Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“Child Waving”<br />
(Criança a<br />
acenar), <strong>de</strong> 2010<br />
“The Mother”<br />
(A mãe), <strong>de</strong><br />
2009<br />
Pormenor da<br />
série<br />
“Blindfol<strong>de</strong>d”<br />
(Vendados),<br />
<strong>de</strong> 2002,<br />
durante a<br />
montagem <strong>de</strong><br />
“Contra o<br />
Muro”, em<br />
Serralves<br />
tureza-morta, tema que durante décadas<br />
<strong>Dumas</strong> se recusou a trabalhar.<br />
A segunda é a obra, com as suas preocupações,<br />
<strong>de</strong>sencontros e progressos,<br />
numa aventura individual que é<br />
também a aventura <strong>de</strong> toda a arte<br />
contemporânea atenta à realida<strong>de</strong>.<br />
Representar o muro<br />
A representação do mundo pela pintura,<br />
ou a pintura como forma <strong>de</strong><br />
representar o mundo: comece-se por<br />
aqui. Porquê Israel e a Palestina?<br />
“E porque não? Não sou historiadora<br />
ou política, mas penso que na<br />
nossa socieda<strong>de</strong> global continua a ser<br />
um drama muito importante, indissociável<br />
até <strong>de</strong> outros mais traumáticos<br />
como a II Guerra Mundial ou o<br />
Holocausto. Em 2010 ainda testemunhamos<br />
muitas coisas relacionadas<br />
com o que se vive no Médio Oriente.<br />
Não acho <strong>de</strong>spropositado trazer o<br />
tema para a minha pintura.”<br />
Foi a partir <strong>de</strong> 1976 que a artista,<br />
já a viver na Europa, vinda da África<br />
do Sul, <strong>de</strong>scobriu as raízes europeias<br />
do conflito. Na verda<strong>de</strong>, o assunto<br />
tinha aflorado na série “Man Kind”<br />
(2002-2006), inspirada em fotografias<br />
<strong>de</strong> corpos e rostos muçulmanos<br />
– a série está em Serralves. Em “Contra<br />
o Muro”, porém, estamos diante<br />
<strong>de</strong> um cenário político mais explícito<br />
e <strong>de</strong> uma posição, assinalada pela<br />
representação do muro erigido por<br />
Israel (e <strong>de</strong> imagens da repressão<br />
exercida pelo exército israelita), que<br />
muitos interpretarão como pró-palestiniana.<br />
Por exemplo, o governo<br />
se<strong>de</strong>ado em Jerusalém, é um comprador<br />
improvável das pinturas “po-<br />
“Não sou uma<br />
historiadora ou<br />
política, mas penso<br />
que na nossa<br />
socieda<strong>de</strong> global<br />
[o conflito israelopalestiniano]<br />
continua a ser um<br />
drama muito<br />
importante”<br />
líticas” <strong>de</strong> <strong>Marlene</strong> <strong>Dumas</strong>. Ou<br />
não?<br />
“Não sei [risos]. Quando inaugurei<br />
a exposição em Nova Iorque ouvi<br />
críticas. Disseram-me que este não<br />
era o caminho. Que eu não estivera<br />
lá, não conhecia a realida<strong>de</strong>. Compreendo<br />
essa perspectiva, mas não<br />
a aceito. Vivi o ‘apartheid’ na África<br />
do Sul, mas, por ter lutado contra<br />
esse regime, não faço <strong>de</strong> todos os<br />
negros anjos e <strong>de</strong> todos os branco<br />
<strong>de</strong>mónios. O mesmo acontece aqui.<br />
Apenas quis representar um muro.<br />
Quando se vê o outro como inimigo,<br />
o efeito é <strong>de</strong>vastador. Não apenas a<br />
um nível político mas num plano<br />
mais existencial”.<br />
<strong>Marlene</strong> <strong>Dumas</strong> viveu e estudou<br />
na África do Sul até 1976, contornando<br />
como podia as limitações impostas<br />
pela censura, nomeadamente no<br />
meio estudantil britânico da Michaelis<br />
School of Fine Arts da University<br />
of Cape Town.<br />
“Foram anos formativos, muito<br />
importantes. Estávamos longe da<br />
socieda<strong>de</strong> e era fácil escapar aos censores.<br />
Víamos coisas proibidas no<br />
clube <strong>de</strong> cinema [da escola]. Filmes<br />
do [Ingmar] Bergman, do Godard,<br />
do Alain Resnais”.<br />
A relação com pintura era, entretanto,<br />
vivida <strong>de</strong> forma dolorosa, confusa.<br />
Mais natural parecia o afecto<br />
por certos fotógrafos: “Nessa altura<br />
não havia muitos pintores <strong>de</strong> que<br />
gostasse. Não conseguia gostar <strong>de</strong><br />
Rembrandt. Não me ajudava na minha<br />
arte, ao contrário da fotografia<br />
da Diane Arbus e do Richard Avedon<br />
com quem sentia partilhar sensibilida<strong>de</strong>s<br />
comuns e que me permitiam<br />
chegar à pintura <strong>de</strong> outra maneira.<br />
Da Arbus gostava da intensida<strong>de</strong>, o<br />
Avedon influenciou-me formalmente.<br />
Gostava dos seus fundos neutrais,<br />
sobretudos os das fotografias do pai<br />
antes <strong>de</strong> morrer. Tinha um distanciamento<br />
face aos retratados que me<br />
lembrava o Andy Warhol.”<br />
O <strong>de</strong>sejo da realida<strong>de</strong><br />
A relação <strong>de</strong> <strong>Marlene</strong> <strong>Dumas</strong> com a<br />
pintura iniciou-se assim por vias<br />
<strong>Marlene</strong><br />
<strong>Dumas</strong><br />
fotografada<br />
em Serralves<br />
em frente a<br />
“The Sleep of<br />
Reason”, <strong>de</strong><br />
2009, um<br />
auto-retrato<br />
da artista<br />
8 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon