Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Dave Eggers, Nova<br />
e o empreiteiro Z<br />
Um dos meninos <strong>de</strong> ouro da nova literatura americana pôs mais uma vez o seu talento (enorme) ao s<br />
resultado, inquietante, é uma narrativa não-ficcional que se lê com a avi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> um romance. Sobre os me c<br />
ROBERT GALBRAIT/REUTERS<br />
Livros<br />
Em 2005 Nova Orleães<br />
transformou-se num cenário<br />
pós-apocalíptico<br />
Em 2004, o escritor norte-americano<br />
Dave Eggers (n. 1970) – fundador da<br />
editora McSweeney’s, autor <strong>de</strong> livros<br />
que já foram finalistas do Pulitzer<br />
Prize e do National Book Critics Circle<br />
Award, e nesse ano consi<strong>de</strong>rado pela<br />
“Time” uma das 100 pessoas mais<br />
influentes no mundo – <strong>de</strong>u algumas<br />
aulas no curso <strong>de</strong> jornalismo da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Berkeley (Califórnia).<br />
Foi nessa altura que, com a professora<br />
e activista dos direitos humanos<br />
Lola Vollen, criou a colecção <strong>de</strong> livros<br />
“Voice of Witness” que se propunha<br />
recorrer à história oral, narrada na<br />
primeira pessoa, para ilustrar crises<br />
<strong>de</strong> direitos humanos um pouco por<br />
todo o mundo. O primeiro volume<br />
da série coligiu testemunhos <strong>de</strong> norte-americanos<br />
que tinham sido vítimas<br />
<strong>de</strong> erros judiciais, a que se seguiu<br />
outro <strong>de</strong>dicado a refugiados<br />
sudaneses. No final <strong>de</strong> 2005 surgiu<br />
“Voices from <strong>de</strong> Storm” (Vozes da<br />
Tempesta<strong>de</strong>), que recolhia dúzias <strong>de</strong><br />
narrativas <strong>de</strong> habitantes <strong>de</strong> Nova Orleães<br />
acerca das suas vidas antes,<br />
durante e após o furacão Katrina;<br />
entre essas vidas encontravam-se as<br />
<strong>de</strong> Abdulrahman e Kathy Zeitoun, um<br />
casal muçulmano – ele americano <strong>de</strong><br />
origem síria, ela americana do Louisiana<br />
convertida ao islamismo ainda<br />
antes <strong>de</strong> ter conhecido o marido –<br />
pais <strong>de</strong> quatro crianças e donos <strong>de</strong><br />
uma bem sucedida empresa <strong>de</strong> construção<br />
civil, a Zeitoun A. Pinturas e<br />
Empreitadas Lda.<br />
Já no pós-livro, a história do pesa<strong>de</strong>lo<br />
“kafkiano” vivido por esta família<br />
não saía da cabeça <strong>de</strong> Eggers, e na<br />
primeira oportunida<strong>de</strong> o escritor visitou<br />
os Zeitoun em Nova Orleães. Era<br />
para ele evi<strong>de</strong>nte que havia ali muito<br />
mais do que aquilo que fora incluído<br />
em “Voices from <strong>de</strong> Storm”, e por<br />
isso <strong>de</strong>u início a um processo <strong>de</strong> entrevistas<br />
e <strong>de</strong> investigações, em Nova<br />
Orleães e na Síria, que durou três<br />
anos. Passado esse período, Dave Eggers<br />
escreveu “Zeitoun”, publicado<br />
originalmente em 2009 (a tradução<br />
portuguesa acaba <strong>de</strong> sair), uma surpreen<strong>de</strong>nte<br />
obra não-ficcional em<br />
DARRON CUMMINGS<br />
“De certa maneira,<br />
era um mundo novo,<br />
sem mapa. Ele<br />
[Abdulrahman] podia<br />
ser um explorador.<br />
Podia ver tudo<br />
em primeira-mão”<br />
Alguns dos habitantes que não<br />
abandonaram a cida<strong>de</strong><br />
ajudaram nos trabalhos <strong>de</strong><br />
limpeza<br />
que todos os factos, segundo o autor,<br />
“foram confirmados por fontes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />
bem como nos registos<br />
históricos”. O dinheiro obtido com<br />
os direitos <strong>de</strong>ste livro reverte a favor<br />
da Fundação Zeitoun – entretanto<br />
criada pela família, por Dave Eggers<br />
e pela editora McSweeney’s – cujo<br />
objectivo é contribuir para a reconstrução<br />
<strong>de</strong> Nova Orleães e promover<br />
o respeito pelos direitos humanos nos<br />
EUA e no mundo.<br />
Debaixo do furacão<br />
Do principio: a 27 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 2005<br />
o Centro Nacional <strong>de</strong> furacões avisa<br />
que o Katrina po<strong>de</strong>rá atingir a categoria<br />
5 quando chegar a terra e que<br />
se dirige em direcção a Nova Orleães.<br />
Kathy Zeitoun <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sair da cida<strong>de</strong><br />
com os quatro filhos e alojar-se em<br />
casa <strong>de</strong> familiares. O marido teima<br />
em ficar. Quer olhar pela casa e pelas<br />
outras proprieda<strong>de</strong>s, alguns prédios<br />
com inquilinos. Um dia <strong>de</strong>pois chega<br />
o furacão. Durante a madrugada Zeitoun<br />
consegue ir remendando as brechas<br />
que se abrem na casa. A água<br />
escoa-se das ruas. Mas um dia <strong>de</strong>pois<br />
rompem-se os diques da cida<strong>de</strong> e o<br />
nível da água atinge os quatro metros.<br />
Ele mudara entretanto alguns dos<br />
seus pertences do andar <strong>de</strong> baixo para<br />
o <strong>de</strong> cima, e lembra-se que há alguns<br />
anos comprara em segunda mão<br />
uma canoa <strong>de</strong> cinco metros, feita <strong>de</strong><br />
alumínio, que quase nunca utilizara.<br />
Foi buscá-la à garagem. “Imaginou-se<br />
a flutuar, sozinho, pelas ruas da cida<strong>de</strong>.<br />
De certa maneira era um novo<br />
mundo, sem mapa. Ele podia ser um<br />
explorador. Podia ver tudo em primeira-mão.”<br />
Abdulrahman aventura-se naque-<br />
RICK WILKIN/REUTERS<br />
14 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon