Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Ao terceiro<br />
álbum,<br />
continua a<br />
haver uma<br />
atmosfera <strong>de</strong><br />
intimida<strong>de</strong>,<br />
mas as<br />
canções são<br />
mais<br />
enérgicas<br />
Há três anos, a norueguesa Hanne<br />
Hukkelberg foi responsável por um<br />
concerto inesquecível no Lux, em <strong>Lisboa</strong>.<br />
A sua música é complexa, pequenas<br />
sinfonias pop com jazz, electrónica<br />
e vários exotismos lá <strong>de</strong>ntro.<br />
Po<strong>de</strong>r-se-ia imaginar que na passagem<br />
para palco se iria per<strong>de</strong>r qualquer<br />
coisa <strong>de</strong> essencial, <strong>de</strong> tal maneira a<br />
sua música é habitada por <strong>de</strong>talhes.<br />
Mas não. Não só as proprieda<strong>de</strong>s se<br />
mantiveram intactas, como foram até<br />
apuradas.<br />
Nessa altura, a norueguesa tinha<br />
lançado dois álbuns, “Little Things”<br />
(2005) e “Rykestrasse 68” (2007). Des<strong>de</strong><br />
então criou mais uma obra, “Blood<br />
From Stone” (2009), e será sobre esta<br />
última que o concerto da próxima<br />
quarta-feira, no Teatro Maria Matos,<br />
em <strong>Lisboa</strong>, irá incidir. Se os dois primeiros<br />
registos eram constituídos por<br />
canções minuciosas, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> insinuação<br />
melódica, retocadas por instrumentos<br />
convencionais mas também<br />
por materiais sónicos menos<br />
convencionais (rodas <strong>de</strong> bicicleta, velhas<br />
máquinas <strong>de</strong> escrever, sinos, copos<br />
e outros apetrechos <strong>de</strong> cozinha),<br />
o novo álbum é diferente.<br />
“Está mais <strong>de</strong> acordo com aquilo<br />
que são as convenções da pop e do<br />
rock, embora também não seja exactamente<br />
isso”, ri-se ela, tentando explicar<br />
o que lhe ia na mente quando<br />
gravou o último álbum. “Estava saturada<br />
<strong>de</strong> fazer música com todos aqueles<br />
instrumentos estranhos que comecei<br />
por utilizar por acaso, e queria<br />
criar qualquer coisa mais convencional,<br />
mas sem esse peso <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> ser<br />
segundo a medida padrão. É um álbum<br />
rock, talvez. É um disco <strong>de</strong> grupo,<br />
mais pensado para ser exposto<br />
em palco.”<br />
A formação que vem tocar com ela<br />
reflecte-o. Há três anos pareciam um<br />
bando <strong>de</strong> saltimbancos multi-instrumentistas<br />
em palco. Agora, serão apenas<br />
três. Hanne canta e toca guitarra.<br />
Ivar Grv<strong>de</strong>land ocupa-se da guitarra,<br />
do baixo e dos “samplers”, enquanto<br />
Kenneth Kapstad estará na bateria e<br />
na percussão. “É mais confortável<br />
viajar apenas com dois músicos e é<br />
também, <strong>de</strong> alguma forma, mais <strong>de</strong>safiante.<br />
As canções dos dois primeiros<br />
álbuns eram muito exigentes ao<br />
nível dos pormenores. Estas são mais<br />
<strong>de</strong>scarnadas e mais inteligíveis na<br />
transposição para palco.”<br />
Nas canções dos dois primeiros álbuns<br />
havia uma voz esguia que se<br />
movia por entre um torvelinho <strong>de</strong><br />
pianadas, violinos, banjos, acor<strong>de</strong>ões,<br />
harpas e manipulação <strong>de</strong> sons concretos.<br />
No terceiro, existe uma i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> composição mais <strong>de</strong>finida. Continua<br />
a haver uma atmosfera <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>,<br />
mas as canções são mais enérgicas<br />
e musculadas. Até a sua forma<br />
<strong>de</strong> cantar está diferente. Menos introspectiva<br />
e sussurrada. Agora sobressai<br />
e é virada para o exterior. Há<br />
três anos, em entrevista, dizia-nos que<br />
preferia ser comparada aos Radiohead<br />
do que à islan<strong>de</strong>sa Björk, como<br />
acontece normalmente. O terceiro<br />
álbum veio dar-lhe razão.<br />
“Na preparação para este disco ouvi<br />
uma série <strong>de</strong> coisas dos anos 80,<br />
Cocteau Twins, Sonic Youth ou Pixies,<br />
que eram algumas das bandas que me<br />
marcaram quando fiz parte <strong>de</strong> bandas<br />
rock antes <strong>de</strong> enveredar por um percurso<br />
solo.” Para além da música,<br />
existe um ou outro elemento que teve<br />
influência na feitura <strong>de</strong> qualquer<br />
disco: lugares, cida<strong>de</strong>s, países. O primeiro<br />
álbum era marcado pela atmosfera<br />
<strong>de</strong> Oslo, “pelas longas viagens <strong>de</strong><br />
bicicleta” pela cida<strong>de</strong>. O segundo era<br />
uma alusão directa aos seis meses que<br />
habitou em Berlim. O terceiro foi concebido<br />
num dos recantos mais isolados<br />
da Noruega, na ilha <strong>de</strong> Senja, 300<br />
quilómetros a norte do círculo polar<br />
Há três anos dizia<br />
que preferia<br />
ser comparada aos<br />
Radiohead do que<br />
à islan<strong>de</strong>sa Björk.<br />
O novo álbum veio<br />
dar-lhe razão<br />
árctico, on<strong>de</strong> permaneceu durante<br />
sete meses.<br />
“Depois <strong>de</strong> ter composto um disco<br />
numa cida<strong>de</strong> tão vibrante como Berlim,<br />
e <strong>de</strong> viajar um pouco por todo o<br />
lado, tinha necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar num<br />
lugar sossegado. Talvez por isso, como<br />
reacção ao facto <strong>de</strong> estar num<br />
lugar tão tranquilo, o álbum acabou<br />
por adquirir uma forma mais enérgica<br />
do que pensava no início.”<br />
Agora está, outra vez, numa cida<strong>de</strong><br />
agitada. Vive há seis meses em Nova<br />
Iorque, mais exactamente em<br />
Brooklyn, o bairro on<strong>de</strong> parece viver<br />
toda a gente que é gente na música.<br />
Em gestação está um novo álbum.<br />
“Tem sido óptimo estar aqui, dar concertos,<br />
conhecer pessoas, mergulhar<br />
no ambiente, mas não vim para<br />
Brooklyn com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fazer qualquer<br />
coisa <strong>de</strong> específico. Aconteceu,<br />
apenas. O ambiente on<strong>de</strong> se cria é<br />
importante, mas o mais <strong>de</strong>terminante<br />
é aquilo que se quer, as pessoas<br />
com quem estamos, as possibilida<strong>de</strong>s<br />
e as ferramentas que se têm à mão.”<br />
O seu percurso tem sido feito <strong>de</strong><br />
aparentes contradições. Começou a<br />
cantar no coro da igreja, passou por<br />
bandas <strong>de</strong> metal, acabou a criar fantasias<br />
pop. O disco que vem apresentar<br />
a Portugal é mais pragmático que<br />
os anteriores, mas aquilo que lhe interessa<br />
é a criação <strong>de</strong> um universo<br />
encantado, inspirado em lugares reais.<br />
De preferência, sítios que preencham<br />
uma condição importante — on<strong>de</strong><br />
se possa circular à-vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> bicicleta.<br />
“Não posso viver sem isso.”<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos pág. 38 e segs.<br />
Música<br />
Os lugares <strong>de</strong><br />
Hanne Hukkelberg<br />
Oslo, Berlim, Ilha <strong>de</strong> Senja, Brooklyn. É esta a geografia íntima <strong>de</strong> Hanne Hukkelberg, a cantora<br />
norueguesa que cria fantasias pop a partir dos lugares on<strong>de</strong> habita. Quarta-feira é a vez <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong>. Vítor Belanciano<br />
24 • Sexta-feira 9 Julho 2010 • Ípsilon