18.04.2013 Views

A CAPA - Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná

A CAPA - Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná

A CAPA - Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

house<br />

pois não? No Brasil é mole! Vai pensar nisso no Hospital<br />

Princeton-Plainsboro, o quartel-general fictício <strong>do</strong> Dr. Gregory<br />

House! Viu como as coisas se invertem? Conforme o<br />

lugar, o raro po<strong>de</strong> tornar-se comum e vice-versa. Essa a<br />

outra dia lé tica da série. Difícil é fazer diag nóstico da vaca<br />

louca em um humano no Brasil, percebeu?<br />

Há outro fator importante no sucesso público <strong>do</strong> seria<strong>do</strong>.<br />

Tu<strong>do</strong> é emergencial, dramático. Conte as vezes em<br />

que apareceram convulsões com a palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m: lorazepam.<br />

Ou perdas <strong>de</strong> consciência. Dores agu das. Ou<br />

traumatismos graves. Ou dificulda<strong>de</strong>s respiratórias. Ou<br />

seja, tu<strong>do</strong> o que tira o fôlego <strong>do</strong> telespecta<strong>do</strong>r. Tu<strong>do</strong> que<br />

necessita <strong>de</strong> rapi<strong>de</strong>z ou agilida<strong>de</strong>, fragmentos <strong>de</strong> informações.<br />

Tem risco <strong>de</strong> morte? É contagioso? Dá pra conversar?<br />

É possível aguardar os exames? Ou reajo, logo<br />

intervenho... O prognóstico, o potencial <strong>de</strong> letalida<strong>de</strong> dá<br />

o tônus. E o curioso público embarca junto com seu simpático<br />

ativa<strong>do</strong>, como o leitor está agora <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos<br />

"ous". Ou enjoa<strong>do</strong>, claro.<br />

Outro <strong>de</strong>talhe é o <strong>de</strong> ingleses pregan<strong>do</strong> uma peça nos<br />

americanos. Explico-me. Não à toa, o premia<strong>do</strong> ator Hugh<br />

Laurie é inglês. Ou também, a própria capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

ame ricanos <strong>de</strong> verem seus próprios problemas. Note, só<br />

numa socieda<strong>de</strong> conflitiva e judicante como a americana<br />

po<strong>de</strong>ria ser elaborada a série. Uma socieda<strong>de</strong> intoxicada<br />

pelo politicamente correto. E House é seu antí<strong>do</strong>to virtual.<br />

Faz tu<strong>do</strong> que, às vezes, nós médicos gostaríamos<br />

<strong>de</strong> fazer e não po<strong>de</strong>mos, movi<strong>do</strong>s por obrigações que se<br />

impõem por <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ofício, porque a nobreza obriga. A<br />

realização só po<strong>de</strong> ser simbólica.<br />

Há ainda outro motivo para que os jovens o a<strong>do</strong>rem.<br />

É seu jeito relaxa<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser, <strong>do</strong> vestir-se à insubordinação<br />

persistente, lembran<strong>do</strong> os rebel<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s sessentas. Sua<br />

ru<strong>de</strong>za, seu <strong>de</strong>scaramento, o vale-tu<strong>do</strong>, até mentir, para<br />

se chegar a um diagnóstico, faz com que se sintam <strong>de</strong>samarra<strong>do</strong>s<br />

das peias sociais que os engessam, e que não<br />

permitem que brinquem <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses. O que chamamos <strong>de</strong><br />

civilização, sem o que a onipotência se <strong>de</strong>snatura. Afinal,<br />

nosso cerne in<strong>do</strong>mesticável anseia por regras para os<br />

outros, não para nós mesmos.<br />

6<br />

E há ainda o fato <strong>de</strong> House não dar bola para os sentimentos<br />

alheios, sempre <strong>de</strong>sprezíveis. O foco é a <strong>do</strong>ença,<br />

não os <strong>do</strong>entes. Por isso, é mestre em ciência biológica<br />

e reprova<strong>do</strong> na relação médico-paciente. Zero em<br />

sua falta <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> social. Na precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />

arte, tida como a combinação <strong>de</strong> conhecimento médico,<br />

intuição, experiência e bom julgamento, tu<strong>do</strong> media<strong>do</strong><br />

pela linguagem. Esta última sen<strong>do</strong> o problema <strong>de</strong>le. Mas<br />

linguagem não é aceita como necessida<strong>de</strong> primeira <strong>de</strong><br />

qualquer estudante <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong>. Qualquer iniciante quer<br />

antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> apren<strong>de</strong>r a <strong>do</strong>minar o corpo, as estruturas,<br />

as <strong>do</strong>enças, sempre mais concretas, para as quais se<br />

utilizam remédios e procedimentos, que se po<strong>de</strong>m quantificar<br />

e reproduzir. Já a personalida<strong>de</strong><br />

humana é muito "HÁ UMA CIÊNCIA PASSÍVEL DE<br />

complexa, não abarcável em SER CONHECIDA COM ANOS DE<br />

poucos anos <strong>de</strong> treinamento. ESTUDO E TREINAMENTO, JÁ<br />

Há uma ciência passível <strong>de</strong> A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE<br />

ser conhecida com anos <strong>de</strong><br />

É ÚNICA, SOB MEDIDA, PARA<br />

estu<strong>do</strong> e treinamento, já a<br />

CADA PACIENTE. E ISSO SÓ SE<br />

relação médico-paciente é<br />

APRENDE POR CONTA PRÓPRIA<br />

única, sob medida, para cada<br />

paciente. E isso só se apren-<br />

COM ANOS NÃO APENAS DE<br />

<strong>de</strong> por conta própria com ESTUDO, MAS TAMBÉM DE<br />

anos não apenas <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, OBSERVAÇÃO E REFLEXÃO."<br />

mas também <strong>de</strong> observação<br />

e reflexão. Demasia<strong>do</strong> custoso. E há ainda a propensão<br />

genética. Tem gente que não leva jeito para os rigores da<br />

ciência, prefere a nebulosa existencial. Mas como não tem<br />

rigor fica nas crenças. Outros, não têm propensão para<br />

subjetivida<strong>de</strong>s, endurecem-se na concretu<strong>de</strong> da patologia<br />

humana. O i<strong>de</strong>al, a união das duas vertentes, é raro como<br />

tendência biológica, necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> disciplina e esforço<br />

intencional, sempre árduo. Daí ser tão difícil encontrar a<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> meio, o médico que consigne o rigor científico<br />

com sensibilida<strong>de</strong> para o subjetivo. Muitos tentam, é verda<strong>de</strong>,<br />

poucos conseguem. House não consegue. Apesar<br />

<strong>do</strong> brilhantismo <strong>de</strong> seu raciocínio clínico. Uma pena. Só há<br />

lesões e formas contê-las. Não há pessoas. Meros estorvos<br />

para um cientista clínico.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!