A CAPA - Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná
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Anos 50, Brasil <strong>de</strong> Juscelino, interior sen<strong>do</strong><br />
aberto, Norte <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> coloniza<strong>do</strong> pelas<br />
lavouras <strong>de</strong> café, música caipira nos radinhos. Jovens<br />
médicos se espalham por cida<strong>de</strong>s mais jovens ainda, escolhidas<br />
a bor<strong>do</strong> <strong>de</strong> carros antigos; esta é minha, aquela<br />
é sua. Trabalho <strong>de</strong> sobra. A vida básica, primária, faroeste<br />
total, Curitiba a três dias <strong>de</strong> lama. Logo, a bor<strong>do</strong> <strong>de</strong> um<br />
Jeep, o médico se envolvia da igreja ao time <strong>de</strong> futebol. A<br />
mulher era assistente das cirurgias, a empregada anestesista.<br />
O filho senta<strong>do</strong> numa escadinha assistia. A ida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>s quatro juntos mal dava 80 anos.<br />
Logo vêm mais filhos, e o chama<strong>do</strong> da capital, on<strong>de</strong> estão<br />
as famílias, tradicionais. A volta é intempestiva, apressada<br />
por <strong>do</strong>enças familiares. Início <strong>do</strong>s anos 60, tu<strong>do</strong> maravilhoso,<br />
país em progresso, rádio, televisão, Brasília, copas <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>. Rapidamente vem o crescimento profissional impulsiona<strong>do</strong><br />
pela gran<strong>de</strong> família, e o enfrentamento grave com o<br />
establishment da <strong>Medicina</strong> curitibana, suas divisões medievais<br />
<strong>de</strong> territórios, disputadas nos<br />
"RAPIDAMENTE VEM O CRES- esquemas stalinistas alimenta<strong>do</strong>s<br />
CIMENTO PROFISSIONAL pela ditadura militar.<br />
IMPULSIONADO PELA GRANDE Como um raio em um céu es-<br />
FAMÍLIA, E O ENFRENTA- curo, um súbito esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coma<br />
MENTO GRAVE COM O ESTA- e tetraplegia aos 34 anos <strong>de</strong><br />
BLISHMENT DA MEDICINA ida<strong>de</strong>. Insuficiência respiratória.<br />
CURITIBANA, SUAS DIVISÕES Pulmão <strong>de</strong> aço. Transferência<br />
MEDIEVAIS DE TERRITÓRIOS, em avião <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r para<br />
DISPUTADAS NOS ESQUEMAS o Hospital <strong>de</strong> Clínicas <strong>de</strong> São<br />
STALINISTAS ALIMENTADOS Paulo. Volta muitas semanas <strong>de</strong>-<br />
PELA DITADURA MILITAR." pois. Alerta, orienta<strong>do</strong>, intelecto<br />
100%, hemiplégico, em ca<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> rodas. Precisan<strong>do</strong> trabalhar para acabar a construção<br />
da casa e dar aos filhos um padrão condizente. A recuperação,<br />
em meses, típica <strong>de</strong> um AVC. Ficou uma seqüela, mas<br />
as cirurgias eram possíveis, as consultas também, e o em-<br />
tema<br />
<br />
<br />
prego, e mais filhos vieram. Mas a vida continua: morrem a<br />
mãe amada, o sogro queri<strong>do</strong> e o irmão mais próximo.<br />
Foram mais 13 anos até a morte, no 13º episódio vascular<br />
cerebral. Os números po<strong>de</strong>m ser inexatos, mas os<br />
relatos são indicativos <strong>de</strong> infarto <strong>de</strong> tronco cerebral. Hemiplegia<br />
esquerda com perda <strong>de</strong> consciência evoluin<strong>do</strong><br />
para coma profun<strong>do</strong> com distúrbio <strong>de</strong> ritmo respiratório<br />
grave, em poucos minutos. Pela manhã ou no jantar, horário<br />
típico <strong>de</strong> crise hipertensiva.<br />
Na época estabeleceu-se uma confusão que persiste,<br />
quase 50 anos <strong>de</strong>pois. O diagnóstico clínico neurológico,<br />
no caso um infarto <strong>de</strong> tronco cerebral <strong>de</strong> origem arteriosclerótica,<br />
por tromboembolismo vertebrobasilar, não era<br />
<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> por nenhum exame complementar. Como<br />
ainda ocorre, isso <strong>de</strong>ixa perplexa a comunida<strong>de</strong>.<br />
Em primeiro lugar, a topografia da lesão: as arteriografias<br />
da época visibilizavam as carótidas; décadas<br />
<strong>de</strong>pois só a ressonância magnética <strong>de</strong>monstraria as regiões<br />
<strong>de</strong> isquemia no tronco cerebral, território das artérias<br />
<strong>do</strong> sistema vertebrobasilar, fantasmas misteriosos,<br />
nunca vistas, nem em aulas <strong>de</strong> anatomia, e muito mal<br />
imaginadas. O problema persiste: pacientes <strong>de</strong> UTI fazem<br />
tomografia e eco <strong>de</strong> carótidas, mesmo ressonâncias<br />
<strong>de</strong> urgência, e não são vistos por neurologistas strictu<br />
sensu. O diagnóstico clínico <strong>de</strong> infarto <strong>de</strong> tronco, introduzi<strong>do</strong><br />
em Curitiba em 1982, ainda é subutiliza<strong>do</strong> mais <strong>de</strong><br />
25 anos <strong>de</strong>pois.<br />
Em segun<strong>do</strong> lugar a etiologia: no início <strong>do</strong>s anos 60<br />
não era uma realida<strong>de</strong> na medicina curitibana que uma<br />
<strong>do</strong>ença vascular grave em um homem jovem pu<strong>de</strong>sse ser<br />
causada por esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s estáticos,<br />
como hipertensão arterial, obesida<strong>de</strong>, cigarro, dislipi<strong>de</strong>mias.<br />
To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fumava, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> comia. Ninguém<br />
media a pressão ao acordar e no jantar.<br />
Não existiam neurologistas strictu sensu. Eram neu-<br />
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