Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
tte, absolutamente<br />
s <strong>de</strong> Charlotte Rampling. “Só faço coisas quando sei que me vou confrontar com algo que me<br />
a que se confunda actriz, personagem e mulher. Tiago Bartolomeu Costa<br />
Charlotte Rampling e Polydoros<br />
Vogiatzis na peça “Yourcenar/<br />
Cavafy”<br />
“A interpretação<br />
surge <strong>de</strong> um encontro<br />
emocional.<br />
É, sobretudo, uma<br />
viagem com<br />
uma pessoa”<br />
gens. E são encontros através das viagens,<br />
feitas com um material que é a<br />
vida <strong>de</strong> outra pessoa. A interpretação<br />
surge <strong>de</strong> um encontro emocional, que<br />
parte do coração, e prossegue através<br />
da linguagem, e da palavra. É, sobretudo,<br />
uma viagem com uma pessoa.<br />
Ao mesmo tempo, é-lhe pedido<br />
que se ponha em causa, ou seja,<br />
que parta da sua experiência<br />
para nos conduzir nessa viagem.<br />
Sim, absolutamente. Penso que as<br />
coisas só po<strong>de</strong>m ser tratadas — se as<br />
quisermos tratar <strong>de</strong> forma inteligente<br />
e interessante — se nos colocarmos<br />
em causa face à personagem. É uma<br />
parceria fundamental e a única forma<br />
que tenho <strong>de</strong> trabalhar.<br />
E como faz as suas escolhas?<br />
Procurando personagens que<br />
queiram fazer um pacto consigo?<br />
Ao longo da minha vida, fui encontrando<br />
personagens no caminho. Personagens,<br />
realizadores, poetas. Nunca<br />
as procurei, e não o faço hoje. A<br />
dado momento da viagem, junto-me<br />
a uma personagem que encontro, não<br />
sei porquê, nunca soube, mas foi sempre<br />
assim.<br />
É isso que explica a colagem<br />
eterna a uma imagem fria e<br />
gelada, que se coloca numa<br />
posição <strong>de</strong> distância em relação<br />
ao espectador? É uma protecção<br />
da actriz?<br />
É como eu sou. Eu sou uma actriz, é<br />
certo, mas sou, realmente, assim. E é<br />
assim no teatro, e no cinema, sou<br />
sempre eu, e a personagem acompanha-me.<br />
Se me diz que sou fria — infelizmente,<br />
não gosto <strong>de</strong>ssa palavra<br />
— mas se me diz que sou impenetrável,<br />
não posso achar isso senão como<br />
um contra-senso para um actor. Trabalho<br />
a um nível mais profundo, se<br />
as pessoas acham isso, lamento por<br />
elas.<br />
O que me agrada nessa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
frieza, <strong>de</strong> gelo, é a sua própria<br />
ambiguida<strong>de</strong>, porque é algo<br />
provisório que se esfuma.<br />
Ouvindo as suas canções, por<br />
exemplo, ficamos sempre<br />
na dúvida se a estamos a<br />
ouvir falar <strong>de</strong> si, se há uma<br />
personagem que fala sobre<br />
coisas que lhe acontecem, ou se<br />
é algo distante. E essa mistura,<br />
quadridimensional diria, é mais<br />
do que real porque não se <strong>de</strong>ixa<br />
cair numa só categorização. É,<br />
por isso mesmo, um corpo que,<br />
apresentando-se, não <strong>de</strong>ixa<br />
nunca <strong>de</strong> ser abstracto.<br />
Você fez uma muito bela <strong>de</strong>scrição<br />
[risos].<br />
Pergunto-lhe isto porque se<br />
tornou frequente encontrar<br />
actrizes que traçam projectos<br />
<strong>de</strong> carreira que também passam<br />
pela música, ou por trabalhos<br />
com realizadores menos<br />
evi<strong>de</strong>ntes, com o objectivo <strong>de</strong><br />
escaparem a uma padronização<br />
e a um mo<strong>de</strong>lo. Até mesmo<br />
tentando escapar a uma imagem<br />
que se lhes colou. O que está a<br />
dizer é que as coisas são fruto do<br />
acaso e não <strong>de</strong> um planeamento<br />
estratégico?<br />
É isso, absolutamente. Só faço aquilo<br />
em que sei que posso investir. É a única<br />
forma <strong>de</strong> me apresentar ao mundo<br />
exterior. A carreira não me interessa,<br />
interessa-me a viagem. E uma estratégia<br />
não é, certamente, a viagem que<br />
quero fazer.<br />
As experiências teatrais<br />
chegaram mais tar<strong>de</strong>. E<br />
chegaram como?<br />
Sim, bastante mais tar<strong>de</strong>. Fi-las para<br />
saber como funcionaria esta minha<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> envolvimento face a um público,<br />
com um texto, e aten<strong>de</strong>ndo ao<br />
rigor do teatro. Encontrei três peças,<br />
duas em França e uma em Inglaterra.<br />
Só faço coisas quando sei que me vou<br />
confrontar com algo que me provoque<br />
e com alguém que me entusiasme.<br />
De qualquer forma, não é o teatro<br />
tradicional que me interessa.<br />
É por isso que as escolhas que<br />
fez não são evi<strong>de</strong>ntes?<br />
Sim, enfrento a vida como uma falta<br />
e uma prova. Como se fosse uma representação<br />
todos os dias. Quando<br />
escolho o que vou fazer, quando mer-<br />
gulho no que vou fazer, procuro ver<br />
se vou passar essa prova, e, <strong>de</strong>pois,<br />
não me interessa repeti-la. É preciso<br />
ser muito inventiva, para não me<br />
aborrecer nem cair numa rotina. Não<br />
é evi<strong>de</strong>nte nem é muito confortável,<br />
mas é como é, é o que me satisfaz. Ao<br />
mesmo tempo, é recompensador<br />
quando acontecem coisas que se correspon<strong>de</strong>m<br />
e que dialogam com o que<br />
procuro. Mas esta é só uma forma <strong>de</strong><br />
estar aqui. E é só a minha.<br />
É um percurso, <strong>de</strong> vida<br />
e profissional, que se<br />
complementa através da música,<br />
do teatro e do cinema, ou que<br />
alimenta, e se complementa,<br />
com a vida?<br />
Nunca po<strong>de</strong>remos dizer se o que veio<br />
primeiro foi a galinha ou o ovo. É uma<br />
coreografia constante. “Faço, não faço”,<br />
“quero fazer, não quero fazer”.<br />
E <strong>de</strong>pois há coisas que me forçam a<br />
encontros, como no caso <strong>de</strong> Yourcenar<br />
e Kavafi. É algo que é visceral e<br />
que me dá imenso medo.<br />
Essa era a palavra que me<br />
ocorria, medo. Quer combater o<br />
medo que as provas lhe causam?<br />
Sim, sim.<br />
Sem medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r?<br />
Sim, sobretudo sem medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r.<br />
É outra coisa.<br />
É o prazer <strong>de</strong> jogar?<br />
É o prazer <strong>de</strong> me expor.<br />
Expor-se, procurando dar e<br />
receber?<br />
Sim, absolutamente, porque o acto<br />
<strong>de</strong> se expor em cena tem <strong>de</strong> ser, para<br />
CONCURSO<br />
JOVENS CRIADORES<br />
2010<br />
.ARTES PLÁSTICAS.<br />
.BANDA DESENHADA.<br />
.ILUSTRAÇÃO.<br />
.ARTES DIGITAIS.<br />
.FOTOGRAFIA. FI<br />
.VÍDEO.<br />
.DANÇA.<br />
TEATRO<br />
.MÚSICA.<br />
.DESIGN DE EQUIPAMENTO.<br />
.DESIGN GRÁFICO.<br />
.JOALHARIA.<br />
.MODA.<br />
.LITERATURA.<br />
<br />
INSCRIÇÕES S ATÉ<br />
26 DE JULHO<br />
REGULAMENTOS EM<br />
ARTESIDEIAS.COM<br />
JUVENTUDE.GOV.PT<br />
mim, absoluto. Eu entro, absolutamente.<br />
Sou assim, é preciso que eu o<br />
sinta. Se não o sentir estou morta.<br />
No teatro há exposição mais<br />
próxima do real, porque existe<br />
todas as noites, enquanto no<br />
cinema é uma exposição mais<br />
distante, é isso?<br />
Não, é apenas diferente. Mas o processo<br />
para lá chegar é o mesmo.<br />
E no caso das canções?<br />
Eu não as canto em cena. Não consi<strong>de</strong>ro<br />
que tenha voz para cantar em<br />
cena. É algo muito íntimo, sou eu em<br />
frente a um microfone.<br />
Mas também é uma exposição.<br />
É uma exposição sim, mas que é à<br />
porta fechada, sou eu e três músicos<br />
num estúdio.<br />
Ao ouvirmos as canções,<br />
imaginamos que seja você,<br />
Charlotte, a expor-se?<br />
É um pouco isso, sim. É por isso que,<br />
neste momento, não faço questão <strong>de</strong><br />
as cantar em público. São para mim<br />
um diário. É uma experiência que não<br />
é para ser partilhada com os outros,<br />
nem é para os outros. Quando as pessoas<br />
me falam do disco, acabo por<br />
oferecê-lo, não tenho objectivos comerciais.<br />
Talvez um dia o coloque<br />
“online”. Mas é <strong>de</strong> uma outra or<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong> partilha este disco, é mais pessoal.<br />
Mas quem é que se expõe:<br />
a Charlotte Rampling ou a<br />
Charlotte?<br />
[risos] Good question, I have no<br />
answer for that!<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Julho 2010 • 31