Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Nuno Simões Rodrigues<br />
pepl<strong>um</strong>. Mas, em justiça, há que notar que o público <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> filmes estaria<br />
muito por certo pouco preocupado com a eliminação <strong>de</strong> tão sublime <strong>de</strong>stino.<br />
168<br />
Notas finais<br />
Desta exposição <strong>de</strong>staca-se o facto <strong>de</strong> o tema da <strong>Fedra</strong> trágica ser o que<br />
maior presença tem no cinema, em <strong>de</strong>trimento da <strong>Fedra</strong> do ciclo cretense.<br />
Ainda assim, <strong>nos</strong> primeiros a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> existência do cinema, as tentativas <strong>de</strong><br />
adaptar tragédias gregas, e em particular a do tema <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> e <strong>Hipólito</strong>, foram<br />
escassas e pouco significativas. Essa opção só se viria a verificar entre os a<strong>nos</strong><br />
50 e 70 do século passado.<br />
Com<strong>um</strong> à quase totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas adaptações – a exceção é a Phèdre <strong>de</strong><br />
Jourdan, mas nesse caso está-se no domínio do teatro filmado – é o facto <strong>de</strong><br />
se adotar <strong>um</strong>a postura estruturalista, em que o adaptado é a estrutura do <strong>mito</strong><br />
antigo, centrado na relação <strong>de</strong> <strong>um</strong> homem, a sua mulher e <strong>um</strong> jovem, que<br />
por norma até é filho <strong>de</strong>le e enteado <strong>de</strong>la. Não obstante, reconhecemos-lhe a<br />
inspiração euripidiana, senequiana e até mesmo raciniana. De notar todavia<br />
que, mesmo entre os dramaturgos, incluindo os antigos, se verificavam variantes<br />
do <strong>mito</strong>, mantendo-se contudo a sua estrutura fundamental.<br />
Com efeito, a tendência é para transportar o <strong>mito</strong> original para contextos<br />
mo<strong>de</strong>r<strong>nos</strong>, sejam eles o da América do final do século XIX, seja o da Grécia<br />
dos a<strong>nos</strong> 60 do século XX. Este processo, porém, levou também ao que<br />
alguns autores chamam <strong>de</strong> melodramatização da tragédia, em que os valores<br />
da <strong>de</strong>cência burguesa se sobrepõem aos pla<strong>nos</strong> diretores do trágico, tal como<br />
Aristóteles os terá <strong>de</strong>finido, <strong>de</strong>signadamente a intervenção divina e o estatuto<br />
subordinado dos homens perante os <strong>de</strong>sígnios dos <strong>de</strong>uses ou <strong>de</strong> forças como<br />
a moira. Apesar disso, reconhecem-se ali outros elementos, como a hybris ou<br />
o dilema trágico em alg<strong>um</strong>as das personagens. Por outro lado, o livre-arbítrio<br />
<strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las acaba por minar o substrato trágico. Mas há que referir que<br />
estas opções vêm na continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceções dramáticas já i<strong>de</strong>ntificáveis<br />
em autores como Séneca, on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sígnio divino dá, em gran<strong>de</strong> parte, lugar<br />
aos conflitos provocados pelas paixões da alma 39 . Neste sentido, os filmes sobre<br />
<strong>Fedra</strong>, incluindo o <strong>de</strong> Dassin que se pressupõe euripidiano, são sobretudo<br />
senequia<strong>nos</strong>.<br />
Impõe-se explicitar que a tendência para a mo<strong>de</strong>rnização do teatro<br />
trágico correspon<strong>de</strong> a <strong>um</strong> processo possível apenas porque nele se reconhece<br />
<strong>um</strong>a universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> problemas que se revela transversal ao nível cultural<br />
39 Como nota M. C. Pimentel 1987: 264, “enquanto no Hippolytos <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s são os<br />
<strong>de</strong>uses que motivam as ações e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam a tragédia, em Séneca, à boa maneira estoica, tudo<br />
se passa ao nível do ser h<strong>um</strong>ano, o bem e o mal, o conflito e os erros. São os homens que se<br />
per<strong>de</strong>m pelas suas ações”.