Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Apresentação<br />
a noite como metáfora do amor que <strong>Hipólito</strong> insiste em <strong>de</strong>sconhecer, ao optar<br />
pela pureza solar do conhecimento asséptico. Se a noite oculta o <strong>de</strong>scontrolo<br />
das paixões (logo, do sonho, do acaso, do inconsciente), o dia, por oposição, é a<br />
hora segura em que o conhecimento parece dar-se no pleno domínio da razão,<br />
do controlo das pulsões. É a partir <strong>de</strong> tal jogo semântico que o investigador<br />
discorrerá sobre os aspetos epistemológicos do amor na tragédia euripidiana<br />
e analisará os pontos <strong>de</strong> vista não só <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong> e <strong>Fedra</strong>, mas, igualmente, da<br />
Ama e <strong>de</strong> Teseu.<br />
Na sequência, Mariana Montalvão Horta e Costa Matias <strong>de</strong>dica-se à<br />
<strong>Fedra</strong> <strong>de</strong> Séneca. O capítulo <strong>de</strong> Matias, ao questionar, logo no título, sobre<br />
o “que po<strong>de</strong> a razão perante o triunfo das paixões”, investe em duas frentes:<br />
(1) a leitura comparada entre a construção dramática senequiana e a filosofia<br />
estoica implicada no seu teatro, por <strong>um</strong> lado, e (2) as diferenças <strong>nos</strong> acentos<br />
trágicos <strong>de</strong> Séneca e Eurípi<strong>de</strong>s no tratamento do <strong>mito</strong>, por outro. No primeiro<br />
aspeto, a autora localiza o drama <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> na encruzilhada entre a virtu<strong>de</strong> (a<br />
conformida<strong>de</strong> da alma com a natureza, resultando na feliz tranquilitas animi)<br />
e o vício (as plantas daninhas das paixões, que inflamam, pelo furor, <strong>um</strong>a alma<br />
obcecada pela morte). Não é à toa que Séneca, embora inspirado por Eurípi<strong>de</strong>s,<br />
<strong>de</strong>sloca o protagonismo <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong>, como propôs o grego, para <strong>Fedra</strong>, que<br />
agora dá título ao drama latino. E aqui se localiza o epicentro das diferenças<br />
entre os dois tragediógrafos, como observa a investigadora na segunda frente<br />
do seu contributo. Em Séneca, não há espaço, como havia em Eurípi<strong>de</strong>s,<br />
para <strong>um</strong>a reconciliação final (nomeadamente, entre <strong>Hipólito</strong> e Teseu) capaz<br />
<strong>de</strong> <strong>nos</strong> levar à compaixão; pelo contrário, o “gosto inusitado do autor pela<br />
fisicalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana” explicita aos leitores/ espectadores os restos mortais <strong>de</strong><br />
<strong>Hipólito</strong>. Não obstante, é a própria <strong>Fedra</strong> quem, antes <strong>de</strong> morrer, confessa a<br />
mentira engendrada a Teseu, rei e herói que encerra o drama <strong>de</strong>vastado pelo<br />
seu irreversível fado.<br />
A encerrar a primeira parte do vol<strong>um</strong>e temos o contributo sevilhano <strong>de</strong><br />
Carmen Arias Abellán, investigadora que também se <strong>de</strong>bruça sobre a <strong>Fedra</strong><br />
<strong>de</strong> Séneca, mas n<strong>um</strong>a abordagem inteiramente diferente da do capítulo <strong>de</strong><br />
Mariana Matias. Desta vez, a heroína trágica é percebida como <strong>um</strong> discurso:<br />
ou seja, o que dá existência à <strong>Fedra</strong> que conhecemos diz respeito, na verda<strong>de</strong>,<br />
àquilo que a própria personagem diz <strong>de</strong> si mesma e que se vai complementar<br />
ou entrechocar com o que mais as outras figuras do drama <strong>de</strong>la dizem. Nestes<br />
sintomas discursivos – os quais, segundo a autora, estão patentes, sobretudo,<br />
no uso dos adjetivos –, Abellán <strong>de</strong>tetará três eixos principais, a saber: (1) os<br />
sig<strong>nos</strong> do amor (signa amoris) que psíquica e fisicamente se manifestam em<br />
<strong>Fedra</strong>; (2) a atitu<strong>de</strong> da heroína diante <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong>, marcada principalmente<br />
pela súplica; e (3) a valoração moral da conduta <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>. Nesse sentido, a<br />
investigadora conclui que Séneca se alinha à tendência, iniciada na tragédia<br />
13