Marlene Dumas - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Jos van Immerseel: a sua interpretação <strong>de</strong> Berlioz<br />
diverge das propostas com orquestras mo<strong>de</strong>rnas<br />
Clássica<br />
Radiografia<br />
da “Sinfonia<br />
Fantástica”<br />
A magia tímbrica dos<br />
instrumentos <strong>de</strong> época e o<br />
rigor <strong>de</strong> Van Immerseel e<br />
da Anima Eterna acentuam<br />
ainda mais as inovações <strong>de</strong><br />
Berlioz. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Berlioz<br />
Sinfonia Fantástica<br />
Anima Eterna Brugge<br />
Jos van Immerseel (direcção)<br />
Zig-Zag Territoires<br />
mmmmn<br />
Composta em<br />
1830, a “Sinfonia<br />
Fantástica”, <strong>de</strong><br />
Berlioz, é um<br />
exemplo<br />
revolucionário da<br />
arte da orquestração e um<br />
paradigma da música programática<br />
do Romantismo, mesmo se mais<br />
tar<strong>de</strong> o autor prescindiu do<br />
argumento que relatava a paixão<br />
obsessiva <strong>de</strong> um artista por uma<br />
jovem mulher (representada<br />
musicalmente por uma “i<strong>de</strong>ia fixa”<br />
que percorre toda a obra) e as suas<br />
alucinações motivados pelo ópio. As<br />
interpretações <strong>de</strong>sta obra em<br />
instrumentos <strong>de</strong> época não são<br />
inéditas, mas são escassas. Depois<br />
<strong>de</strong> Norrington, Gardiner e<br />
Minkowski, surgiu há pouco tempo a<br />
reveladora versão <strong>de</strong> Jos van<br />
Immerseel com a sua orquestra<br />
Anima Eterna. Conhecendo-se o<br />
perfil meticuloso do maestro belga,<br />
era previsível que o resultado fosse<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> rigor e se revestisse <strong>de</strong> um<br />
colorido e <strong>de</strong> uma transparência que<br />
diverge das propostas com<br />
orquestras mo<strong>de</strong>rnas, normalmente<br />
caracterizadas por uma massa<br />
sonora mais compacta. A direcção<br />
As composições <strong>de</strong> Pascal Dusapin têm sido<br />
dirigidas por Rostropovitch, Krivine, Simon Rattle<br />
ou Michel Plasson<br />
<strong>de</strong> Immerseel é <strong>de</strong> uma<br />
objectivida<strong>de</strong> quase anti-romântica,<br />
mas a obra nunca per<strong>de</strong> a sua força.<br />
Pelo contrário: a percepção <strong>de</strong> um<br />
tecido orquestral on<strong>de</strong> cada linha e<br />
pormenor se distinguem com<br />
enorme niti<strong>de</strong>z, assim como a<br />
sedução tímbrica — ouçam-se as<br />
ma<strong>de</strong>iras na “Cena nos Campos” ou<br />
os oficlei<strong>de</strong>s associados ao “Dies<br />
Irae” —, contribuem para tornar<br />
ainda mais evi<strong>de</strong>nte o carácter<br />
inovador da composição. No<br />
burlesco Sabbath das bruxas<br />
retratado no último andamento,<br />
Immerseel usa dois pianos Érard em<br />
lugar dos sinos, solução que teria<br />
sido seguida pelo próprio Berlioz<br />
nalgumas salas <strong>de</strong> concerto, e<br />
recorre à sugestiva técnica do “col<br />
legno” (as cordas são percutidas pela<br />
vara do arcos dos violinos) na<br />
evocação da grotesca dança dos<br />
esqueletos. É conhecida a atracção<br />
<strong>de</strong> Berlioz pelas orquestras <strong>de</strong><br />
dimensões megalómanas, mas<br />
Immerseel opta aqui por um efectivo<br />
médio (pouco mais <strong>de</strong> 60 músicos),<br />
apoiando-se no facto <strong>de</strong> o<br />
compositor ter ficado satisfeito com<br />
o resultado obtido com orquestras<br />
alemãs <strong>de</strong> 50 instrumentistas. É<br />
possível que esta opção se <strong>de</strong>va<br />
também a questões <strong>de</strong> economia,<br />
mas por outro lado vem ao encontro<br />
da estética habitual da Anima<br />
Eterna, caracterizada por uma<br />
clareza quase camarística que<br />
parece aspirar a obter uma<br />
radiografia da estrutura interna da<br />
música. A “Sinfonia Fantástica” é<br />
complementada por uma versão<br />
igualmente <strong>de</strong>purada da abertura “O<br />
Carnaval Romano”.<br />
Uma odisseia<br />
orquestral<br />
Pascal Dusapin<br />
7 Solos pour orchestre<br />
Orchestre Philharmonique <strong>de</strong> Liège<br />
Wallonie Bruxelles<br />
Pascal Rophé (direcção)<br />
Naive, 2 CD<br />
mmmmn<br />
Pascal Dusapin<br />
(França, 1955) é um<br />
dos mais <strong>de</strong>stacados<br />
compositores da<br />
actualida<strong>de</strong>, senhor<br />
<strong>de</strong> um extenso<br />
catálogo <strong>de</strong> obras, tocadas<br />
regularmente por prestigiados<br />
agrupamentos em todo o mundo, as<br />
quais se encontram, em gran<strong>de</strong><br />
parte, gravadas pela editora Naïve.<br />
Sendo indiscutível o seu sucesso no<br />
domínio da ópera e no da música<br />
concertante, Dusapin tem um<br />
inquestionável domínio da escrita<br />
orquestral, na qual <strong>de</strong>monstra a sua<br />
