18.04.2013 Views

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Fre<strong>de</strong>rico Lourenço<br />

correspondido, mas pelo me<strong>nos</strong> sexualmente concretizado (vv. 490 e<br />

seguintes).<br />

Esse é outro aspeto básico da situação <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>, a juntar à opção já<br />

referida <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r a paixão como acontecimento mental: o <strong>de</strong>sejo<br />

irreprimível que <strong>Hipólito</strong> lhe provoca. E a junção das duas realida<strong>de</strong>s, a<br />

mental e a sexual, está patente com alta expressivida<strong>de</strong> metafórica na frase<br />

<strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> “a minha alma está arada pelo <strong>de</strong>sejo” (vv. 504-505). A alma,<br />

portanto, como terreno trabalhado e preparado para receber a semente. Não<br />

é só o seu corpo, é também a sua alma que <strong>Fedra</strong> quer sentir fecundada<br />

por <strong>Hipólito</strong>. Isto levar-<strong>nos</strong>-ia a refletir, recordando com Maria <strong>de</strong> Fátima<br />

Silva (2005: 183) que “por trás <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>, é Eurípi<strong>de</strong>s que se compraz n<strong>um</strong><br />

exercício notável <strong>de</strong> psicologia”, sobre o que tal facto <strong>nos</strong> dirá da realida<strong>de</strong><br />

psíquica <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>: po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>fini-la como alguém que não trabalhou<br />

o suficiente sobre si mesma, que revela défice <strong>de</strong> autoestima, que preten<strong>de</strong><br />

anestesiar por meio da paixão e dos pensamentos obsessivos que ela provoca<br />

tudo o que está mal <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si própria.<br />

No fundo, o retrato <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> não é <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mulher feliz, apesar <strong>de</strong> lhe<br />

terem cabido na vida os atributos da felicida<strong>de</strong> (pelo me<strong>nos</strong> no pensamento<br />

helénico – e não só): ter marido e filhos. Aparentemente, <strong>Fedra</strong> alcançou<br />

junto <strong>de</strong> Teseu a felicida<strong>de</strong> que fora sonegada à irmã, Ariadne, que,<br />

apaixonada por Teseu, foi abandonada por este na ilha <strong>de</strong> Naxos. Ariadne,<br />

porém, simboliza <strong>um</strong> percurso contrário ao <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>: é certo que Ariadne<br />

abandonada na ilha <strong>de</strong> Naxos é porventura a imagem mais expressiva que a<br />

<strong>mito</strong>logia clássica <strong>nos</strong> legou do <strong>de</strong>sespero h<strong>um</strong>ano, <strong>de</strong>sespero a que se junta<br />

outro sentimento não me<strong>nos</strong> confrangedor, que antecipa a história da irmã:<br />

a <strong>de</strong>pressão causada pela rejeição pelo ser amado e consequente <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

resolver a crise existencial daí advinda pela mais radical das soluções: a morte.<br />

No entanto, contrariamente ao que suce<strong>de</strong> com <strong>Fedra</strong>, o <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong>sta crise<br />

amorosa não é a morte <strong>de</strong> Ariadne, mas antes a recompensa do sofrimento<br />

passado, sob a forma <strong>de</strong> <strong>um</strong>a felicida<strong>de</strong> sentimental que extravasa muito<br />

para lá dos parâmetros h<strong>um</strong>a<strong>nos</strong>, porque essa felicida<strong>de</strong> está agora ancorada<br />

na durabilida<strong>de</strong> imutável do Divino. A noiva <strong>de</strong> Teseu – transfigurada,<br />

pelo milagre do amor divino, na esposa do <strong>de</strong>us Dioniso – torna-se por isso<br />

duplamente símbolo: símbolo do <strong>de</strong>sespero, sim; mas Ariadne é também<br />

testemunho não só <strong>de</strong> que o amor transforma para melhor, mas <strong>de</strong> que só a<br />

experiência do amor infeliz prepara o chão fértil don<strong>de</strong> po<strong>de</strong> nascer o amor<br />

feliz. Se, por <strong>um</strong> lado, Ariadne confirma o ditado popular <strong>de</strong> que <strong>um</strong> amor<br />

só se cura com outro amor, é também ilustração clara dos versos que surgem<br />

algo enigmaticamente n<strong>um</strong>a tragédia fragmentária <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s sobre este<br />

tema, tragédia a que o autor <strong>de</strong>u o título Teseu (e que trata a história <strong>de</strong><br />

Teseu e Ariadne):<br />

32

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!