Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Teatro/Dança<br />
NUNO OLIVEIRA<br />
As Danças Macabras eram uma forma popular <strong>de</strong> esconjurar o fim<br />
A morte<br />
<strong>de</strong> frente<br />
A encenadora Ana Zamora<br />
celebra a vida com as danças<br />
medievais criadas para<br />
esconjurar a morte. Ana<br />
Dias Cor<strong>de</strong>iro<br />
Dança da morte/Dança <strong>de</strong> la<br />
muerte<br />
Encenação <strong>de</strong> Ana Zamora.<br />
Com Luís Miguel Cintra, Sofia<br />
Marques, Elena Rayos, Eva Jornet,<br />
Juan Ramón Lara, Isabel Zamora<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro do Bairro Alto/Cornucópia.<br />
Sáb., 2ª e 3ª, às 21h30. Dom., 11, às 17h00.<br />
A relação do teatro com o rito<br />
interessa especialmente a Ana<br />
Zamora. A encenadora e fundadora<br />
da companhia in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
espanhola Nao d’Amores apresenta<br />
“Dança da Morte/Dança <strong>de</strong> la<br />
Muerte”, uma produção conjunta<br />
com o Teatro da Cornucópia, on<strong>de</strong> a<br />
peça está <strong>de</strong>s<strong>de</strong> terça-feira e até dia<br />
13 <strong>de</strong> Julho. É uma das estreias na<br />
edição do Festival <strong>de</strong> Almada e o<br />
título bilingue tem razão <strong>de</strong> ser.<br />
Explica-se pela cultura comum<br />
ibérica encontrada na simbologia da<br />
Ida<strong>de</strong> Média e do início do<br />
Renascimento à volta dos ritos da<br />
morte, explica a encenadora.<br />
Neste olhar <strong>de</strong> frente o absurdo da<br />
morte, Ana Zamora vai procurar,<br />
como em peças anteriores, o lado<br />
ancestral da teatralida<strong>de</strong> e recriar o<br />
espírito <strong>de</strong> uma época. Através do<br />
estudo e da investigação das<br />
reminiscências que ficaram nas<br />
expressões artísticas e populares<br />
<strong>de</strong>sse tempo, Zamora tenta<br />
“enten<strong>de</strong>r o espírito medieval e<br />
renascentista e recriar uma visão<br />
contemporânea”. Mas nunca com a<br />
intenção <strong>de</strong> reproduzir a sua<br />
estética.<br />
O resultado: “Um teatro<br />
puramente contemporâneo, <strong>de</strong> hoje<br />
e para o público <strong>de</strong> hoje”, acrescenta<br />
a encenadora. Mas certo é que os<br />
textos, as danças com coreografia <strong>de</strong><br />
Javier Garcia Ávila e a música tocada<br />
com réplicas <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong><br />
época (viola <strong>de</strong> gamba, fídula, mas<br />
também flauta, órgão e percussão)<br />
transportam o espectador para esse<br />
universo.<br />
Os textos <strong>de</strong> Gil Vicente e <strong>de</strong><br />
anónimos do século XV e XVI,<br />
associados ao texto castelhano<br />
“Dança General <strong>de</strong> la Muerte”<br />
(século XV) são interpretados em<br />
castelhano antigo e um pouco em<br />
português antigo.<br />
Todos — <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o mais po<strong>de</strong>roso,<br />
como o rei ou o Papa, ao<br />
representante mais humil<strong>de</strong> do povo<br />
— passam por ela, a morte, aqui<br />
personificada por uma só figura, o<br />
actor Luís Miguel Cintra. E encaramna,<br />
não como um problema pessoal,<br />
mas “como um eixo da<br />
humanida<strong>de</strong>”, diz Zamora. “Há um<br />
entendimento da morte como uma<br />
aceitação espiritual global.”<br />
Não há aceitação da morte; há<br />
celebração da vida. “É uma dança da<br />
morte mas também é, na verda<strong>de</strong>,<br />
uma dança da vida”, continua.<br />
A todos, se dirige a morte: “A<br />
vossa vida é sonhar / Que a morte é<br />
<strong>de</strong>spertar / Para nunca mais dormir<br />
e acordar.”<br />
As Danças Macabras eram uma<br />
forma popular <strong>de</strong> esconjurar o fim, o<br />
ciclo da vida. Assumiram uma<br />
expressão literária e plástica, na<br />
música, na dança, no folclore,<br />
sobretudo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1347, quando a<br />
peste se instalou na Europa e, em<br />
dois anos, dizimou um terço da<br />
população. Havia dança um pouco<br />
por todo o continente europeu, mas<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
na Península Ibérica tinham “um<br />
carácter específico e diferente” pelas<br />
“influências muçulmanas e judaicas”.<br />
Na peça, que regressa ao palco da<br />
Cornucópia (entre 30 <strong>de</strong> Setembro a<br />
17 <strong>de</strong> Outubro), <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />
passagem pelos festivais <strong>de</strong> teatro<br />
clássico <strong>de</strong> Almagro e <strong>de</strong> Olmedo,<br />
em Espanha, participam intérpretes<br />
<strong>de</strong> ambas as companhias (Luís<br />
Miguel Cintra, Sofia Marques, Elena<br />
Rayos, Eva Jornet, Juan Ramón Lara,<br />
Isabel Zamora). Alguns músicos são,<br />
ao mesmo tempo, actores. Todos, a<br />
dado momento, entram na dança ou<br />
no rito. O palco recria um espaço<br />
litúrgico, com a assistência disposta<br />
em bancos corridos como se <strong>de</strong> um<br />
coro <strong>de</strong> uma catedral se tratasse.<br />
Sobre o chão axadrezado — como o<br />
da Catedral <strong>de</strong> Segóvia —<br />
<strong>de</strong>senrolam-se os ritos populares e<br />
as danças históricas. Ainda hoje se<br />
faz a dança em cruz na Catalunha<br />
(Quinta-Feira Santa), numa das<br />
últimas reminiscências do que<br />
po<strong>de</strong>m ter sido as Danças da Morte<br />
na Europa.<br />
Este Portugal<br />
está nos cuidados<br />
intensivos<br />
O Dia <strong>de</strong> Todos os Pescadores<br />
De Francisco Luís Parreira.<br />
Co-produção Assédio e TNSJ.<br />
Encenação <strong>de</strong> João Cardoso. Com<br />
João Cardoso, Jorge Mota, Micaela<br />
Cardoso, Pedro Frias, Rosa Quiroga.<br />
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. das Oliveiras, 43. De<br />
15 a 31/07. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. 10€ a 15€.<br />
Num dia <strong>de</strong> eleições, Clara <strong>de</strong>siste<br />
do suicídio e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ir votar. Movida<br />
por uma espécie <strong>de</strong> epifania matinal,<br />
vai visitar o ex-marido moribundo,<br />
Edmundo, internado nos cuidados<br />
intensivos <strong>de</strong> um hospital. É este<br />
ex-marido — agonizante mas capaz<br />
<strong>de</strong> maldizer tudo e todos — que veste<br />
a pele <strong>de</strong> um país inteiro em “O Dia<br />
<strong>de</strong> Todos os Pescadores”, que estreia<br />
no Teatro Carlos Alberto a 15 <strong>de</strong><br />
Julho.<br />
Edmundo, personagem<br />
interpretada pelo próprio<br />
encenador, João Cardoso, está numa<br />
cama articulada <strong>de</strong> hospital,<br />
acompanhado por uma enfermeira<br />
e, num momento fulcral da peça,<br />
pela ex-mulher. Clara tinha vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ver o ex-marido porque, na sala<br />
<strong>de</strong> voto <strong>de</strong> uma escola qualquer,<br />
ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> pessoas e sons,<br />
reencontra o sentido do ser<br />
português e quer partilhá-lo com<br />
Edmundo, no único espaço <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>nção que o texto permite.<br />
Edmundo que é, na verda<strong>de</strong>,<br />
Portugal, há muito <strong>de</strong>sistiu dos<br />
sonhos. Sozinho no quarto asséptico<br />
e <strong>de</strong>vidamente apetrechado <strong>de</strong><br />
materiais hospitalares, faz<br />
comentários corrosivos e<br />
apreciações sarcásticas da realida<strong>de</strong>.<br />
Divorciado há seis anos, não<br />
consegue apoiar-se nas experiências<br />
felizes que viveu durante o<br />
casamento com Clara.<br />
“O Dia...” é, segundo Rosa<br />
Quiroga, a actriz que dá corpo a<br />
Clara, uma “história nossa”,<br />
importante no “parco panorama da<br />
dramaturgia portuguesa”,<br />
acrescenta João Cardoso, para quem<br />
foi um “privilégio” po<strong>de</strong>r contar<br />
com o autor — o poeta e dramaturgo<br />
Francisco Luís Parreira — em todo o<br />
processo <strong>de</strong> criação.<br />
A colaboração do dramaturgo com<br />
a Assédio começou há cinco anos,<br />
quando o autor traduziu Ossário, um<br />
texto <strong>de</strong> Mark O’Rowe. Des<strong>de</strong> aí que a<br />
cumplicida<strong>de</strong> entre o elenco da<br />
companhia e o dramaturgo foi<br />
crescendo, razão pela qual João<br />
Cardoso consi<strong>de</strong>ra ter sido possível<br />
esta “espécie <strong>de</strong> encomenda” que<br />
teve em consi<strong>de</strong>ração os actores que<br />
por norma trabalham nesta formação<br />
teatral. “O Dia <strong>de</strong> Todos os<br />
Pescadores” marca o regresso da<br />
Assédio às comédias, cruzando,<br />
garante Rosa Quiroga, os registos<br />
PAULO RICCA<br />
“O Dia <strong>de</strong> Todos os<br />
Pescadores” marca o<br />
regresso da Assédio às<br />
comédias<br />
52 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon