Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
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Arqueologia do agora: sobre a encenação <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong> pelo Thíasos<br />
da rainha, <strong>de</strong>sconhecedoras <strong>de</strong> que estão a preparar o seu leito <strong>de</strong> morte; da<br />
mesma maneira, a casa que está a ser arr<strong>um</strong>ada é a mesma que, terminada a peça,<br />
simbolicamente <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir, <strong>de</strong>struída <strong>nos</strong> seus alicerces fundamentais.<br />
Tal quadro do <strong>de</strong>spojamento feminino <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> colhe, <strong>de</strong> resto,<br />
confirmação na pintura <strong>de</strong> vasos antiga, refira-se ela ou não ao <strong>mito</strong> em causa.<br />
Damos o exemplo <strong>de</strong> <strong>um</strong> calyx-krater apúlio <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 350 a.C. (London F<br />
272 = RVAp 18/14 = LIMC ‘Phaidra’ 11), atribuído ao Pintor <strong>de</strong> Laodamia,<br />
cuja parte superior parece representar a primeira parte da peça. A cena,<br />
muito discutida, representa sinopticamente diferentes momentos da peça e<br />
parece reproduzir, a acreditar na interpretação <strong>de</strong> O. Taplin (2007: 132-133),<br />
<strong>Fedra</strong> a ser convencida pela Ama, tendo sobre si <strong>um</strong> Eros alado (à esquerda),<br />
Afrodite e <strong>um</strong>a companheira (talvez a <strong>de</strong>usa Persuasão), tendo por <strong>de</strong>trás <strong>um</strong><br />
leito (ao centro) e, finalmente, o Servo mais idoso <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong> em diálogo<br />
com <strong>um</strong>a figura feminina, naquilo que parece ser <strong>um</strong>a representação do<br />
discurso do Mensageiro (à direita). De realçar o <strong>de</strong>talhe na pintura do leito,<br />
rico e on<strong>de</strong> abundam almofadas, mas também das vestes <strong>de</strong> Afrodite e <strong>Fedra</strong>,<br />
ambas apostando na transparência. No caso da rainha, é ainda visível o véu<br />
com que cobre a cabeça <strong>nos</strong> momentos em que recupera a consciência, algo<br />
que, na <strong>nos</strong>sa encenação, concretizámos n<strong>um</strong> acessório <strong>de</strong> figurino em tudo<br />
próximo da burka árabe, como quem quer sugerir, <strong>de</strong> forma mais imediata, ser<br />
a consciência social e religiosa a gran<strong>de</strong> prisão da personagem. Um a<strong>de</strong>reço<br />
<strong>de</strong> figurino <strong>de</strong> cujo efeito <strong>de</strong> estranhamento estamos conscientes, mas que<br />
preten<strong>de</strong> exatamente captar o olhar dos espectadores para o rosto coberto da<br />
rainha, criando neles a expectativa da sua revelação. Além <strong>de</strong>ste leito, pouco<br />
ou nenh<strong>um</strong> cenário mais existe na <strong>nos</strong>sa versão da peça. Apenas <strong>um</strong> banco<br />
para cada elemento do Coro que, mudando <strong>de</strong> local ao longo da peça, vai<br />
construindo quadros mais ou me<strong>nos</strong> simétricos, pilares que emolduram (mais<br />
do que o sustentam) esse palácio, prestes também eles a ruir.<br />
A aposta recaiu, como já fomos dizendo, sobretudo na construção do<br />
espaço <strong>de</strong> cena, à medida que as personagens vão trazendo elementos para<br />
o palco. Assim, o coro <strong>de</strong> Servos <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong> traz consigo os bancos e <strong>um</strong>a<br />
estrutura que, em seguida, pela atuação do filho <strong>de</strong> Teseu, se percebe tratar-se,<br />
figurativamente, do altar <strong>de</strong> Ártemis, à esquerda da boca <strong>de</strong> cena; aí <strong>de</strong>posita<br />
ele o arco, as flechas e <strong>um</strong>a coroa por ele mesmo tecida, artefactos que, na sua<br />
entrada final, serão envergados pela própria divinda<strong>de</strong>; e o Coro, concretizada<br />
a metamorfose <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> e tornada pública a manifesta (e irreversível) <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> morrer e culpar o enteado, recebe das mãos da própria <strong>de</strong>usa Afrodite – em<br />
cena <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Prólogo, qual estátua que, nesse momento, ganha vida – quatro<br />
fitas com as quais dança freneticamente, qual grupo <strong>de</strong> bacantes possuídas<br />
pelo <strong>de</strong>us, simbolizando as teias da paixão que enredaram a rainha e ditaram<br />
a sua morte. Retoma esta coreografia a imagem do enforcamento <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>,<br />
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