Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Mi Ami<br />
Este punk não é<br />
aquilo que pensamos<br />
Os Mi Ami são um ritmo que jorra <strong>de</strong> forma incessante, como se o rock’n’roll se<br />
transformasse em celebração tribal, em funk dilacerado, em violento psica<strong>de</strong>lismo.<br />
Em “Steal Your Face”, o segundo álbum, põem Bob Marley na capa para lançar uma<br />
pergunta: “Como viver num mundo em que tudo é trivializado e transformado<br />
em lixo?” Mário Lopes<br />
Música<br />
Daniel Martin-McCormick, à<br />
esquerda, irrita-se quando lhe<br />
falam em supostas influências<br />
africanas na música dos Mi Ami<br />
Antes, entre 2001 e 2004, existiram<br />
os Black Eyes. Canções <strong>de</strong> guitarras<br />
nervosas e ritmo tenso, com um vocalista<br />
cuja estridência do canto, quase<br />
<strong>de</strong>mencial, potenciava uma sensação<br />
<strong>de</strong> catarse neurótica. Os Black<br />
Eyes, da mesma Washington <strong>de</strong> Fugazi<br />
e Q And Not U, eram uma banda<br />
perfeitamente alinhada numa época<br />
<strong>de</strong> re<strong>de</strong>scoberta e apropriação criativa<br />
<strong>de</strong> pós-punk e da no-wave. Agora<br />
existem os Mi Ami, que continuam a<br />
revelar muita da catarse neurótica dos<br />
Black Eyes, mas são completamente<br />
diferentes, inclassificáveis. Um ritmo<br />
que jorra <strong>de</strong> forma incessante, como<br />
se o rock’n’roll se transformasse em<br />
celebração tribal, em funk dilacerado,<br />
em violento psica<strong>de</strong>lismo que nos<br />
transporta na sua voragem.<br />
Daniel Martin-McCormick, guitarrista<br />
e vocalista dos Mi Ami, ex-guitarrista<br />
e vocalista dos Black Eyes,<br />
canta da mesma forma, mas atinge<br />
uma dimensão diferente. Quando ouvimos<br />
o segundo álbum da banda,<br />
“Steal Your Face”, imaginamos um<br />
trio (Daniel, o baixista Jacob Long,<br />
também vindo dos Black Eyes, e o baterista<br />
Damon Palermo) que aprofundou<br />
a empatia musical ao estado <strong>de</strong><br />
“jam” <strong>de</strong> músicos clássicos <strong>de</strong> jazz:<br />
não há pontes ou refrães, antes música<br />
como um fluxo contínuo que se<br />
vai modulando dinamicamente, enquanto<br />
a guitarra se ergue num turbilhão,<br />
enquanto o “cowbell” surge e<br />
sugere contenção eléctrica para que<br />
o “groove” diabólico se <strong>de</strong>staque.<br />
Daniel Martin-McCormick, agora a<br />
viver em São Francisco mas formado<br />
na fértil e influente cena punk <strong>de</strong> Washington<br />
D.C. — a dos supracitados<br />
Fugazi e da sua mítica editora, a Dischord<br />
—, é um homem que <strong>de</strong>nuncia<br />
no discurso a ética em que cresceu.<br />
Fala <strong>de</strong> forma pausada, pesando as<br />
palavras, tentando assegurar que<br />
transmite com exactidão as i<strong>de</strong>ias que<br />
quer fazer passar. Tem a sua grelha <strong>de</strong><br />
valores bem <strong>de</strong>finida, tão bem <strong>de</strong>finida<br />
quanto a visão musical. “O disco<br />
mostra-nos a tocar ao vivo no estúdio,<br />
é uma ‘performance’ ao vivo e é apenas<br />
nesse sentido que haverá algo <strong>de</strong><br />
‘jazzmen’ na nossa forma <strong>de</strong> operar.”<br />
Dito isto, acrescenta rapidamente,<br />
para não <strong>de</strong>ixar espaço a dúvidas:<br />
“Não funcionamos, <strong>de</strong> todo, em ‘fluxo<br />
<strong>de</strong> consciência’. Isso implicaria reproduzir<br />
o que quer que nos passasse<br />
pela cabeça naquele momento, quando<br />
o que acontece é precisamente o<br />
contrário”. Cada uma das seis longas<br />
canções <strong>de</strong> “Steal Your Face” foi <strong>de</strong>senvolvida<br />
em ensaios durante um<br />
mês antes <strong>de</strong> chegar a estúdio. “Temos<br />
muito bem <strong>de</strong>finido o que estamos a<br />
fazer e aquilo que será a canção antes<br />
<strong>de</strong> a gravarmos. O que fazemos no estúdio<br />
é dar-lhe vida.”<br />
Quando o punk se irrita<br />
Paralelamente a um percurso discográfico<br />
que, em longa duração, conta<br />
com a estreia “Watersports”, editada<br />
em 2009, e o “Steal Your Face” que<br />
agora lançam, os Mi Ami vão mantendo<br />
activida<strong>de</strong> contínua, quer em palco<br />
— o vocalista assegura que as constantes<br />
digressões foram indispensáveis<br />
para que a música “ganhasse<br />
22 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon