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Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Matthias Langhoff<br />

Tesouro nacional vivo<br />

“Cabaret Hamlet” é um espectáculo que não se conta, vive-se. O encenador é alguém que não<br />

se <strong>de</strong>screve, sente-se. No CCB, dias 14 e 15, vamos po<strong>de</strong>r estar mais perto <strong>de</strong> uma lenda viva do<br />

teatro. Tiago Bartolomeu Costa, em Paris<br />

DA MAIA NOGUEIRA<br />

Matthias<br />

Langhoff<br />

regressa ao<br />

Festival <strong>de</strong><br />

Teatro <strong>de</strong><br />

Almada pelo<br />

segundo ano<br />

consecutivo<br />

Matthias Langhoff é um tesouro nacional<br />

vivo. A expressão foi cunhada<br />

pelo crítico francês Bruno Tackels na<br />

revista “Mouvement”, e diz bem da<br />

grandiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste homem, figura<br />

maior do teatro, discípulo <strong>de</strong> Brecht,<br />

her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> um passado com o qual<br />

“nem sempre soube lidar”.<br />

“Tudo o que me move, tudo aquilo<br />

em que sempre acreditei, foi exactamente<br />

o que tentei colocar nas minhas<br />

peças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. E não tenho<br />

a certeza <strong>de</strong> alguma vez o ter<br />

conseguido.”<br />

O pretexto do encontro é “Cabaret<br />

Hamlet”, monumental obra panteísta,<br />

“um resquício do que Shakespeare<br />

escreveu”, a apresentar no Centro<br />

Cultural <strong>de</strong> Belém, em <strong>Lisboa</strong>, no âmbito<br />

do Festival <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada,<br />

que visita pelo segundo ano consecutivo,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter mostrado “Dieu<br />

comme patient — ainsi parlait Isidore<br />

Ducasse”, a partir <strong>de</strong> Lautréamont. É<br />

uma peça longa — “o tempo precisa<br />

<strong>de</strong> tempo para acontecer” —, que trabalha<br />

os antagonismos das personagens<br />

<strong>de</strong> Shakesperare, que podiam<br />

ser entendidas como um espelho do<br />

mundo, como diria Shakespeare,<br />

“mas que são só sombras preparadas<br />

para serem <strong>de</strong>scobertas”. “Como<br />

nós”, acrescenta Langhoff.<br />

Esta peça é apenas uma janela para<br />

um universo feito “<strong>de</strong> escolhas programadas”,<br />

respon<strong>de</strong> o encenador,<br />

que já dirigiu teatros, e escolheu Brecht,<br />

Büchner, Schnitzler, Kafka ou<br />

Eurípi<strong>de</strong>s para “falar<br />

sempre com o<br />

passado, tando imagi-<br />

tennar<br />

ser possível<br />

viver<br />

um futuro”.<br />

“A intuição<br />

é importante<br />

para outras<br />

coisas: a intuição<br />

está na<br />

“O teatro foi sempre<br />

solitário, porque<br />

as escolhas levam<br />

à solidão. Falar<br />

do que<br />

fazemos com<br />

alguém que faça<br />

o mesmo não significa<br />

que falemos<br />

da mesma coisa”<br />

pesquisa proporcionada pela peça,<br />

não está na escolha da peça. As peças<br />

são escolhidas para respon<strong>de</strong>rem a<br />

dúvidas que temos. São escolhas pes-<br />

soais, não são abstractas.” “A prepa-<br />

ração <strong>de</strong><br />

um trabalho é um momen-<br />

to para questionar tudo, uma situa-<br />

ção muito complexa e ambígua.” “É<br />

preciso ter paciência”, alerta. E é<br />

preciso “estar sempre à espera <strong>de</strong><br />

tudo.” Cada apresentação “é uma<br />

oportunida<strong>de</strong> para não <strong>de</strong>ixar cair<br />

a pergunta, mais do que para respon<strong>de</strong>r.”<br />

O <strong>de</strong>safio está “na pró-<br />

pria persistência, no fazer face<br />

ao medo. Queiramos ou não, o<br />

medo é a vida. Quando a tomamos,<br />

temos <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>ixar ir.<br />

Fazer um espectáculo é como<br />

uma vida, nasce-se e morrese.<br />

E morre-se como se é.<br />

Fazemos uma <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> nós, dos<br />

nossos medos, está tudo lá <strong>de</strong>ntro. É<br />

preciso ter paciência. E isso vem com<br />

o tempo”.<br />

Hamlet sou eu<br />

“O drama do príncipe da Dinamarca<br />

é o meu próprio drama”, lança para<br />

cima da mesa. “Com Hamlet enfrento<br />

a minha própria memória, a <strong>de</strong> regressar<br />

a um país ao qual não pertenço,<br />

obrigado a seguir uma herança<br />

que não quero e com a qual não estou<br />

<strong>de</strong> acordo.”<br />

De origem suíça, Langhoff mudouse<br />

cedo para a Alemanha — “on<strong>de</strong><br />

habitam todos os meus mortos” — vivendo<br />

há anos em França, o país que<br />

o <strong>de</strong>via consi<strong>de</strong>rar como um tesouro.<br />

“O exílio <strong>de</strong> Hamlet é o meu exílio” ,<br />

diz. “Penso nos meus pais, penso nos<br />

que já cá não estão, coloco-me em<br />

frente à minha memória”, confessa<br />

este homem “já sem pares”.<br />

“O teatro foi sempre solitário, porque<br />

as escolhas levam à solidão. Falar<br />

do que fazemos com alguém que faça<br />

o mesmo não significa que falemos<br />

da mesma coisa.” Recorda que este<br />

Hamlet é tão <strong>de</strong>le quanto a sua vida<br />

lhe pertence — “e disso estou pouco<br />

certo”.<br />

A peça surge “da impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> dialogar com um passado <strong>de</strong> 500<br />

anos”. “Não é para saber se há espaço<br />

para Hamlet no presente, é para perguntar<br />

se há presente em Hamlet”,<br />

diz. “Procurei Hamlet toda a minha<br />

vida. Esperei por ele.” A primeira vez<br />

que ele se apresentou foi ao telefone.<br />

Era Heiner Muller, seu companheiro<br />

na direcção do Berliner Ensemble.<br />

“Ligou-me e disse: Não venhas já para<br />

o ensaio. Quando chegares tenho<br />

uma peça pronta para ti.” A peça<br />

chamava-se “Máquina Hamlet”. Estávamos<br />

em 1977. “Este regresso é uma<br />

coisa muito especial”, diz Langhoff.<br />

“O objectivo não é tornar a coisa acessível.<br />

As questões estão ao nível da<br />

impossibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> não saber o que<br />

vamos fazer com as consequências<br />

da escolha, mas saber que essas consequências<br />

resultam da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se po<strong>de</strong>r escolher”, resume.<br />

“O que é tocante é que, mesmo sendo<br />

difícil, as pessoas são capazes <strong>de</strong><br />

encontrar as coisas que lhe tocam,<br />

on<strong>de</strong> o teatro as leva a um outro<br />

lugar, e que produzem um<br />

<strong>de</strong>bate, que as engran<strong>de</strong>ce.<br />

De tempos a tempos<br />

po<strong>de</strong> mesmo aparecer<br />

alguém que se diz profundamente<br />

alterado<br />

e, nessas alturas,<br />

achamos que po<strong>de</strong>mos<br />

prosseguir.” Por<br />

isso, Langhoff não acredita<br />

num regresso aos<br />

clássicos que impliquem<br />

uma inscrição do texto na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

“Tornar algo compreensível<br />

po<strong>de</strong> ser um problema.<br />

Mudar uma história não a torna, por<br />

si só, compreensível. Porque, muitas<br />

vezes, se o é, é outra coisa.”<br />

O Ípsilon viajou a convite do Festival <strong>de</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Almada<br />

François<br />

Chattot e<br />

Agnès Dewitte<br />

em “Cabaret<br />

Hamlet”<br />

Cabaret<br />

Hamlet<br />

Encenação <strong>de</strong> Matthias<br />

Langhoff<br />

Dias 14 e 15, no CCB,<br />

<strong>Lisboa</strong><br />

32 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon

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