18.04.2013 Views

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Fedra</strong> e <strong>Hipólito</strong> no cinema<br />

evitar que sobre Fernando caia a suspeita da sua homossexualida<strong>de</strong>. Ao invés.<br />

O incómodo é visível no jovem, que se sente oprimido pelo facto <strong>de</strong> agora,<br />

mais do que nunca, ser o centro das atenções da recém-madrasta. E mais do<br />

que <strong>um</strong> eventual dilema <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no espírito do rapaz, o momento em<br />

que ele observa Estrela tomando o seu banho, n<strong>um</strong>a cena <strong>de</strong> claros ecos míticos<br />

(tema <strong>de</strong> Actéon) e herodotia<strong>nos</strong> e bíblicos (<strong>de</strong>signadamente dos episódios <strong>de</strong><br />

Candaules e <strong>de</strong> David e Betsabé e <strong>de</strong> Susana), <strong>de</strong>verá significar sobretudo a<br />

ameaça da opressão sobre a sua liberda<strong>de</strong> existencial, i.e., da sua orientação<br />

sexual 25 . A confissão do asco que sente pela madrasta comprova-o e a suposta<br />

homossexualida<strong>de</strong> torna-se aqui metáfora da castida<strong>de</strong> entregue a Ártemis. A<br />

este propósito, há que recordar que os autores antigos, <strong>de</strong>signadamente Séneca,<br />

sugeriam o homossexualismo como fazendo parte do perfil quer <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong>,<br />

através da sua misoginia, quer <strong>de</strong> Teseu. Com efeito, esta faceta correspon<strong>de</strong> à<br />

misoginia do <strong>Hipólito</strong> antigo, em particular o do dramaturgo latino 26 .<br />

A figura <strong>de</strong> Fernando, louro, vestido <strong>de</strong> branco e montado sobre <strong>um</strong> cavalo<br />

da mesma cor, qual metáfora da inocência do rapaz, <strong>de</strong>staca-se no horizonte<br />

da praia <strong>de</strong> Aldor e Estrela torna-se incapaz <strong>de</strong> controlar a paixão pelo jovem.<br />

Doravante, o comportamento <strong>de</strong> Estrela assemelha-se ao <strong>de</strong> <strong>um</strong>a criança<br />

rejeitada e imatura. É o ciúme que a consome. Apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>testar o sol, as cores<br />

que dominam Fernando associam-no à luz, <strong>de</strong> certa forma indicadora dos<br />

valores do <strong>Hipólito</strong> <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> Séneca, por oposição aos dos animais<br />

que se revelarão seus opositores: o touro e o cavalo 27 . De igual modo, tal como<br />

acontece com o filme <strong>de</strong> Dassin, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> símbolos visuais contribui<br />

para essa i<strong>de</strong>ntificação, como a presença dos cavalos ou a estatueta com a forma<br />

<strong>de</strong>sse animal colocada junto à fotografia que Fernando tem no quarto.<br />

Já o recurso à caracterização <strong>de</strong> Estrela envergando <strong>um</strong> vestido branco que<br />

contrasta com o negro das mulheres da praia, e que reconhecemos no filme <strong>de</strong><br />

Dassin, aparecia já na película <strong>de</strong> Mur Oti. Outros símbolos caracterizados<br />

como “metáforas visuais” reconhecem-se noutros domínios, como a presença<br />

do mar e da tempesta<strong>de</strong>, o locus horrendus, que voltam a ser <strong>um</strong> elemento<br />

fundamental nesta composição, ou a do castelo, que simboliza o palácio real da<br />

antiga tragédia (cf. F. Salvador Ventura 2008: 511).<br />

25 Ver Ov. Met. 3.131-252; Hdt. 1.7-13; 2Samuel 11; Daniel 13.<br />

26 Cf. Eur. Hipp. 616-634; Sen., Phaed. 244, 566-579; Ov., Her. 4.109-112; Ver J. A.<br />

Segurado e Campos 1983-1984: 158, 166, que nota que o “<strong>Hipólito</strong> <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s revela-se<br />

misógino <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> saber da paixão <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>, o <strong>de</strong> Séneca, mesmo antes <strong>de</strong> suspeitar do caso”. O<br />

mesmo autor refere que a misoginia do <strong>Hipólito</strong> senequiano não é mais do que a contrapartida<br />

das inúmeras aventuras amorosas <strong>de</strong> Teseu. Nem sempre é assim nas versões cinematográficas.<br />

Eventualmente, sê-lo-á na adaptação <strong>de</strong> O’Neill/ Mann.<br />

27 O recurso à imagem <strong>de</strong>stes animais para construir o <strong>mito</strong> está presente logo <strong>nos</strong> textos<br />

antigos e foi consecutivamente transportada para a tela. Sobre o simbolismo do cavalo e do<br />

touro no <strong>mito</strong> em questão, ver M. Paschalis 1994.<br />

157

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!