18.04.2013 Views

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Nuno Simões Rodrigues<br />

se coadunam pouco com essa diretriz. É ao perceber que <strong>de</strong>sperta o <strong>de</strong>sejo<br />

no enteado, por exemplo, que Abbie avança para a sedução. E as diferenças<br />

não se ficam por aí. Ao contrário do <strong>Hipólito</strong> euripidiano ou mesmo do<br />

senequiano, Eben reivindica <strong>um</strong>a personalida<strong>de</strong> ambiciosa e ardilosa, algo<br />

freudiana mesmo, na relação que parece manter com a memória evocada da<br />

mãe. Essa tonalida<strong>de</strong> psicanalítica percebe-se também no ambiente opressivo<br />

que se vive na casa dos Cabot, particularmente expressa pela relação dos filhos<br />

com o pai, que acabará por conduzir à hipótese <strong>de</strong> matar o próprio pai. Além<br />

disso, é o <strong>de</strong>sidério da posse da terra que se <strong>de</strong>staca como o tema catalisador da<br />

tragédia, e não o problema do religioso. Paradoxalmente, isso faz <strong>de</strong> Eben <strong>um</strong>a<br />

figura profundamente telúrica. Esta opção correspon<strong>de</strong>, como é evi<strong>de</strong>nte, às<br />

diferenças epocais que justificam os r<strong>um</strong>os alternativos na <strong>de</strong>finição do trágico.<br />

Por outro lado, o egocentrismo que se reconhece na personagem <strong>de</strong> Perkins<br />

parece <strong>de</strong>ver algo a Eurípi<strong>de</strong>s e a Séneca.<br />

As tonalida<strong>de</strong>s psicoanalíticas são profundas neste drama 32 . Se Eben se<br />

apresenta como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> Édipo, já Abbie passará por ser <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong><br />

Me<strong>de</strong>ia. Ao dar à luz <strong>um</strong>a criança que acaba por se revelar <strong>um</strong> obstáculo à<br />

manutenção da sua relação adulterina com o enteado, opta pelo mais vil dos<br />

<strong>caminhos</strong>, ao assassinar o próprio filho. Nesse momento, o caráter <strong>de</strong> Abbie<br />

passa a i<strong>de</strong>ntificar-se com a figura <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia, sendo que o sentimento amoroso<br />

continua aqui válido como móbil do hediondo crime. Após a rejeição, porém,<br />

Eben chama a si <strong>um</strong> traço <strong>de</strong> h<strong>um</strong>anismo comovente, ao enten<strong>de</strong>r a atitu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Abbie e as razões para a sua loucura. Os amantes confessam-se perante<br />

o marido enganado que resiste a matá-los e prefere entregá-los ao braço<br />

armado da justiça, qual bom cidadão norte-americano. Mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

a cegueira <strong>de</strong> Eben, <strong>um</strong>a vez mais edipiana ao mesmo tempo que sintomática<br />

do seu narcisismo, que o conduziu à sua própria tragédia. E o seu castigo<br />

nemésico, bem como o da sua cúmplice amorosa, passa por viver o remorso do<br />

homicídio do próprio filho e a eventual forca como <strong>de</strong>senlace final. De certo<br />

modo, todavia, há alg<strong>um</strong>a felicida<strong>de</strong> para o casal enamorado, que acorda o<br />

<strong>de</strong>stino com<strong>um</strong>.<br />

O’Neill representa <strong>um</strong>a nova expressão na dramaturgia norte-americana<br />

contemporânea. Quando em 1958 Delbert Mann adaptou a peça ao cinema<br />

estava por certo preocupado, em primeiro lugar, com a versão do texto <strong>de</strong><br />

O’Neill, aqui adaptada por Irwin Shaw. Mas é evi<strong>de</strong>nte que o substrato clássico<br />

do enredo do mesmo se <strong>de</strong>staca sobre qualquer outro tópico e é impossível<br />

32 J. Glenn 1976 consi<strong>de</strong>ra mesmo que essas tonalida<strong>de</strong>s remontam ao próprio Eurípi<strong>de</strong>s,<br />

que não teria necessitado <strong>de</strong> <strong>um</strong> Freud para se aperceber da tensão inerente às mesmas. O<br />

simbolismo sexual, por exemplo, está presente nas falas da <strong>Fedra</strong> euripidiana com particular<br />

acentuação.<br />

160

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!