Psicologia e Diversidade Sexual - CRP sp
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tais regras rígidas e estratificadas socialmente.<br />
Como dirá Smalls (2003, p. 141):<br />
De modo geral, o termo se fixou à ideia de liberdade<br />
individual e ao desenvolvimento de concepções modernas<br />
de eu. Os libertinos eram representados como<br />
corruptos que corrompiam as mulheres casadas e<br />
abusavam de virgens. A libertinagem era igualmente<br />
ligada à moda, ao teatro e ao desenvolvimento da<br />
pornografia. Ela tinha como valor a consumação de<br />
jogos de risco, de gravuras eróticas ou de vestes caras.<br />
Porque ela estava associada ao teatro, a libertinagem<br />
portava em si qualidades de jogo e de e<strong>sp</strong>etáculo6 .<br />
No fim do século XVIII a libertinagem chega a<br />
seu término com a trágica história da morte do<br />
Marques de Sade (1740-1814). Mas isso não eliminou<br />
a libertinagem e a homossexualidade das<br />
referências culturais e científicas (como veremos<br />
adiante), porém a transformaram.<br />
Podemos dizer que, paulatinamente, as práticas<br />
homoeróticas foram se tornando mais visíveis<br />
e toleradas imageticamente. Isto porque, tanto no<br />
neoclassicismo quanto no realismo produziram<br />
representações estéticas magníficas de relações<br />
homoeróticas explícitas, tais como O banho<br />
turco, do artista Jean Auguste Dominique Ingres<br />
de 1862 que, ainda que tenha como referência o<br />
olhar masculino sobre o amor entre mulheres,<br />
não deixa de evidenciar sua existência, valor<br />
moral e estético.<br />
O fim do século XIX traz para a cena científica<br />
os trabalhos de Sigmund Freud e de sexólogos importantes<br />
como Karl Heinrich Ulrichs (1825-1895),<br />
Magnus Hirschfeld (1868-1935) e Richard von<br />
Krafft-Ebing (1840-1902) que retiram as práticas<br />
homoeróticas da cena criminal na qual estavam<br />
obscurecidas e a trazem para o campo ‘iluminado’<br />
da ciência. Suas ideias, ao considerarem a<br />
sexualidade, um fenômeno “biológico” isento,<br />
portanto, de valores culturais, religiosos e/ou<br />
educacionais, contribuíram para a construção<br />
6 Vicent Quinn, Libertines and Libertinism. In Haggerty, op. cit.,<br />
pp. 540-54, citado por Smalls, ibid., p. 141.<br />
da identidade homossexual tal qual a conhecemos<br />
hoje. Entretanto, apesar das contundentes<br />
afirmações de Hirschfeld sobre a homossexualidade<br />
ser apenas uma dentre as várias formas<br />
de manifestação da sexualidade, bem como das<br />
afirmações freudianas sobre o quanto a orientação<br />
do desejo sexual seria determinado por<br />
questões inconscientes e pulsionais, a noção de<br />
normalidade da heterossexualidade defendida<br />
por Krafft-Ebing foi vitoriosa e, assim, as práticas<br />
homoeróticas ocuparam um lugar junto às<br />
psicopatologias, às doenças e os desvios sexuais<br />
(perversões).<br />
O filósofo francês Michel Foucault<br />
em sua trilogia Histoire de la<br />
<strong>Sexual</strong>ité, observou que a identidade<br />
homossexual é um fenômeno<br />
moderno.<br />
A invenção da homossexualidade e a consolidação<br />
da homofobia<br />
O filósofo francês Michel Foucault em sua trilogia<br />
Histoire de la <strong>Sexual</strong>ité7 , observou que a identidade<br />
homossexual é um fenômeno moderno. Ou<br />
seja, até o século XIX as pessoas de mesmo sexo<br />
biológico se relacionavam sexual e eroticamente<br />
(homoeroticamente), mas não eram chamadas homossexuais<br />
e, portanto, não se sentiam enquanto<br />
tais. Assim, as práticas homoeróticas existiam,<br />
mas não existia a homossexualidade.<br />
A palavra homossexual foi usada pela primeira<br />
vez na Alemanha em 1869, pelo escritor austro-<br />
-húngaro, Karl Maria Kertbeny. Ele irá publicá-la<br />
em manuscritos clandestinos, dirigidos ao governo<br />
alemão, visando combater o Código penal prussiano<br />
143 que criminalizava esta prática sexual,<br />
argumentando que não se podia criminalizar<br />
7 Os três volumes (Os cuidados de si, O uso dos prazeres e A<br />
vontade de saber) dessa trilogia de Foucault foram publicados<br />
pela Editora Graal, Rio de Janeiro.<br />
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