Hipólito e Fedra nos caminhos de um mito - Universidade de Coimbra
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Apresentação<br />
em questão e das obras em que comparece: houve <strong>de</strong> fato <strong>um</strong> intercâmbio<br />
entre o teatro grego e a literatura árabe ou, no caso do “Sen<strong>de</strong>bar”, estamos tão<br />
somente diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coincidência temática com a tragédia clássica?<br />
No capítulo seguinte, Marta Teixeira Anacleto traz-<strong>nos</strong> <strong>de</strong> volta ao<br />
ambiente teatral, <strong>de</strong>sta vez situado nas fabulações que o classicismo francês,<br />
em pleno século XVII, construiu e ornamentou em torno do tema <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong> e<br />
<strong>Hipólito</strong>. Anacleto chamará à atenção, assim, para os aspetos revolucionários<br />
(quer em termos morais, quer estéticos) da Phèdre <strong>de</strong> Jean Racine, obra que à<br />
sua época enfrentou as convenções <strong>de</strong> <strong>de</strong>coro e da verossimilhança em voga.<br />
A <strong>Fedra</strong> raciniana atinge, portanto, o estatuto <strong>de</strong> obra-prima do autor, quiçá<br />
justamente por “absolutizar a compaixão (eleos) e o temor (phobos) aristotélicos”.<br />
A contundência da figura feminina, neste sentido, será crucial para o intuito<br />
trágico do poeta e dramaturgo francês. A sua <strong>Fedra</strong> é tão perturbada quanto<br />
perturbadora, e irá punir-se a si mesma não com o gesto eficaz do enforcamento,<br />
expediente da sua antecessora grega, mas antes com <strong>um</strong>a morte lenta, por<br />
envenenamento. A investigadora <strong>de</strong>tém-se, enfaticamente, na problemática<br />
do espelho (lembremo-<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Velázquez) como metáfora para a fábula<br />
trágica engendrada pelo autor francês: o “ser raciniano <strong>de</strong>monstra (...) enorme<br />
dificulda<strong>de</strong> em se revelar completamente porque invadido pela imagem <strong>de</strong> si<br />
próprio como monstro”. Se, nesta versão, o po<strong>de</strong>r dos <strong>de</strong>uses já não é, como em<br />
Eurípi<strong>de</strong>s, o motor do <strong>de</strong>stino, a mancha escura <strong>de</strong> <strong>um</strong> ser interior que emerge<br />
monstruoso revela <strong>um</strong>a personagem à beira do encontro com <strong>um</strong>a mo<strong>de</strong>rna<br />
subjetivida<strong>de</strong>: “Phèdre não consegue (...) <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> coabitar com o Minotauro”.<br />
O conflito homem-monstro, <strong>de</strong> forte carga alegórica, está já presente nas<br />
versões antigas do <strong>mito</strong>, mas parece ganhar <strong>um</strong> cariz singular na releitura <strong>de</strong><br />
Racine. Anacleto <strong>de</strong>staca, a partir daí, a boa receção que o clássico francês tem<br />
conhecido na atualida<strong>de</strong>, já que a tessitura trágica da sua obra vem ao encontro<br />
<strong>de</strong> elementos do teatro da cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Artaud, referência contemporânea para<br />
encenações <strong>de</strong> Phèdre como a concebida por Patrice Chéreau, em 2003.<br />
Ana Cecilia Rivaben <strong>de</strong>svia-se das protagonistas trágicas que estão<br />
no foco <strong>de</strong> preocupações da maior parte dos autores <strong>de</strong>ste livro. Desta vez,<br />
estamos diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> capítulo que lança luzes sobre personagens que,<br />
embora secundárias e subservientes, são, na realida<strong>de</strong>, peças-chave para<br />
mover a tragédia em que caem os protagonistas. A comparação proposta<br />
por Rivaben evi<strong>de</strong>ncia, portanto, a herança euripidiana n<strong>um</strong> dos maiores<br />
clássicos da literatura hispánica: La Celestina, <strong>de</strong> Fernando <strong>de</strong> Rojas. Segundo<br />
a investigadora argentina, há nítidos espelhamentos entre a Ama <strong>de</strong> <strong>Fedra</strong>,<br />
no <strong>Hipólito</strong> <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, e a Celestina <strong>de</strong> Melibea, na peça <strong>de</strong> Rojas. Em<br />
ambas as personagens há <strong>um</strong>a componente maternal na relação com suas<br />
senhoras que lhes confere certa autorida<strong>de</strong> diante das heroínas, ainda que<br />
a sua condição social seja a <strong>de</strong> servas. Nessa espécie <strong>de</strong> inversão hegeliana<br />
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