“verve” melódica e o largo espectro<br />
<strong>de</strong> influências no seu trabalho.<br />
Os “7 Solos para orquestra”<br />
resultam <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> obras<br />
escritas entre 1991 e 2008. Aquando<br />
das suas respectivas estreias, foram<br />
dirigidos por maestros da craveira<br />
<strong>de</strong> Rostropovitch, Krivine, Simon<br />
Rattle ou Michel Plasson, facto que<br />
atesta o reconhecimento<br />
internacional do compositor. Desta<br />
vez, foram todos gravados pela<br />
mesma orquestra, sob a direcção <strong>de</strong><br />
Pascal Rophé, maestro muito<br />
associado a Dusapin.<br />
No seu percurso <strong>de</strong> 18 anos, fica<br />
<strong>de</strong>monstrado um cunho pessoal <strong>de</strong><br />
escrita extremamente consistente e<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> dramatismo. Sendo a<br />
origem das peças autónoma, mesmo<br />
se primordialmente consi<strong>de</strong>radas<br />
como parte <strong>de</strong> um conjunto maior, a<br />
sua audição na íntegra parte <strong>de</strong> um<br />
pressuposto legítimo mas<br />
extremamente ambicioso. É que as<br />
suas relações harmónicas e<br />
motívicas, ou a exploração <strong>de</strong> certos<br />
efeitos aparentados, po<strong>de</strong> tornar a<br />
experiência confusa ou cansativa,<br />
mesmo tendo em conta que umas<br />
obras são mais “harmónicas”, outras<br />
mais “melódicas” ou, ainda, que<br />
exploram atmosferas mais estáticas<br />
ou contrastantes. A direcção <strong>de</strong><br />
Pascal Rophé é atenta aos <strong>de</strong>talhes e<br />
perfeita no domínio das atmosferas,<br />
<strong>de</strong>ixando, contudo, a sensação <strong>de</strong><br />
ainda haver espaço para uma maior<br />
beleza no potencial das partituras <strong>de</strong><br />
Dusapin.<br />
Jazz<br />
Somos todos<br />
bicaenses<br />
O novo projecto <strong>de</strong> Carlos<br />
Bica supera as expectativas.<br />
Nuno Catarino<br />
Carlos Bica<br />
Matéria Prima<br />
Clean Feed<br />
mmmmn<br />
Carlos Bica<br />
andava<br />
satisfeito com o<br />
seu trio<br />
Azul,<br />
uma<br />
parceria com Jim<br />
Black e Frank<br />
Möbus, mas<br />
resolveu avançar ançar<br />
para um projecto<br />
alternativo.<br />
Juntou o<br />
bateristarevelação<br />
João<br />
Lobo, o<br />
experiente<br />
guitarrista<br />
Mário Delgado<br />
e o brilhante<br />
pianista João o<br />
Paulo<br />
(parceria<br />
reforçada<br />
com o<br />
disco<br />
“White Works”). Convidou ainda o<br />
jovem trompetista alemão Matthias<br />
Schriefl, para acrescentar dinâmica.<br />
Neste disco gravado ao vivo, o<br />
quinteto trabalha alguns temas do<br />
repertório <strong>de</strong> Bica, mas não só. Para<br />
além <strong>de</strong> reinventar temas antigos<br />
como “Believer”, “Iceland” ou<br />
“Roses for you” (entre outros),<br />
inclui ainda inesperadas versões:<br />
“For Malena”, <strong>de</strong> Marc Ribot, ou o<br />
tema principal do filme “Paris,<br />
Texas”, <strong>de</strong> Ry Coo<strong>de</strong>r. É inevitável<br />
fazer a comparação <strong>de</strong>sta música<br />
com o trio Azul, mas este projecto<br />
consegue surpreen<strong>de</strong>r: a guitarra <strong>de</strong><br />
Delgado faz esquecer a frieza <strong>de</strong><br />
Frank Möbus; João Lobo não será<br />
Jim Black, mas aguenta o ritmo<br />
sempre com segurança; o piano (e o<br />
pontual acor<strong>de</strong>ão) <strong>de</strong> João Paulo<br />
acrescenta novas cores; o trompete<br />
<strong>de</strong> Schriefl brilha quando solicitado;<br />
e Bica continua o irrepreensível<br />
mestre do contrabaixo, versátil,<br />
criativo. Nada a apontar às<br />
composições (apenas a ausência <strong>de</strong><br />
novida<strong>de</strong>s), mas o mais importante é<br />
ver o modo como são<br />
transformadas: cada canção é<br />
investida com uma intensa energia,<br />
todos os músicos revelam um<br />
impecável acerto e cada tema vai<br />
ganhando asas à medida que é<br />
<strong>de</strong>senvolvido, e a força das melodias<br />
(tão açucaradas que nos conquistam<br />
com facilida<strong>de</strong>) vão sendo<br />
reforçadas pelos arabescos<br />
individuais. Vivendo entre a<br />
sofisticação e o “kitsch”, a música<br />
balança mesmo até à fronteira do<br />
piroso, mas é tudo sabiamente<br />
controlado o pelo lí<strong>de</strong>r contrabaixista.<br />
Este disco não é (só) jazz,<br />
esbate fronteiras <strong>de</strong><br />
estilo: é pop, é rock, é<br />
afro-cubana, é<br />
latina, tanta coisa<br />
ao mesmo tempo.<br />
Bica tem aqui um<br />
gran<strong>de</strong> disco, muito<br />
bem <strong>de</strong>senhado,<br />
muito bem<br />
executado, muito<br />
acessível.<br />
O novo projecto <strong>de</strong> Carlos Bica<br />
consegue surpreen<strong>de</strong>r<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Julho 2010 • 37