Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
(p. 9), e fazer “Pina Bausch – Sentir<br />
Mais”, 279 páginas <strong>de</strong> um olhar<br />
pessoal sobre alguém com quem<br />
contactou fugazmente (“consegui<br />
que me pronunciasse umas palavras<br />
num camarim em 1998”, p. 277).<br />
A autora esclarece que este relato<br />
“<strong>de</strong>corre ao sabor irregular <strong>de</strong> uma<br />
experiência amorosa, em que ao<br />
amor caberá o período mais longo da<br />
nossa existência.” (p. 278). É o<br />
justificativo necessário para não<br />
esperarmos <strong>de</strong>ste livro uma biografia,<br />
mas um percurso, pessoal e limitado<br />
— porque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do olhar <strong>de</strong><br />
quem escreve — do que pensa que<br />
sabe sobre Pina Bausch. Há aqui uma<br />
tentativa <strong>de</strong> compreensão do método<br />
<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> alguém que dizia não<br />
ter técnica (p. 125), usando a autora a<br />
emoção e a sua sensibilida<strong>de</strong> para<br />
<strong>de</strong>screver o que sentiu, ou o que<br />
<strong>de</strong>veríamos ter sentido. Com, e por<br />
Pina, diz Galhós, “<strong>de</strong>ambulamos por<br />
entre as nuvens do ver e do ouvir, em<br />
percursos <strong>de</strong> ilusão on<strong>de</strong> a utopia<br />
ainda é possível” (p. 262), ela que<br />
“com a mesma discrição, sem se<br />
fazer notar como revolução, ganha<br />
um corpo e um comportamento que<br />
põem em causa as estruturas mas<br />
basilares da socieda<strong>de</strong>, do indivíduo<br />
e da arte” (p. 27).<br />
Será aqui, neste território<br />
especulativo, que Claudia Galhós vai<br />
encontrar matéria para preencher<br />
um livro que não acrescenta nada <strong>de</strong><br />
novo ao que já sabíamos sobre Pina<br />
Bausch. E nem sequer me refiro aos<br />
especialistas, <strong>de</strong> cada vez que Pina<br />
veio a <strong>Lisboa</strong> repetiram-se as<br />
mesmas imagens feitas da violência<br />
transformada em poesia, dos corpos<br />
suspensos, da imagem que projecta<br />
e recebe, da luminosida<strong>de</strong> dos seus<br />
movimentos, na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pina<br />
em tocar “na essência da alma<br />
humana” (p. 27).<br />
Generalizações agora exacerbadas<br />
sem a reflexão que <strong>de</strong>veria respeitar<br />
um discurso que se foi completando<br />
e, como a própria autora emana <strong>de</strong><br />
alguém que “nunca foi dócil ou<br />
conformada. E não se queira agora<br />
reduzir a uma coisa só” (p. 207). E,<br />
no entanto, Galhós reduz Bausch ao<br />
grau zero da criticalida<strong>de</strong>, rejeitando<br />
um olhar que não esteja viciado pela<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobre ele<br />
falar (não falta a imagem gasta <strong>de</strong><br />
que não se po<strong>de</strong> fazer poesia <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> Auschwitz), sobretudo <strong>de</strong>pois da<br />
morte.<br />
Dividido, no essencial, em três<br />
partes — “Primeiras impressões”,<br />
“Namoro” e “Amor” —, o texto, feito<br />
<strong>de</strong> brevíssimos capítulos com títulos<br />
igualmente programáticos que<br />
nunca esclarecem o que os<br />
singulariza (por exemplo: “Acto <strong>de</strong><br />
fé”, “Noite <strong>de</strong>ntro”, “Conta-me a tua<br />
história”, “A menina dança”, “Elogio<br />
da insegurança”...), vagueia por<br />
entre algumas obras <strong>de</strong> Bausch,<br />
fazendo das que foram apresentadas<br />
em <strong>Lisboa</strong> (12 <strong>de</strong> um total <strong>de</strong> 45) o<br />
essencial da sua obra, à qual junta<br />
mais meia dúzia, sem nunca se<br />
perceber se a autora as viu ou se<br />
relata a partir do que leu.<br />
Este é o problema principal <strong>de</strong><br />
uma obra monocórdica, <strong>de</strong> escrita<br />
confusa e errante, sem memória e<br />
repetitiva, que se coloca a um nível<br />
para o qual não tem altura, e<br />
substituindo a distância que se <strong>de</strong>ve<br />
ter em relação às obras, <strong>de</strong> modo a<br />
po<strong>de</strong>r dialogar com o seu discurso,<br />
por uma <strong>de</strong>terminação tão obstinada<br />
como tocante (como o são todas as<br />
paixões cegas). “Cada um respon<strong>de</strong> a<br />
cada estímulo com uma resposta,<br />
que a seu modo dá sentido àquilo<br />
que está a ver” (p. 85), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se a<br />
autora.<br />
Não é porque Claudia Galhós não<br />
saiba, mas é porque, <strong>de</strong> cada vez que<br />
acha que expõe um lado mais crítico,<br />
daí <strong>de</strong>corre uma ausência <strong>de</strong><br />
emoção. “A crítica, propriamente<br />
dita, para além <strong>de</strong> ser praticamente<br />
uma miragem na actualida<strong>de</strong>, se<br />
disponibiliza um olhar julgador<br />
sobre as suas impressões do mundo,<br />
na postura arrogante <strong>de</strong> senhora da<br />
verda<strong>de</strong>, está a negar o sentido<br />
profundamente humano e complexo<br />
da própria natureza da obra <strong>de</strong> Pina”<br />
(p. 89). Pina, diz a autora, activava<br />
“reflexos interiores <strong>de</strong><br />
redistribuição, como imagem<br />
reflectida <strong>de</strong> espelho, <strong>de</strong>liciosamente<br />
distorcida pela vivência interior<br />
<strong>de</strong>sses mesmos estímulos” (p. 85), e,<br />
por isso, Galhós acha que as suas<br />
obras escapam “à nossa<br />
compreensão, escapam ao mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> como viver nesta era da<br />
imagem e da reproductibilida<strong>de</strong>” (p.<br />
235).<br />
Galhós prefere impor-se à obra <strong>de</strong><br />
Bausch, ao que ela diz, numa<br />
tentativa <strong>de</strong> interpretação obcecada<br />
pela paixão, sugerindo<br />
interpretações acríticas e sectárias.<br />
Não sentir profundamente a obra <strong>de</strong><br />
Bausch significa “querer<br />
continuar a ser<br />
ignorante”<br />
(p.112), é<br />
produzir<br />
uma<br />
“reacção<br />
frustrada”<br />
(p. 179),<br />
“seria a<br />
mais<br />
triste<br />
forma <strong>de</strong><br />
cegueira, a<br />
que não quer<br />
ver, cobar<strong>de</strong>”<br />
(p. 207), é, em<br />
suma, “não a<br />
perceber” (p. 235).<br />
Mais: é recusar o<br />
convite a “a abandonar a<br />
sua posição <strong>de</strong> alheado do<br />
que está a acontecer”, porque<br />
o espectador “é convidado a<br />
reclamar mais para si do<br />
que esta evasão para um<br />
mundo <strong>de</strong> fingimento,<br />
on<strong>de</strong> existe em estado comatoso,<br />
que se limita a prolongar o papel <strong>de</strong><br />
espectador que vive no seu<br />
quotidiano” (p. 117).<br />
Consi<strong>de</strong>rando o seu conhecimento<br />
sobre a matéria — exposto nas<br />
<strong>de</strong>rivações teóricas que faz sobre o<br />
teatro pós-dramático, a dançateatral,<br />
a importância da<br />
dramaturgia, a geneologia<br />
coreográfica —, só se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
como uma oportunida<strong>de</strong> perdida<br />
uma obra que se escon<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong><br />
uma paixão. E, atrás <strong>de</strong>ssa paixão,<br />
um esforço hercúleo para aguentar o<br />
que não <strong>de</strong>veria ter sido mais do que<br />
um obituário, ainda que extenso,<br />
numa edição especial <strong>de</strong> um jornal.<br />
Sendo um diário, e por isso,<br />
pessoal, é certo que este livro não se<br />
obriga ao rigor académico que<br />
sujeitam as biografias à confirmação<br />
dos factos e menos, ainda, ao brio<br />
jornalístico que <strong>de</strong>ve caracterizar<br />
quem é profissional do meio. E, no<br />
entanto, nunca em momento algum<br />
a autora nos faz esquecer que é<br />
jornalista e que esse olhar guia o<br />
livro e, na verda<strong>de</strong>, dá os melhores<br />
momentos <strong>de</strong>le, mesmo que<br />
enfermados pelo mesmo estilo<br />
melado e con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte — as<br />
relações do universo <strong>de</strong> Pina com os<br />
criadores nacionais; o relato da<br />
experiência em <strong>Lisboa</strong> para<br />
“Masurca Fogo”, as memórias <strong>de</strong><br />
alguns bailarinos — ou seja, quando<br />
Claudia Galhós <strong>de</strong>ixa que sejam os<br />
outros a falar. Porque, sendo patente<br />
— pelas citações usadas e pela<br />
<strong>de</strong>scrição da própria autora — que o<br />
seu contacto directo com a<br />
coreógrafa foi fugaz, para não dizer<br />
nulo, espanta que Galhós queira<br />
sustentar 279 páginas em <strong>de</strong>rivações<br />
poéticas, respigando citações<br />
avulsas, sempre secundárias na sua<br />
visão, e ignorando outras (a conversa<br />
<strong>de</strong> duas horas que Bausch teve<br />
com o público aquando da<br />
sua presença em 2007<br />
em <strong>Lisboa</strong>, no Teatro<br />
Camões — coisa que<br />
nunca fez nas<br />
suas outras seis<br />
vezes — é<br />
ignorada, o<br />
que teria<br />
poupado à<br />
autora a<br />
permanente<br />
citação das<br />
mesmas<br />
fontes).<br />
As<br />
fontes<br />
Pina Bausch por Cláudia Galhós: só se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar como uma<br />
oportunida<strong>de</strong> perdida uma obra que se escon<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong> uma paixão<br />
usadas são pobres e limitadas,<br />
servindo apenas para caucionar os<br />
objectivos da obra e não para<br />
ampliarem o discurso <strong>de</strong> Bausch. No<br />
essencial, o olhar <strong>de</strong> Galhós ignora o<br />
vasto corpo coreográfico <strong>de</strong> Pina, os<br />
contextos por on<strong>de</strong> ela se<br />
movimentou e as comparações com<br />
outras escolas que surgiram e com<br />
quem Pina dialogou, mesmo que as<br />
recusasse ou <strong>de</strong>las se distanciasse.<br />
Ignora ainda as diversas pontes no<br />
interior da obra <strong>de</strong> Bausch (e daí<br />
remontagens que implicavam<br />
alterações), nunca questionando,<br />
por exemplo, a importância da série<br />
<strong>de</strong> peças sobre cida<strong>de</strong>s, sobretudo<br />
nos seus aspectos <strong>de</strong> produção, ela<br />
que nunca os ignorou e a eles sempre<br />
procurou respon<strong>de</strong>r. É vaga também<br />
na análise do isolamento <strong>de</strong> Pina,<br />
refugiando-se sempre na sua<br />
extrema sensibilida<strong>de</strong>, e aceitando<br />
ser vista como uma esfinge em vez<br />
“da mulher-artista das palavras<br />
dançadas e não ditas” (p.177).<br />
Sabe-se que às obras dos artistas<br />
