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Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra

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<strong>Fedra</strong> e <strong>Hipólito</strong> no cinema<br />

há comportamentos que “ficam mal” por transgredirem os vínculos familiares<br />

e infringirem as regras sócio-morais 18 .<br />

<strong>Fedra</strong> em praias <strong>de</strong> Espanha<br />

O filme que o realizador galego Manuel Mur Oti dirigiu em 1956 é<br />

ass<strong>um</strong>idamente baseado na tragédia <strong>de</strong> Séneca 19 . Apesar <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

produção mais antiga do que a <strong>de</strong> J. Dassin, o texto que parece ter estado<br />

na base do seu arg<strong>um</strong>ento, escrito pelo próprio Mur Oti, é o mais recente<br />

dos dramas escritos na Antiguida<strong>de</strong> sobre o tema <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> e <strong>Hipólito</strong>. A<br />

escolha <strong>de</strong> Séneca talvez se tenha <strong>de</strong>vido à importância do autor hispânico<br />

para a cultura espanhola, que <strong>de</strong>sse modo po<strong>de</strong>ria evocar o Cordubense como<br />

seu “antepassado cultural”. Para mais, há que não esquecer que, apesar <strong>de</strong> o<br />

realizador não ser i<strong>de</strong>ntificado com o regime, estava-se em pleno Franquismo,<br />

para o qual esse pormenor era significativo 20 .<br />

A ação é transportada para Aldor, <strong>um</strong>a al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pescadores no Levante<br />

espanhol, o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> evocar as raízes clássicas do território em<br />

questão 21 . Ulisses teria sido <strong>um</strong> dos seus visitantes (cf. F. Salvador Ventura<br />

2008: 505). Mas a quem não se apercebe <strong>de</strong> imediato <strong>de</strong>ssa conexão é oferecida<br />

<strong>um</strong>a imagem com <strong>um</strong>a estátua <strong>de</strong> Afrodite, bem como <strong>um</strong> cenário em que<br />

se visl<strong>um</strong>bram colunas gregas sobre <strong>um</strong> promontório 22 . O ambiente clássico<br />

está criado. Seja como for, a técnica que consiste em atualizar as formas <strong>de</strong><br />

apresentação <strong>de</strong> <strong>um</strong> texto antigo não é rara e Mur Oti repete-a nesta <strong>Fedra</strong>.<br />

A <strong>Fedra</strong> <strong>de</strong> Mur Oti chama-se Estrela (Emma Penella) e, fazendo jus ao<br />

seu nome, é a mais bela mulher <strong>de</strong> Aldor, cobiçada por todos os homens da<br />

al<strong>de</strong>ia. É por isso vista como vaidosa, altiva e soberba, condições que permitem<br />

visl<strong>um</strong>brar nela a hybris trágica e o que provoca o ciúme nas outras mulheres da<br />

praia. A beleza <strong>de</strong> Estrela é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início prenunciadora da tragédia iminente<br />

e aquelas não hesitam em associar a figura da rapariga ao Diabo, o que é <strong>um</strong><br />

topos reconhecível em vários textos e adaptações cinematográficas. A título<br />

<strong>de</strong> exemplo, po<strong>de</strong>ríamos citar O Crime da Al<strong>de</strong>ia Velha, levado ao cinema por<br />

18 Eventualmente, po<strong>de</strong>ríamos afirmar que estamos perante <strong>um</strong>a reformulação<br />

contemporânea da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “trágico”. Cf. J. A. Segurado e Campos 1983-1984: 164-165.<br />

19 Como nota F. Salvador Ventura 2008, a fita <strong>de</strong> Mur Oti é frequentemente ignorada nas<br />

listagens <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong>dicados ao tema.<br />

20 Sobre o realizador, F. Salvador Ventura 2008: 505-506 nota que Mur Oti não po<strong>de</strong> ser<br />

classificado como alguém que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>sse os valores do regime franquista, mas que também não<br />

era propriamente <strong>um</strong> contestatário <strong>de</strong>clarado. Deverá ser, portanto, <strong>um</strong> intelectual mo<strong>de</strong>rado.<br />

Ainda assim, consi<strong>de</strong>ra-se este <strong>Fedra</strong> <strong>um</strong> filme transgressor se se tiver em conta a época da sua<br />

produção. No mesmo artigo, ver acerca das vicissitu<strong>de</strong>s do filme com a censura espanhola.<br />

21 Aparentemente, a al<strong>de</strong>ia fictícia <strong>de</strong> Aldor localiza-se perto <strong>de</strong> Valência.<br />

22 Sobre as possíveis conexões com o templo <strong>de</strong> Posídon no cabo Súnio, ver F. Salvador<br />

Ventura 2008: 512.<br />

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