Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
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<strong>Hipólito</strong> e a aprendizagem teatral: atuar em face do trágico<br />
<strong>Hipólito</strong> e a aprendizagem teatral:<br />
atuar em face do trágico<br />
Claudio Castro Filho<br />
Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
“Quando <strong>nos</strong> confrontamos com o conjunto da tradição (...),<br />
percebemos que não começamos do zero mas que operamos<br />
em <strong>um</strong>a atmosfera <strong>de</strong>finida e especial. Quando as <strong>nos</strong>sas<br />
pesquisas revelam e confirmam o lampejo <strong>de</strong> intuição <strong>de</strong> alg<strong>um</strong><br />
outro, ficamos cheios <strong>de</strong> h<strong>um</strong>ilda<strong>de</strong>. Percebemos que o teatro<br />
tem certas leis objetivas e que a realização só é possível <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>las...” ( J. Grotowski 2007: 112)<br />
Ao voltarmos <strong>nos</strong>sas atenções, no teatro contemporâneo, para apenas<br />
alg<strong>um</strong>as das muitas revisitações dramatúrgicas à <strong>mito</strong>logia que cerca as<br />
figuras contrastantes <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong> e <strong>Fedra</strong>, <strong>de</strong>paramo-<strong>nos</strong> com escritas teatrais<br />
fortemente marcadas pela experiência-limite. Assim se dá, certamente, com O<br />
Amor <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> (Phaedra’s Love), <strong>de</strong> Sarah Kane (2002) – que, neste mesmo livro, é<br />
tema do capítulo assinado por Tiago Pereira Carvalho –, drama em que a autora<br />
converte a assepsia do herói euripidiano/ senequiano (radicalmente avesso ao<br />
sexo) em compulsão sexual. Ou seja, ao <strong>de</strong>slocar-se da castida<strong>de</strong> radical para o<br />
sexo compulsivo, o novo <strong>Hipólito</strong> permanece em <strong>de</strong>sarmonia com a vivência<br />
erótica em seu sentido pleno. Kane constrói, pelo caminho contrário ao proposto<br />
por Eurípi<strong>de</strong>s, hybris similar à que acometeu o jovem grego. Desorientado n<strong>um</strong><br />
mundo que per<strong>de</strong>u o sentido, que exce<strong>de</strong>u qualquer fundamento, este novo<br />
<strong>Hipólito</strong> traz no corpo o sintoma <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sexualida<strong>de</strong> exercida <strong>de</strong> forma tão<br />
massificante (ou massificadora) quanto se exerce, hoje, o cons<strong>um</strong>o <strong>de</strong> qualquer<br />
produto veiculado <strong>nos</strong> meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. Ao equivaler <strong>de</strong>sejo<br />
e ódio em suas relações afetivas, carnais, o <strong>Hipólito</strong> reescrito por Sarah Kane<br />
parece recusar a vivência do Eros tanto quanto seu ancestral trágico.<br />
Outro exemplo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> empenho n<strong>um</strong>a abordagem original, que ao<br />
mesmo tempo busca resgatar a radicalida<strong>de</strong> com que Eurípi<strong>de</strong>s caracterizou<br />
suas figuras, está em <strong>Hipólito</strong>: monólogo masculino sobre a perplexida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Mickael<br />
<strong>de</strong> Oliveira (2009), encenado em Almada pelo grupo teatral Colectivo 84.<br />
Levando ao extremo a infantilida<strong>de</strong> como traço marcante do herói euripidiano,<br />
a companhia lançou mão <strong>de</strong> <strong>um</strong> miúdo <strong>de</strong> apenas sete a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, Martim<br />
Barbeiro, para interpretar <strong>um</strong>a personagem que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Freud, parece ter-se<br />
tornado ainda mais complexa. Na versão do grupo português, a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
poética <strong>de</strong> <strong>Hipólito</strong> está, em gran<strong>de</strong> parte, no lidar com questões dos afetos e<br />
da psicologia profundos, como o amor e o <strong>de</strong>sejo, por vezes experienciados no<br />
ambiente do incesto e daquilo que é moralmente proibido.<br />
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