maiores se tenta sempre colar uma<br />
poética que fica sempre aquém do<br />
objecto, num exercício <strong>de</strong> colagem<br />
patética que limita a recepção da<br />
obra à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reacção e<br />
retórica. Um exemplo, apenas, diz<br />
bem da ligeireza da abordagem<br />
proposta neste livro: sobre a<br />
revolução proposta por Pina, a<br />
jornalista diz que a coreógrafa<br />
“<strong>de</strong>sfaz-se <strong>de</strong>sse corpo artificial,<br />
mentiroso, impositivo <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong><br />
beleza impossíveis — tal como a<br />
Barbie o fez mais tar<strong>de</strong> — e <strong>de</strong> uma<br />
suposta perfeição que projecta esse<br />
ser leve no ar” (p. 105).<br />
Não estando cá para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, e<br />
não havendo matéria directa <strong>de</strong><br />
contraponto, este livro maniqueísta<br />
corre o risco <strong>de</strong> se tornar uma<br />
referência. Se ao menos, como<br />
escreveu o seu marido, se aceitasse<br />
que “a obra <strong>de</strong> Pina Bausch vive e<br />
morre com ela” (p. 234), este livro<br />
po<strong>de</strong>ria fazer as vezes <strong>de</strong> um<br />
exercício <strong>de</strong> reflexão sobre o seu<br />
legado em vez <strong>de</strong> um penoso <strong>de</strong>sfiar<br />
<strong>de</strong> memorias secundárias e<br />
projectadas, a maior parte <strong>de</strong>las<br />
especulativas, a maior parte <strong>de</strong>las<br />
pequenas notas <strong>de</strong> rodapé.<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
TEATRO MUNICIPAL<br />
Está aberto o concurso para<br />
Direcção Artística do<br />
São Luiz Teatro <strong>Municipal</strong><br />
As candidaturas para a Direcção Artística do São Luiz<br />
Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong>vem ser realizadas até às 18h<br />
do dia 20 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2010. Todos os candidatos<br />
<strong>de</strong>vem proce<strong>de</strong>r obrigatoriamente à sua inscrição<br />
na plataforma electrónica www.vortalgov.pt.<br />
Passos para a Inscrição em www.vortalgov.pt<br />
Quero A<strong>de</strong>rir > Vantagens Universais (Gratuito) > Plataforma electrónica<br />
<strong>de</strong> contratação Pública (A<strong>de</strong>rir Já) > Preencher Ficha <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são (1 a 6)<br />
(Browser preferencial para a inscrição na plataforma: Internet Explorer).<br />
Os candidatos <strong>de</strong>verão proce<strong>de</strong>r à inscrição no<br />
site com a maior brevida<strong>de</strong> possível e associar a<br />
sua inscrição à seguinte <strong>de</strong>signação do contrato:<br />
“Prestação <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Direcção Artística do<br />
São Luiz Teatro <strong>Municipal</strong>”.<br />
O Júri do concurso é composto pelos seguintes elementos:<br />
Presi<strong>de</strong>nte – Miguel Honrado;<br />
Vogal – Ana Marin;<br />
Vogal – António Pinto Ribeiro;<br />
Vogal – Emmanuel Demarcy Mota;<br />
Vogal – Pedro Burmester.<br />
As condições específicas do concurso po<strong>de</strong>m ser consultadas em:<br />
www.egeac.pt<br />
www.teatrosaoluiz.pt<br />
Todas as questões relacionadas com o concurso <strong>de</strong>verão ser<br />
formuladas por escrito e enviadas para:<br />
concursosaoluiz@egeac.pt<br />
EGEAC – Empresa <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Equipamentos e Animação Cultural Tel: 218 820 090<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Julho 2010 • 51