços da blasfêmia desesperadora<br />
Ela é chorosa<br />
Calva de risos pela carência de tudo<br />
Gemedora e fraca<br />
22/05/2001<br />
15
Valsa de olhares<br />
Quando lembro de você eu enlouqueço<br />
E minha loucura é sempre pensar em você<br />
Quando te vejo minha boca sorri<br />
E meu sorriso é o espelho do seu olhar<br />
Se não te vejo me sinto cego<br />
E meu caminho é sem destino<br />
Quando passo pelas calça<strong>das</strong> eu percebo luzes<br />
Lembrando você, luz que me guia!<br />
Quando te encontro não consigo falar<br />
Mas meu sorriso ecoa do coração aos olhares<br />
Se te encontro não te posso tocar<br />
Mas o toque dos meus desejos bate o coração como tambor<br />
São apenas valsas de olhares de uma pessoa que ama<br />
E tem que se contentar em não ser amado<br />
São valsas que dançaríamos juntos<br />
Se não fosse a minha loucura ou se talvez fosse real<br />
Quando lembro de você eu enlouqueço<br />
E minha loucura é sempre pensar em você<br />
09/06/2001<br />
16
Vida vazia<br />
Se não vem o pranto<br />
Vai-se o riso<br />
Uma gota de encanto<br />
Forma um paraíso<br />
Se não murcha a rosa<br />
Floresce a dor<br />
A vida é chorosa<br />
Carente de amor<br />
A figura de morte<br />
Afoga a vida<br />
E acaba, perdida...<br />
Seca e sem sorte<br />
Se não vai juventude<br />
A velhice vem<br />
O tempo ilude<br />
E mata também<br />
Se não vem a fome<br />
Vai-se a fartura<br />
A dor consome<br />
Os prazeres da cura<br />
Se não vem a fúria<br />
Vai-se a paz<br />
Extrema penúria<br />
Alegria jaz<br />
Se não vem vingança<br />
Vai-se o perdão<br />
Adeus esperança<br />
Como vai solidão<br />
Se não vem saudade<br />
Vai-se o costume<br />
Não há piedade<br />
Só medo e ciúme<br />
Sem forças, mudo<br />
Sem ter alegria<br />
É um homem no escuro<br />
É uma vida vazia<br />
22/05/2001<br />
17
Diferenças<br />
Dorida agonia<br />
Doloroso penar<br />
É assim minha vida<br />
Quando longe está<br />
É triste o meu dia<br />
Sempre a esperar<br />
E a noite sofrida<br />
Quando longe está<br />
Mas quando está perto<br />
Vivo sempre a sorrir<br />
Nos beijos molhados<br />
A me seduzir<br />
O sorriso é constante<br />
A vida é tão bela<br />
Não há agonia<br />
Quando estou com ela<br />
11/05/2001<br />
18
Sabiá<br />
Vai sabiá, canta alto sabiá<br />
Seu canto da mata ecoa no ar<br />
E ressuscita a brisa calma<br />
Seu canto tem vida<br />
Sua vida é cantar<br />
Seu canto da terra viaja no ar<br />
Quase uma chuva<br />
Estragou a aurora<br />
Nesse dia o sabiá se calou<br />
Colheu seu canto e se refugiou<br />
Longe, lá no seu ninho<br />
E um adeus estragou a canção<br />
Sabiá aprisionado<br />
Na gaiola de madeira<br />
Pendurada na porteira<br />
Vai morrer de solidão<br />
E a mata perdeu seu canto<br />
E a vida perdeu a graça<br />
13/04/2001<br />
Quase um barulho<br />
Trovejou na canção<br />
Nesse dia o sabiá voou<br />
No outro dia o sabiá voltou<br />
Cantando bem mais bonito<br />
Ave preferida<br />
Canta alto sabiá<br />
Seu canto da terra ecoa no ar<br />
Mas quase um uivo o levou embora<br />
Quase o inverno o levou<br />
Pra outras matas<br />
Canta sabiá no campo<br />
Canta sabiá na mata<br />
No alto <strong>das</strong> árvores<br />
Nos telhados nas casas do campo<br />
Eu vou sempre ouvir seu canto<br />
Quase o medo, e a chuva,<br />
E o trovão, e o inverno<br />
Mesmo assim o sabiá voltou<br />
Canta, sabiá do campo<br />
Canta, sabiá da aurora<br />
Vai sabiá, canta alto sabiá<br />
Como seus antepassados<br />
Seu canto da terra ecoa no ar<br />
19
Diário<br />
Encontrei o espinho<br />
Quando quis tocar a flor<br />
Encontrei o vazio<br />
Quando procurei amor<br />
Encontrei o branco<br />
Quando olhei o horizonte<br />
Eu senti o gelo<br />
Sob a luz do sol poente<br />
Não senti o gosto<br />
Quando procurei sabor<br />
Não vivi coragem<br />
Quando a vida trouxe horror<br />
Eu me vi mais vivo<br />
Quando quis morrer de amor<br />
Eu estive alto<br />
Quando quis me sobpor<br />
Rastejei na terra<br />
Mas queria estar no mar<br />
Eu sentia fogo<br />
Sob o brilho do luar<br />
Mudo, de repente<br />
Sem a voz transparecer<br />
Um diário em branco<br />
Não vivi, mas quis viver<br />
23/05/2001<br />
20
Nada acontece por acaso<br />
Nada acontece por acaso<br />
Tudo é predestinado<br />
No momento certo<br />
E na hora exata<br />
Olhe ao seu redor<br />
Veja sua importância<br />
Todos precisam de você<br />
E você precisa de todos<br />
Você é importante<br />
Não se esqueça disso<br />
Antes de pensar<br />
Que ninguém nota<br />
A sua existência<br />
Nada acontece por acaso<br />
Reparte comigo sua mágoa<br />
E guarda só pra você<br />
A alegria<br />
Toma o meu ombro amigo pra chorar<br />
E as minhas palavras de consolo<br />
Nada acontece por acaso<br />
Se você está caminhando na estrada<br />
A estrada existe<br />
Porque você existe<br />
Não há razão de existir vitória<br />
Se você não estiver vivo<br />
Para alcança-la<br />
02/07/2006<br />
21
Belo<br />
É belo acordar<br />
E ver o sol brilhando no céu<br />
Os pássaros cantando<br />
Sob o céu azul, sobre o azul do mar<br />
É belo dizer<br />
Palavras amigas, frases de consolo<br />
É belo sentir saudade<br />
Tudo é belo quando a beleza é o sonho que sonhamos<br />
É belo sonhar com um mundo<br />
Cheio de paz para se viver<br />
É belo presenciar as águas do mar tocando a areia<br />
Ver as on<strong>das</strong> indomáveis no azul do oceano<br />
Indo e vindo – que lindo<br />
Olhar no azul do céu as nuvens passando<br />
Os passarinhos voando<br />
É belo observar a bailarina dançando<br />
Com sua sandália de cristal e vestido branco<br />
Os olhos se encantam – que linda<br />
Que perfeição – que pequenina<br />
É belo ver a bailarina dançando<br />
Do palco aos olhos e dos olhos às estrelas<br />
É belo sentir que os sonhos são o que nos fazem felizes<br />
É belo, é belo amar!<br />
Enfim<br />
É belo viver<br />
A vida, o amor, a amizade<br />
É belo<br />
29/12/2002<br />
22
As on<strong>das</strong> da vida<br />
A vida vem em on<strong>das</strong> que nos arrastam<br />
Como os barcos que o oceano leva<br />
E não podemos fazer nada<br />
Porque a vida vem e quebra os remos<br />
A vida vem em forma de ventos<br />
E confundem as nossas velas<br />
Ficamos à mercê da vida<br />
Não podemos controlar<br />
E mesmo assim gostamos de vivê-la<br />
A vida vem em on<strong>das</strong> que nos afogam<br />
Para que possamos aprender a nadar<br />
A vida rouba nossos movimentos<br />
Mas não nos deixa perecer<br />
A vida vem em on<strong>das</strong> que nos levam<br />
Para uma ilha onde ficamos sozinhos<br />
Uma ilha deserta e pequenina<br />
Cercada de vida por todos os lados<br />
A vida vem em on<strong>das</strong> que evaporam<br />
E cobrem o céu sobre nós<br />
A vida cai do céu e nos banha<br />
De vida<br />
A vida vem em on<strong>das</strong> que nos levam<br />
De um lado a outro sem rumo<br />
A vida cega nossos olhos<br />
E nos deixa ver somente a vida<br />
Tentamos voltar<br />
Só que as on<strong>das</strong><br />
Tornam-se correntezas<br />
Então a vida acaba<br />
Na queda de uma cachoeira<br />
29/12/2002<br />
23
Conceito de amor<br />
Amor é sentir-se além dos desejos<br />
E da solidão<br />
Se perder no meio de qualquer assunto<br />
Quem ama pensa em ficar junto<br />
Quem ama esquece o orgulho<br />
Amor é metade mais metade igual a um<br />
Mar de estrelas desaguando – carícias viris<br />
Quem ama não pensa em mais nada<br />
Só em ser feliz<br />
Numa overdose de sensações eternas<br />
Que matam de amores quando a lua nasce<br />
E no outro dia ressuscitam os homens<br />
Dá pra ver nos olhos, dá pra ver na face.<br />
Observar o arco-íris que atravessa o céu do mundo<br />
E expressar olhando ele os desejos mais profundos<br />
Acordar – todo dia –<br />
E dar um basta na tristeza<br />
Descobrir as maravilhas<br />
Do mar, do céu, da natureza<br />
O que perdemos da vida<br />
É só o que não permitimos que aconteça<br />
Amor não é pra terminar<br />
Sem prazer<br />
Amor não é pra se guardar<br />
Só viver<br />
29/12/2002<br />
24
A bailarina<br />
Num arranjo divino a estrela sob os olhos do público<br />
Graciosamente<br />
Desenvolve passo a passo sua arte<br />
O seu encanto<br />
É a bailarina<br />
Ela me faz gostar de coisas que jamais gostei<br />
Ela me faz pensar em coisas que jamais pensei<br />
Despertou os sonhos que não eu já nem sonhava<br />
E puderam acordar de tão profundo sono dentro de mim<br />
É como se a gravidade se ajoelhasse aos seus pés<br />
A bailarina voa graciosamente<br />
É como se o vento a carregasse<br />
Só que exageradamente pra longe, pra muito longe<br />
Sua alma suspira paz e tranqüilidade<br />
Só lhe faltam asas – é um anjo<br />
Voando sobre o palco de um lado a outro<br />
Encantando nossos olhos que não se cansam<br />
De admirar a bailarina<br />
Que perfeição<br />
Quanta paz ela proporciona<br />
Quem dera que ela bailasse<br />
Com tanta magia e sutileza só para mim - seria belo<br />
Mas a bailarina é um anjo<br />
E como todo anjo, não voa em um canto só<br />
O seu brilho é intenso – minha alma suspira<br />
Quando acaba o espetáculo fico ansioso<br />
Para ver novamente a bailarina<br />
Que consegue com sua tranqüilidade brilhar mais que uma estrela<br />
Ela brilha mais do que uma estrela<br />
29/12/2002<br />
25
Momentos de terror<br />
O terror de alguns momentos<br />
Já rasgou minha face<br />
Com lágrimas afia<strong>das</strong><br />
Vi o sol fugir levando o dia<br />
Deixando apenas a escuridão<br />
Momentos que fizeram<br />
O coração parar de bater<br />
E os olhos perderem<br />
O dom da visão<br />
Perdi<br />
A capacidade da coragem<br />
Momentos cruéis<br />
Que levam embora a luz<br />
Dos astros celestes e deixam<br />
As queixas tarimba<strong>das</strong><br />
De quem sofre<br />
Leva o som do oceano<br />
Leva o vento da montanha<br />
Leva a música do campo<br />
O canto do passarinho<br />
O gingado da capoeira<br />
Leva<br />
O sorriso <strong>das</strong> meninas<br />
Brincando de ciranda<br />
Faz a flor murchar mais cedo<br />
Nessas <strong>Lavras</strong> desconheci<strong>das</strong><br />
A invernia desabar<br />
Socando meu rosto com o vento<br />
Gelado, seco...rude<br />
Difícil caminhar<br />
Se os pés já não têm força<br />
Os momentos de terror<br />
Prosseguem quando vou dormir<br />
Nos jornais jogados ao chão<br />
Cheio de fome<br />
E a luz no fim do túnel<br />
Ainda está muito longe<br />
Não sei se terei tempo de alcançar<br />
Minha face costurada<br />
Como chão rachando seco<br />
Petrifica pouco a pouco<br />
Nessas <strong>Lavras</strong> gela<strong>das</strong><br />
De pessoas desconheci<strong>das</strong><br />
A luz de uma vela<br />
Ilumina minha presença<br />
Dando ar de importância<br />
Em vão<br />
Sou só eu<br />
E os meus momentos<br />
Terroristas e sem piedade<br />
Batendo em quem não tem defesa<br />
Porém apanha de pé<br />
Sem cair momento algum<br />
Sucumbindo pouco a pouco<br />
Igual ao tronco do ipê<br />
Quando cortam os seus galhos<br />
20/07/2006<br />
26
O prisioneiro<br />
Aconteceu ontem quando eu escrevia<br />
Fiquei preso em meu próprio texto<br />
Não sei como sair desse lugar desconhecido<br />
Está frio aqui e tudo é tão diferente<br />
Aqui embaixo não existe sol<br />
<strong>Lavras</strong> sem pedras preciosas<br />
Preciso encontrar um jeito de sair daqui<br />
Essas palavras não são o meu mundo<br />
Essa prisão me toca, rasgando pedaços da minha pele<br />
Sou a liberdade que faz com que o rio corra<br />
E a tarde morra dócil<br />
Para nascer a noite sob brilho de lua<br />
E depois o dia nascer e se repetir tudo de novo<br />
No esporte da existência<br />
Preciso sair daqui<br />
Esse texto regrado com sabor de fome<br />
E frio em um cobertor cheio de furos<br />
As minhas mãos estão levanta<strong>das</strong> ao ar esperando<br />
Não há chaves nessa prisão e não há portas<br />
Perecer<br />
Sonhar<br />
Chorar<br />
Preciso sair daqui, mas há furiosos vulcões...<br />
Rachando o sol e levando as pedras <strong>das</strong> <strong>Lavras</strong><br />
As que esperava encontrar<br />
Preciosas, que nesse instante<br />
São o que menos procuro<br />
Só quero sair da prisão e voltar a ser eu<br />
30/01/2006<br />
27
O dono do mundo<br />
Um dia eu acordei chateado<br />
E comprei a rua onde morava<br />
Mas a raiva não passou<br />
Comprei meu bairro e minha cidade<br />
Mas o sentimento ruim não cessava<br />
Por um preço generoso<br />
Comprei meu país e o mundo<br />
E a lua que gira ao seu redor<br />
Vi um garoto chorando<br />
E comprei as suas lágrimas com um prato de comida<br />
Minha alma sofria<br />
Por eu não poder comprar a alegria<br />
Então comprei o sol, as plantas e o universo...<br />
Fiquei triste<br />
Por não poder comprar um sorriso<br />
Mesmo que existam tantos em todo lugar<br />
Todo mundo tem<br />
Por que então não consigo<br />
Felicidade<br />
De que adianta o mundo inteiro<br />
Se o que eu quero é do tamanho de uma uva<br />
Por que sonhar se já possuo o mundo<br />
E tudo o que me falta não posso comprar com o dinheiro<br />
Um dia eu acordei com raiva e descontente<br />
Contentei em comprar um cigarro e uma pinga barata<br />
Por não poder comprar o que eu mais precisava<br />
28/04/2001<br />
28
Mudanças na paisagem<br />
No início tudo era tão mágico<br />
Parecia que eu estava sonhando<br />
Abandonei minha vidinha de brincadeiras de queimada<br />
Minha vida normal, real e feliz<br />
Deixei de lado as conquistas na pelada de rua<br />
Queria sucesso maior do que as bolinhas de gude despoja<strong>das</strong><br />
Na batalha<br />
Queria aventura maior do que escalar árvores a procura de ameixas<br />
Agora tudo está mudado<br />
Esse bairro, essas ruas<br />
As pessoas na rua não são as mesmas<br />
Antes eu chegava na janela e o cortiço estava em festa<br />
Agora só vejo detalhes arquitetônicos<br />
Que bom! Um passarinho cantando no poste de luz<br />
Faz tempo que eu não via um desses<br />
Agora as horas voam e o tempo é curto<br />
Antes uma hora dessas nós estaríamos sujos de lama brincando<br />
Ou na feirinha comprando doces<br />
Ou roubando mangas no quintal do vizinho<br />
As horas voam e o tempo muda<br />
A vida parou diante de mim em um breve instante<br />
Mas não há mais tempo para isso<br />
A magia é quanto eu poderei render<br />
Para que as conquistas<br />
E o sucesso<br />
E a aventura<br />
Possam continuar sendo produzi<strong>das</strong><br />
26/07/2006<br />
29
A verde e rosa<br />
Hoje à noite vai sair a Verde e Rosa<br />
Com um enredo que é o retrato do povo<br />
Chegou<br />
A Estação Primeira<br />
E quando hoje despontar a gloriosa<br />
No coração da bateria Verde e Rosa<br />
A emoção correrá os quatro ventos<br />
A Estação Primeira que anuncia<br />
Paz, amor, esperança...alegria<br />
Som do surdo no compasso a marcação<br />
Bate forte no pulsar o coração<br />
Uma canção suave<br />
Tranqüila como o vôo <strong>das</strong> aves<br />
E doce como o mel do campo<br />
A Mangueira é um coração na avenida<br />
Pulsando no ritmo da bateria<br />
Levando milhões a acompanhar<br />
Cada verso do seu enredo<br />
Com o samba no pé, com o samba nas mãos...<br />
Com o samba no olhar<br />
Velha guarda, o cartão-postal do morro<br />
Verde e Rosa, cartão-postal do Rio<br />
Chegou, chegou, chegou<br />
A Estação Primeira<br />
De Mangueira<br />
Chegou<br />
12/02/2002<br />
30
Sentinela<br />
É noite<br />
As bandeiras já foram arria<strong>das</strong><br />
A poeira anuncia que a ordem unida<br />
Cessou a poucos instantes<br />
Silêncio<br />
O gramado recebe a luz do luar e a geada<br />
A voz de ordem ainda ecoa no ar...e some<br />
A Calmaria é impressionante<br />
Não se ouve um grilo sequer<br />
Sinto-me como se estivesse<br />
Sendo observado por milhões de olhares<br />
Mas não há ninguém<br />
Só a noite<br />
E o silêncio<br />
E eu<br />
Os pavilhões contam<br />
A história desse lugar<br />
Basta olhar para eles por alguns segundos<br />
As luzes acesas na estátua<br />
Tem a cor <strong>das</strong> pessoas e o suor<br />
A ações em prol da vida<br />
O trabalho<br />
Tudo<br />
Os cães rompem o silêncio<br />
Por alguns instantes e param<br />
O canil dorme como se estivesse sob efeito de sonífero<br />
Pareço estar só<br />
Mas tenho um bastão e uma lanterna<br />
E a noite<br />
E o silêncio<br />
29/01/2006<br />
31
Raça Negra<br />
Amanhã...<br />
‘Quem sabe amanhã talvez’<br />
‘Quem sabe’<br />
O amor seja mais feliz do que hoje<br />
Que possamos ser iguais<br />
Dividir o nosso espaço<br />
Com pessoas de outra cor<br />
Que mereçam nossa companhia<br />
E ‘o tempo<br />
Coloque tudo no seu lugar’<br />
Que eu não precise<br />
Pedir ‘perdão’ por amar<br />
‘Quem sabe amanhã talvez’<br />
‘Quem sabe’<br />
A sociedade ‘cheia de manias’<br />
‘Que não liga pro meu sofrimento’<br />
‘E não sabe de mim’<br />
Reconheça que só ao meu lado<br />
(Nas noites de solidão e estrelas)<br />
Seu dia nascerá feliz<br />
‘E aí’<br />
‘Um beijo, um abraço,<br />
Um olhar, um sorriso...’<br />
‘Assim é o amor’<br />
Sem distinção de raça<br />
E a raça negra é confiante no amor<br />
Não ‘faz doer’<br />
Só quer o seu ‘espaço’<br />
‘Extrapola’ só em comemorar<br />
Porque a igualdade entre todos<br />
‘É tudo que eu preciso’<br />
‘Pro dia nascer feliz’<br />
Eu sou a raça negra!<br />
E se assim for<br />
‘Maravilha’<br />
24/08/2002<br />
‘Quem sabe amanhã talvez’<br />
‘Quem sabe’<br />
Precise de um tempo pra pensar<br />
Mas pensar em como é bom<br />
Viver e ser igual<br />
Onde não existam diferenças<br />
Entre o negro e o branco<br />
‘O tempo coloca tudo no seu lugar’<br />
E não nos deixa pensar no ‘fim’<br />
A barreira que nos espera ou<br />
Esquece que somos vida<br />
Porque o único ‘fim’ verdadeiro<br />
Direitos reconhecidos<br />
‘Aquilo que tem que ser será’<br />
‘A vida inteira’ ‘Como se fosse<br />
Um adolescente sonhador’<br />
Que o vento vem<br />
E carrega os pensamentos<br />
E os levam pra dentro de um<br />
‘Espelho’<br />
A consciência de cada homem<br />
32
As ruas de Belo Horizonte<br />
Para mim as ruas mais belas de Belo Horizonte<br />
São as ruas do bairro Gutierrez<br />
E as ruas do bairro Belvedere<br />
No Gutierrez é como se as subi<strong>das</strong> íngremes <strong>das</strong> montanhas<br />
Se erguessem para olhar pra Deus<br />
E o Belvedere tão calmo<br />
Permite ouvir nossos próprios passos<br />
Existem ruas movimenta<strong>das</strong> como a Curitiba<br />
A rua São Paulo, a Rio de Janeiro,<br />
A avenida Assis Chateaubriand<br />
E Existem ruas calmas<br />
Como a rua Enéas, a rua da Bandeira, a rua um<br />
Cada uma conta sua história desde o nascimento de barro batido<br />
Existem ruas que são tão distantes (de mim)<br />
Ruas do bairro Boa Vista<br />
As ruas do bairro Saudade que trazem saudade<br />
E a rua Liliana, filha da avenida Santa Albertina<br />
No bairro Casa Branca, vizinho do bairro São Geraldo<br />
Existem ruas importantes para a cidade<br />
Como a rua dos Guajajaras, a rua dos Timbiras<br />
A rua dos Tupis, Tupinambás, rua Padre Eustáquio<br />
E ruas que são pouco importantes, pouco visita<strong>das</strong>, pouco comenta<strong>das</strong><br />
Só que a rua que eu mais aprecio<br />
E que eu acho mais importante<br />
Não é uma rua, nem avenida, não é um bairro...é um lugar<br />
Um corredor cercado de iguais liberdades verdes nos dois lados<br />
A paz interior de uma passarela tranqüila<br />
Onde não se ouve os carros que passam ao seu redor<br />
E onde sinto a liberdade<br />
13/04/2002<br />
33
Embaixador do vício<br />
Quem roubou nossos direitos<br />
Tão humanos tão perfeitos<br />
E a justiça fez cessar<br />
Sentem fome as crianças<br />
Olhos quase sem esperança<br />
Rasos d’água de chorar<br />
Quero ir e vir sem medo<br />
Minha família e meu emprego<br />
Liberdade, o meu sossego,<br />
Igualdade eu sempre quis<br />
Eu sempre quis<br />
Eu me sinto perseguido<br />
Deus do céu não sou bandido<br />
Só preciso ser feliz<br />
E onde está o padrão de vida<br />
Nesses becos sem saída<br />
Lá no alto da favela<br />
Era meu sonho de liberdade<br />
Balas cruzam o céu da cidade<br />
Segurança já não há<br />
E o que vai ser deles<br />
Aqueles que o futuro condenou?<br />
Sem escola é tão difícil<br />
Vira embaixador do vício<br />
Quem não pôde ser doutor<br />
13/07/2007<br />
34
O doce dos dias<br />
Qual o sabor <strong>das</strong> manhãs?<br />
Onde nada mais existe do que o mesmo sol<br />
Aquecendo as ruas e telhados <strong>das</strong> casas.<br />
Evaporando os minúsculos cristais de gelo,<br />
Que se formam to<strong>das</strong> madruga<strong>das</strong> sobre as mesmas lajes.<br />
Não há doce, não existe ternura alguma.<br />
O açúcar da disposição destila e se torna cachaça,<br />
O licor da saúde nada mais é que o vinho.<br />
O que os pássaros procuram com o canto?<br />
Por que essas rosas estão se abrindo?<br />
Por que as nuvens passam no espaço com alegria<br />
Se não há alegria nem doçura alguma?<br />
Tudo é normal e o normal é que provoca.<br />
É voraz o tempo que consome as perguntas<br />
E me deixa sempre sem as respostas.<br />
Eu queria sentir o sabor da manhã<br />
Escorrendo em minha boca, mas não existe mel.<br />
O sabor da manhã não há<br />
Porque não há o pão.<br />
Não há o doce porque na boca só há saliva<br />
E na vida não há nada mais<br />
Do que a própria vida.<br />
17/06/2006<br />
35
Volúpias<br />
Sempre que me lembro dos prazeres<br />
A esperança percorre todos os meus músculos<br />
Os dias cheios de volúpias<br />
Banham a boca de nostalgia e desejo<br />
Os dias que foram frios<br />
São para mim o antigo orvalho<br />
Havia aquela que trazia calor e encanto<br />
Lembro-me, e um sorriso aparece no meu rosto<br />
Volúpias, prazeres da carne<br />
As noites eram um vendaval de sorrisos e vinhos<br />
Barulho de taças<br />
Volúpias, beijos molhados<br />
O irrealizável a longo prazo – momentos passageiros<br />
Banho dourado que fica só na lembrança<br />
Tempero doce que percorre o corpo<br />
As sensações viris que desenham loucuras<br />
Os sentidos de todo o corpo<br />
Afogam-se no mar de forçosa volúpia<br />
Nós somos leigos em matéria de amor<br />
Somos tolos e a paixão nos consome<br />
E momentos de apenas carícia e satisfação<br />
Provocam lembranças insaciáveis<br />
Prazeres por toda a vida<br />
É o laurel da jornada cheia de dores<br />
E o adversário mais forte<br />
É a incerteza que nos persegue<br />
Nos caminhos que sempre traçamos<br />
Volúpias, a satisfação não possui limites<br />
Todo homem recorda momentos<br />
O sabor do prazer reside nos lábios<br />
20/05/2001<br />
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