Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Discos<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Ratatat: a “trip” nunca se concretiza<br />
Tame Impala<br />
United States of America, os Stone<br />
Roses e muitos mais). Mas isso não<br />
os menoriza <strong>de</strong> todo. Tome-se, por<br />
exemplo, “Alter Ego”, a estupenda<br />
quarta canção do disco: pilha um<br />
“beat” usado milhares <strong>de</strong> vezes na<br />
electrónica mo<strong>de</strong>rna, ro<strong>de</strong>ia-o <strong>de</strong><br />
guitarras “glam” e dá-lhe um “rouge<br />
soul” na face: estamos tanto em<br />
território dos Broadcast como num<br />
lado B dos Beatles (fase<br />
“Revolution”) nunca lançado, um pé<br />
na melodia clássica, outro na pista<br />
<strong>de</strong> dança. O rei aqui é a guitarra, ora<br />
em “riffs” ora em <strong>de</strong>dilhados, ambos<br />
psicadélicos e etéreos. Quando a<br />
melodia se apruma lembramo-nos<br />
dos Stone Roses, até porque o baixo<br />
não está só a fazer figura <strong>de</strong> corpo<br />
presente. Quase sempre as vozes são<br />
“naives” e filtradas e podíamos jurar<br />
que, em “It’s not meant to be”, a<br />
bateria é passada pelos mesmos ecos<br />
e filtros usados pelos United States<br />
of America (e as guitarras usam os<br />
mesmos efeitos que os Byrds em<br />
“Eight Miles High”) . Ora mais pop,<br />
ora mais dançável, ora mais<br />
púrpura, o gran<strong>de</strong> mérito dos Tame<br />
Impala é juntar todas essas<br />
influências numa voz adormecida no<br />
mar <strong>de</strong> gaze das guitarras. Vão ser,<br />
obviamente, os próximos gran<strong>de</strong>s<br />
qualquer-coisa e alguém <strong>de</strong> bom<br />
senso <strong>de</strong>via editá-los cá e trazê-los<br />
para uma <strong>de</strong>sbunda <strong>de</strong> seis cordas a<br />
berrar alto. Muito alto. J.B.<br />
Tudo negro neste<br />
“Dark Si<strong>de</strong> Of The<br />
Moon”<br />
The Flaming Lips & Stardust And<br />
White Dwarfs<br />
The Dark Si<strong>de</strong> Of The Moon<br />
Warner<br />
mmmnn<br />
A i<strong>de</strong>ia<br />
parece<br />
<strong>de</strong>scabida. a.<br />
Uma releitura,<br />
canção por canção,<br />
<strong>de</strong> “Dark Si<strong>de</strong> Of<br />
The Moon”, clássico<br />
dos clássicos dos<br />
Pink Floyd que, não<br />
sendo necessariamente o melhor<br />
disco da banda, é o mais<br />
emblemático. À primeira vista, não<br />
passa <strong>de</strong> uma perda <strong>de</strong> tempo que<br />
chamará a atenção durante 15<br />
minutos antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong><br />
cena. Assim seria, não se <strong>de</strong>sse o<br />
caso <strong>de</strong> falarmos dos Flaming Lips,<br />
que gravaram em tempos um álbum<br />
quádruplo chamado “Zaireeka”, que<br />
só po<strong>de</strong>ríamos ouvir tal como<br />
i<strong>de</strong>alizado tocando os quatro CDs<br />
em simultâneo, em quatro<br />
aparelhagens diferentes. Ou seja, os<br />
Flaming Lips, que voltaram a soar<br />
urgentes e “psica<strong>de</strong>licamente”<br />
excessivos em “Embryonic” (o<br />
último álbum, <strong>de</strong> 2009), lançaramse<br />
às canções <strong>de</strong> “Dark Si<strong>de</strong> Of The<br />
Moon” porque, muito simplesmente,<br />
podiam fazê-lo.<br />
Convocaram Star<strong>de</strong>ath And White<br />
Dwarfs, a banda <strong>de</strong> Dennis Coyne,<br />
sobrinho <strong>de</strong> Wayne Coyne, <strong>de</strong>ram<br />
um toque a Henry Rollins e outro a<br />
Peaches e montaram uma bizarria<br />
que, ao contrário da maioria dos<br />
álbuns <strong>de</strong> versões, soa melhor na<br />
prática que em teoria.<br />
Editado em formato digital em<br />
Janeiro, conhece agora edição física.<br />
Nele, os Flaming Lips e os Star<strong>de</strong>ath<br />
And White Dwarfs transportam o<br />
psica<strong>de</strong>lismo “technicolor” e a<br />
limpi<strong>de</strong>z sonora do original para o seu<br />
próprio território. Ou seja, o ambiente<br />
torna-se <strong>de</strong>nso, as guitarras distorcem<br />
e planam em “feedback”, o<br />
existencialismo ganha contornos <strong>de</strong><br />
neurose. Henry Rollins, responsável<br />
pelo “spoken word” entre canções, dá<br />
o tom logo a início: “I’ve been mad for<br />
fucking years! I’m mad, I’ve always<br />
been mad!” E Peaches, mais à frente,<br />
ao recriar o solo vocal <strong>de</strong> “The great<br />
gig in the sky” em gritos enfurecidos,<br />
<strong>de</strong>mentes, prova que o “lunatic” <strong>de</strong>ste<br />
novo “Dark Si<strong>de</strong> Of The Moon” é<br />
realmente diferente do original<br />
imaginado por Roger Waters —<br />
digamos que, impulsionado pelo som<br />
dos Flaming Lips em “Embryonic”, foi<br />
criado da perspectiva da “cançãopsicose”<br />
dos Pink Floyd, “Careful with<br />
axe, Eugene”.<br />
Ao contrário da maioria dos álbuns <strong>de</strong> versões, a releitura dos Pink<br />
Floyd pelos Flaming Lips soa melhor na prática do que na teoria<br />
Mais curiosa que brilhante, a nova<br />
versão põe toques <strong>de</strong> telemóvel no<br />
lugar dos relógios <strong>de</strong> corda <strong>de</strong><br />
“Time”, transforma “On the run” em<br />
disco-funk “janado” (tudo<br />
reverberações e guitarras silvando<br />
como sirenes <strong>de</strong> nave espacial),<br />
transforma “Breath” em hino às<br />
maravilhas do “fuzz” aplicado ao<br />
som <strong>de</strong> baixo e faz <strong>de</strong> uma trôpega<br />
caixa <strong>de</strong> ritmos o suporte para a<br />
preguiçosa e falhada versão <strong>de</strong><br />
“Money” — o momento “ao lado” do<br />
álbum.<br />
“There’s no dark si<strong>de</strong> of the moon,<br />
really. As a matter of fact, it’s all<br />
dark”, <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>-se Henry Rollins. Os<br />
Pink Floyd matizavam essa<br />
constatação com música grandiosa,<br />
<strong>de</strong> uma luminosida<strong>de</strong> reconfortante.<br />
Os Flaming Lips preferem brincar na<br />
escuridão. E, apesar <strong>de</strong><br />
continuarmos sem saber por que<br />
raio se aventuraram numa coisa<br />
<strong>de</strong>stas, saem-se bem. Não<br />
<strong>de</strong>slumbram, divagam livremente. E<br />
divertem. M.L.<br />
Psica<strong>de</strong>lismo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>signer<br />
Ratatat<br />
LP4<br />
XL Recordings; distri. Popstock<br />
mmmnn<br />
O álbum anterior<br />
tinha como título<br />
“LP3”. Este, o<br />
quarto, foi<br />
baptizado “LP4”,<br />
como se fosse a<br />
continuação da série. Faz todo o<br />
sentido. O som dos Ratatat, duo<br />
americano formado por Mike Stroud<br />
e Evan Mast, mantém-se inalterável<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição do álbum homónimo<br />
em 2004.<br />
Neste momento, po<strong>de</strong>m ser nome<br />
em ascensão enquanto produtores<br />
hip-hop, tendo trabalhado com Kid<br />
Cudi no seu álbum <strong>de</strong> estreia, “Man<br />
On The Moon: The End Of Day”, mas<br />
enquanto Ratatat mantêm o rumo<br />
inalterado: prosseguem pela autoestrada<br />
cósmica pejada <strong>de</strong><br />
sintetizadores ambientais, guitarras<br />
planantes e ritmos <strong>de</strong> um<br />
minimalismo eficiente. São<br />
psica<strong>de</strong>lismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>signer,<br />
impecavelmente construído. Mas a<br />
verda<strong>de</strong> é que, apesar das<br />
produções luxuriantes (até<br />
acrescentaram tablas ou percussões<br />
turcas à equação), não passam <strong>de</strong><br />
música <strong>de</strong> fundo (<strong>de</strong> bom gosto<br />
inatacável, mas música <strong>de</strong> fundo<br />
ainda assim).<br />
Apreciamos as guitarras<br />
floydianas e o som do<br />
“harpsichord”, gostamos dos Moogs,<br />
da elegância das batidas, das<br />
sugestões funk e das orquestrações<br />
apontando a Oriente; apreciamos<br />
tudo isso e esta i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uns Daft<br />
Punk alegremente ven<strong>de</strong>ndo a alma<br />
ao “space-rock” (sem rock,<br />
naturalmente), mas a “trip” nunca<br />
se concretiza. Limita-se a ficar lá<br />
longe, incógnita, a acariciar o<br />
subconsciente. M.L.<br />
Uma questão<br />
<strong>de</strong> ritmo<br />
PAUS<br />
É uma Água<br />
Enchufada<br />
mmmmn<br />
O EP <strong>de</strong> estreia dos PAUS confirma<br />
os sinais muito<br />
positivos que os<br />
lisboetas andavam<br />
a transmitir nos<br />
palcos. União <strong>de</strong><br />
músicos dos If Lucy<br />
Fell e Linda Martini com um ex-<br />
Vicious Five, os PAUS inventam uma<br />
música <strong>de</strong> difícil classificação,<br />
fortemente ancorada no ritmo. A<br />
culpa é da “bateria siamesa” (dois<br />
bateristas tocam em duas baterias<br />
unidas pelo mesmo bombo), uma<br />
criação do grupo que é a força<br />
propulsora das quatro canções aqui<br />
reunidas. Acompanham-na cânticos<br />
comunais (com palavras, em “Pelo<br />
pulso”, ou sem elas, a lembrar os<br />
ritos vocais dos Animal Collective,<br />
como em “Mete as mãos à boca”),<br />
um baixo a <strong>de</strong>sempenhar as suas<br />
funções habituais e as <strong>de</strong> uma<br />
guitarra e sintetizadores.<br />
“Lupiter Deacon” é um espantoso<br />
momento <strong>de</strong> fervilhar percussivo,<br />
sintetizador alienígena e dinâmicas<br />
crescendo-explosão — e um<br />
divertido momento “na na na na<br />
na”, que sublinha o apelo lúdico<br />
<strong>de</strong>stas canções. “Mete as mãos à<br />
boca” lembra uns Battles sem os<br />
histerismos e mais dados aos<br />
encantos libertários da selva,<br />
enquanto “Mudo e surdo” inventa<br />
uma espécie <strong>de</strong> “stoner” suave, com<br />
teclados aos círculos e cantorias<br />
gloriosamente <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong><br />
sentido. “É uma Água”, interessante<br />
cruzamento <strong>de</strong> referências com a<br />
dose certa <strong>de</strong> idiossincrasias, augura<br />
um futuro radiante para os PAUS.<br />
Pedro Rios<br />
PAUS: o futuro é radiante<br />
Afrobeat<br />
futurista<br />
Donso<br />
Donso<br />
Comet, distri. Megamúsica<br />
mmmnn<br />
Álbum <strong>de</strong> estreia <strong>de</strong><br />
um novo quarteto<br />
com um pé na<br />
cultura tradicional<br />
do Mali e outro na<br />
cena <strong>de</strong> dança <strong>de</strong><br />
colheita francesa. De um lado estão<br />
Ge<strong>de</strong>on Papa Diarra, cantor <strong>de</strong> voz<br />
carinhosa, Guimba Kouyate,<br />
virtuoso do n’goni e doutras cordas,<br />
reforçados por um punhado <strong>de</strong><br />
instrumentistas malis. Do outro há<br />
Thomas Guillaume, típico<br />
percussionista entre cá e lá, e Pierre-<br />
Antoine Grison, que na editora<br />
tecno Ed Banger respon<strong>de</strong> pelo<br />
nome artístico <strong>de</strong> KrazyBalhead.<br />
Juntos, o que fazem é música <strong>de</strong><br />
fusão raízes afro-electrónica, o que<br />
nos tempos que correm está longe<br />
<strong>de</strong> ser uma novida<strong>de</strong>.<br />
Não será muito original, portanto,<br />
mas os Donso exibem na estreia um<br />
leque <strong>de</strong> trunfos que também não<br />
são <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezar. Ge<strong>de</strong>on Papa<br />
Diarra é, para começar, um cantor<br />
notável num estilo a meio caminho<br />
entre o purificador dos espíritos e o<br />
encantor <strong>de</strong> serpentes, tão à<br />
vonta<strong>de</strong> nas gran<strong>de</strong>s paisagens<br />
<strong>de</strong>sérticas, como no espaço<br />
acanhado das caves dançantes<br />
europeias. A equação <strong>de</strong> ritmos<br />
africanos com prestigiditação<br />
electrónica raramente terá soado<br />
tão harmónica e natural como nesta<br />
sequência <strong>de</strong> misturas elásticas e<br />
pulsantes.<br />
Por vezes, o convite a dançar é<br />
irresistível, outras, porventura a<br />
maior parte, é uma coisa mais<br />
anímica, uma vibração que não anda<br />
longe do <strong>de</strong>vaneio e da hipnose.<br />
Po<strong>de</strong>rá não adiantar gran<strong>de</strong> coisa,<br />
mas a estreia dos Donso <strong>de</strong>staca-se<br />
por este “groove” contagioso, que<br />
(melhor que muita concorrência) faz<br />
justiça ao programa <strong>de</strong> um afrobeat<br />
futurista. Luís Maio<br />
36 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon