Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Livros<br />
Manuscritos<br />
da novela “A<br />
Curva <strong>de</strong> Uma<br />
Vida”, agora<br />
editado<br />
Eça <strong>de</strong> Queirós achava<br />
que se <strong>de</strong>viam pu-<br />
blicar <strong>de</strong> um homem<br />
célebre até as “contas<br />
do alfaiate”. Quem con-<br />
ta isto é o escritor Vergílio<br />
Ferreira num dos<br />
volumes do seu diário<br />
“Conta-Corrente”, a propósito<br />
<strong>de</strong> uma discussão que teve com<br />
a sua mulher, Regina Kasprzykowski,<br />
sobre se é lícito ou não publicar-se o<br />
que um autor rejeitou. Para Vergílio<br />
Ferreira, “um autor não dá garantias trabalhado, <strong>de</strong>ixado<br />
para a posterida<strong>de</strong>. Tive<br />
quase nenhumas (mormente quando<br />
gran<strong>de</strong> autor) sobre a valia do que realiza.<br />
E não há obra medíocre alguma <strong>de</strong> mexer em papéis <strong>de</strong> vários autores<br />
oportunida<strong>de</strong> na Biblioteca Nacional<br />
<strong>de</strong> um autor que lhe <strong>de</strong>strua a obra e nem todos têm essa consciência <strong>de</strong><br />
superior.”<br />
os <strong>de</strong>ixar arrumadinhos”, conta. Através<br />
do estudo do espólio a investiga-<br />
O escritor foi mais longe: “Saber<br />
como se errou, progrediu, hesitou — dora percebeu que Vergílio Ferreira<br />
tudo são modos <strong>de</strong> ampliar o conhecimento<br />
<strong>de</strong> um autor. De qualquer e, às vezes, até datava essas visitas.<br />
ia revisitando os seus papéis. “Mexia<br />
modo, se um artista não quer que se Às vezes chegamos lá pelos instrumentos<br />
utilizados, pelas canetas, pe-<br />
lhe conheça a obra, <strong>de</strong>strua-a ele”.<br />
Vergílio Ferreira não <strong>de</strong>struiu a sua e las tintas.”<br />
<strong>de</strong>ixou o acervo tão organizado que “Ele estava a preparar o espólio para<br />
o futuro. Tinha essa noção <strong>de</strong> que<br />
só po<strong>de</strong>ria estar a pensar no futuro.<br />
Dois inéditos do autor chegam agora<br />
às livrarias, editados pela Quetzal: um escritor fez para substanciar a<br />
era necessário conhecer tudo o que<br />
uma novela (“A Curva <strong>de</strong> Uma Vida”, apreciação que fazemos <strong>de</strong>le”, acrescenta<br />
Hel<strong>de</strong>r Godinho.<br />
1938) e um romance (“Promessa”, <strong>de</strong><br />
1947). Passados tantos anos <strong>de</strong>pois da<br />
publicação <strong>de</strong> “Cartas a Sandra”, o As hesitações do autor<br />
último romance do Prémio Camões Vergílio Ferreira morreu aos 80 anos,<br />
1992, já saíram do seu espólio “Escrever”<br />
(livro em que estava a trabalhar cadas, muitos dos seus títulos foram<br />
a 1 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1996. Nas últimas dé-<br />
quando morreu), um “Diário Inédito” <strong>de</strong>saparecendo das livrarias. “A publicação<br />
dos inéditos veio agitar as<br />
e estas duas obras. “Promessa”, que<br />
teve como primeiro título “Sequência”,<br />
é o único romance inédito com-<br />
adormecimento”, consi<strong>de</strong>ra o inves-<br />
águas e ter o efeito contrário a esse<br />
pleto que existe no espólio e a <strong>de</strong>cisão tigador. “Houve uma má gestão da<br />
<strong>de</strong> o trazer a público não foi fácil <strong>de</strong> edição e do catálogo. Há muitos livros<br />
tomar para a equipa <strong>de</strong> investigadores que se <strong>de</strong>ixaram esgotar”, lamenta.<br />
e professores que está a estudar, catalogar<br />
e anotar a sua obra.<br />
Em 1997, a família <strong>de</strong> Vergílio Ferreira<br />
doou o espólio do escritor à Biblioteca<br />
Nacional e, por sua sugestão,<br />
foi criada uma equipa para o estudar<br />
dirigida pelo académico Hel<strong>de</strong>r Godinho,<br />
seu aluno e amigo, que fez a<br />
tese sobre a sua obra.<br />
A investigadora Ana Isabel Turíbio,<br />
“Se um artista não<br />
que faz parte do grupo <strong>de</strong> estudo e<br />
inventariou o espólio, diz que este<br />
quer que se lhe<br />
estava organizado a pensar nos estudiosos<br />
futuros. “O espólio vinha muito<br />
organizado, com as abreviaturas<br />
conheça a obra,<br />
<strong>de</strong>senvolvidas, com alguns comentários<br />
para ele próprio (‘anotei outra<br />
<strong>de</strong>strua-a ele”,<br />
cópia e agora não sei on<strong>de</strong> está’; ‘críticos<br />
<strong>de</strong> lábia fácil não imaginam o<br />
escreveu Vergílio<br />
Ferreira<br />
esforço...’). Vê-se que é um espólio<br />
LUÍS RAMOS/ARQUIVO<br />
Vergílio Ferreira <strong>de</strong>ixou o seu<br />
acervo tão organizado que só<br />
po<strong>de</strong>ria estar a pensar no futuro<br />
Como Vergílio Ferreira<br />
preparou o fut<br />
Uma novela e um romance inéditos, que Vergílio Ferreira optou por não publicar em vida, saíram<br />
completa. A equipa <strong>de</strong> investigadores que está a trabalhar o seu espólio conta ao Ípsilon as razões<br />
12 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon