Psicologia e Diversidade Sexual - CRP sp
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principalmente, uma mudança na erótica, que é<br />
revelada, desde há alguns anos, por alguns autores<br />
que se agrupam academicamente no campo dos<br />
Estudos Gays & Lésbicos e no movimento Queer.<br />
Estes trabalhos estão desenvolvendo muitas<br />
pesquisas e elaborações sobre a sexualidade contemporânea<br />
num campo que a psicanálise tinha<br />
deixado parcialmente vago pela sua preocupação<br />
com as normas e a patologia. Por isso, para ampliar<br />
minha pesquisa sobre o tema, fiz uma sondagem<br />
do trabalho de alguns desses estudiosos para identificar<br />
e caracterizar as questões e discussões sobre<br />
o tema que impliquem articulações relevantes para<br />
a psicanálise (Barbero, 2004).<br />
Os textos produzidos no campo do Gay &<br />
Lesbian Studies tiveram origem num movimento<br />
surgido nas universidades dos Estados Unidos,<br />
nos anos de 1980 e lentamente foram sendo traduzidos<br />
e conhecidos em outros países. Trata-se<br />
de trabalhos de diversas áreas: letras, história,<br />
antropologia, etc., que questionam a tradicional<br />
divisão entre hetero e homossexualidade, as identidades<br />
e categorias sexuais binárias, as relações<br />
entre sexo e poder, os gêneros como criações<br />
culturais e muitas outras coisas mais, pondo em<br />
dúvida antigas “verdades” em relação ao sexo e à<br />
sexualidade e a história que deles fora realizada<br />
até então. Eles não são meramente resultado de<br />
debates ideológicos, mas são sempre, total ou<br />
parcialmente, testemunhais e pretendem “dar a<br />
saber”, ou seja, falam de uma experiência pessoal.<br />
Pouco depois apareceu o movimento queer (<br />
que significa torto, estranho), um movimento de<br />
resistência às normas e às determinações sociais<br />
que pretende disciplinar o erotismo e as identidades<br />
com normas rígidas e pré-estabelecidas. A<br />
“contra-sexualidade” 8 proposta pelos movimentos<br />
de resistência surgiria frente ao que entendem como<br />
uma máquina que fala do natural e do antinatural e<br />
marca o caráter de artifício de qualquer sexualidade<br />
ou identidade sexuada, inclusive a homossexual.<br />
8 A obra “Manifesto Contra-sexual”, escrita por Beatriz Preciado<br />
(Preciado, 2002) é representativa deste movimento.<br />
Pouco depois apareceu o movimento<br />
queer ( que significa torto, estranho),<br />
um movimento de resistência às<br />
normas e as determinações sociais que<br />
pretende disciplinar o erotismo e as<br />
identidades com normas rígidas e préestabelecidas.<br />
Os Gay & Lesbian Studies e o Movimento Queer<br />
têm produzido muitos textos de diferentes qualidades,<br />
mas sempre polêmicos e contextualizados em<br />
momentos históricos e<strong>sp</strong>ecíficos, dialogando entre<br />
si e com outras ciências, e<strong>sp</strong>ecialmente com a filosofia<br />
e a psicanálise. Estes autores são classificados<br />
dentro do construcionismo, ou construtivismo, sem<br />
se prestar atenção às várias linhas que existem na<br />
psicologia social e outras disciplinas que podem ser<br />
assim denominadas. O que eles têm em comum é<br />
a idéia de que tudo o que é relacionado aos sexos,<br />
gêneros e identidades, depende do contexto histórico,<br />
social e cultural em que se desenvolvem. Estes<br />
estudos estão sendo considerados, às vezes, como<br />
nominalistas, o que implicaria na idéia de negar a<br />
existência de um registro real na sexualidade.<br />
Não concordo com esta ideia, mas “real” é um<br />
conceito lacaniano que levou muitos anos para ser<br />
desenvolvido e seu uso deveria ser muito cuidadoso.<br />
9 E, mesmo assim, se nos textos produzidos pelos<br />
Gay & Lesbian Studies e pelo Movimento Queer<br />
falta a ideia de real, não por isso tudo fica sendo<br />
descartável, como alguns autores parecem supor.<br />
Suas críticas podem ser discutíveis, o campo não é<br />
homogêneo, mas elas representam referências para<br />
uma interlocução que é, neste momento, indi<strong>sp</strong>ensável<br />
para a psicanálise, que parece ter se desviado<br />
9 Confunde-se em muitos textos o conceito de diferença sexual<br />
com o real da diferença anatômica entre corpos de homens e<br />
mulheres e volta-se a colocar como verdade suprema aquela<br />
frase napoleônica que Freud sustentou em algum momento,<br />
de que anatomia é destino, sugerindo com isto uma volta à<br />
naturalidade e à essencialidade, algo que não pode ser, de<br />
maneira alguma, afirmado como óbvio.