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Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

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Do amor como <strong>de</strong>sconhecimento<br />

Do amor como <strong>de</strong>sconhecimento<br />

Gustavo Bernardo<br />

Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

“Sou o único entre os homens que tem este privilégio: conviver e<br />

conversar contigo, ouvindo o som da tua voz, sem olhar, porém,<br />

para o teu olhar” (Eurípi<strong>de</strong>s, <strong>Hipólito</strong>, vv. 84-85)<br />

Na tradução <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Lourenço para a peça <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, assim se<br />

<strong>de</strong>fine <strong>Hipólito</strong> na presença <strong>de</strong> Ártemis: o único homem que po<strong>de</strong> conversar<br />

e mesmo conviver com a <strong>de</strong>usa, ainda que não lhe seja permitido olhar para<br />

o olhar <strong>de</strong>la. Ártemis não é qualquer <strong>de</strong>usa, mas a própria <strong>de</strong>usa da castida<strong>de</strong>,<br />

portanto da pureza. <strong>Hipólito</strong> traz para ela <strong>um</strong>a coroa <strong>de</strong> flores que só po<strong>de</strong>m<br />

ser colhidas pelos que “nada precisam <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, partilhando sempre, em<br />

todas as coisas, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a castida<strong>de</strong> que lhes está na natureza” (vv. 79-80).<br />

Estamos bem no começo da peça e salta aos olhos do espectador e do<br />

leitor a arrogância do personagem, parecendo representar já a sua hybris, isto é:<br />

o crime do excesso e do ultraje que se traduz em <strong>um</strong>a provocação aos <strong>de</strong>uses e<br />

à or<strong>de</strong>m estabelecida.<br />

Entretanto, <strong>Hipólito</strong> não <strong>de</strong>safia nem provoca Ártemis, ao contrário: ele<br />

a homenageia sobre todas as <strong>de</strong>usas. Se há <strong>de</strong>safio, ele se dirige ao restante da<br />

h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, ao restante dos homens. Eu sou melhor do que qualquer <strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

vocês, é o que afirma o filho <strong>de</strong> Teseu. <strong>Hipólito</strong> age como se soubesse quem<br />

era, como se soubesse até que era melhor do que qualquer <strong>um</strong> dos <strong>de</strong>mais.<br />

Mas, como todos os outros personagens, e por extensão como todos os leitores<br />

daquele tempo e do <strong>nos</strong>so tempo, ninguém sabe sequer quem é, o que impe<strong>de</strong><br />

a todos <strong>de</strong> saber qualquer coisa <strong>de</strong>finitiva e completa sobre os outros ou sobre<br />

o mundo.<br />

Ainda que homenageie a <strong>de</strong>usa, <strong>Hipólito</strong> o faz por oposição às <strong>de</strong>mais,<br />

<strong>de</strong>svalorizando-as por via <strong>de</strong> consequência. Esta <strong>de</strong>svalorização é obviamente<br />

mais intensa no que se refere a Afrodite – ou Cípris, como é chamada na<br />

peça a divinda<strong>de</strong> do amor, logo, a antítese necessária da castida<strong>de</strong> (por ter sido<br />

levada após o nascimento para a ilha <strong>de</strong> Chipre, em grego Kypros). O Servo<br />

<strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong>, preocupado com a <strong>de</strong>sfeita a Cípris, faz o amo concordar que se<br />

<strong>de</strong>ve odiar o orgulho, perguntando-lhe a seguir por que não se dirige a <strong>um</strong>a<br />

divinda<strong>de</strong> altiva. Reconhecendo a intenção do Servo, o mesmo <strong>Hipólito</strong> que<br />

concordara em odiar o orgulho obsta, orgulhoso: “Qual? Pon<strong>de</strong>ra bem, não vá<br />

a tua boca escorregar!” (v. 100).<br />

O Servo, sem se intimidar, respon<strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> Cípris. <strong>Hipólito</strong> diz que<br />

a saúda <strong>de</strong> longe, por ser puro (o que não é <strong>um</strong>a auto-avaliação propriamente<br />

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