25de abril1974 - 2014“Foi um período de esperançae expectativa”Eu estava em Lisboa um mês antes do golpe. Quando regressei a Nova Iorqueera uma das poucas pessoas que podia explicar o que tinha acontecido e porquê.POR SARA PINAKenneth Maxwell é um dos grandes historiadoresbritânicos que estudou Portugale o Brasil. Foi professor em Harvard edirigiu o centro de estudos portuguesesda Universidade de Columbia. Esteverecentemente em Lisboa a propósito dos40 anos do 25 de Abril e lembra, nestaentrevista, histórias da revolução portuguesaque são, também, histórias do rumoque a sua vida teve: Vivendo nos EUA massempre atento ao nosso país.[Paralelo] Em termos gerais é considerado que asrevoluções frequentemente originam regimes não--democráticos, raramente conduzindo a democracias.A revolução do 25 de Abril foi diferente? Como?[Kenneth Maxwell] É verdade que a maiorparte das revoluções conduzem aresultados não democráticos. Pelo menosa curto prazo. Mas é importante lembrarque a Revolução dos Cravos começou comum golpe militar que derrubou umregime civil não-democrático muito longo.O maior objectivo dos oficiais mais novosque lideraram o golpe foi acabar com aguerra colonial em África, (Guiné-Bissau,Moçambique e Angola).O golpe português do 25 de Abril de1974 e o seu original sucesso atingidomuito rapidamente deixou as pessoas queestavam de fora completamente surpreendidas.Os observadores estrangeiros demorarambastante tempo a compreenderquem eram os actores no drama português.Acresce que o golpe português desenrolou-senum ambiente internacional complicado.A Guerra Fria era muita intensa nosmeados nos anos 70. Os soviéticos estavama recuar no Egipto. A Guerra no Vietnameestava a chegar a um fim vergonhoso, coma queda de Saigão e a vitória de Ho ChiMin. Os Estados Unidos enfrentavam oescândalo Watergate. A demissão do presidenteNixon teria lugar pouco depois.Henry Kissinger era um elemento-chave20Kenneth Maxwell junto ao rio Tejo numa visita que a mãe, a irmã e uma amiga lhe fizeramquando viveu em Lisboa, em 1964.com Nixon e seria ainda mais poderosocom o sucessor de Nixon, Gerald Ford.Portugal tinha um papel estranho emtodos estes conflitos. Durante a guerra deYom Kippur, os Estados Unidos diligenciaramjunto de Marcelo Caetano quetinha pedido um adiamento ao uso dabase das Lajes, nos Açores, pela forçaaérea americana, para que os americanosreabastecessem os israelitas. Mais tarde,em compensação, os Estados Unidos prometeram– clandestinamente por causado embargo de armas a Portugal – fornecermísseis red eye para Portugal usar naGuiné -Bissau.O Partido Comunista Português tambémteve um papel importante depois do 25de Abril. O PCP tinha sido fundado em1921 e liderado desde 1934 por ÁlvaroCunhal. Era um partido leal à UniãoSoviética e constante opositor à ditaduraportuguesa. O PCP estava bem organizadoe estabelecido em Portugal.Os novos partidos políticos democráticosem Portugal tiveram que se organizar eencontrar os seus militantes depois dogolpe. Até o Partido Socialista, com umlíder conhecido internacionalmente, MárioSoares, e uma longa tradição de oposiçãodemocrática ao regime de Salazar eCaetano, tinha acabado de ser fundado naAlemanha ocidental. Os partidos do centroe de direita no espectro político eramcompletamente novos.Portanto deram-se dois processos em1974 e 1975, em Portugal: O primeiro emais importante deve-se ao papel dos militares,embora a liderança militar estivesseParalelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014D.R.
25de abril1974 - 2014dividida quanto à velocidade da descolonizaçãoe os eventos em África fossemmuito mais rápidos do que Lisboa conseguiacontrolar. Os movimentos de libertaçãode África conheciam, melhor queninguém, os actores da revolução portuguesae estavam preparados para usar essescontactos em seu benefício.O segundo processo foi o aparecimentode partidos políticos. O evento-chave foi aAssembleia Constituinte, em Abril de 1975,que foi eleita numa adesão às urnas de 90%da população. Pela primeira vez emergia obalanço das forças políticas no País.[P] A revolução teve algum impacto na qualidadeda democracia? E gerou alguns legados quepodem de alguma maneira ajudar ou prejudicarna gestão da crise actual?[KM] Sem dúvida a revolução aprofundou ademocracia portuguesa. A mobilização daspessoas de todos os espectros políticos foidecisiva para os resultados em Portugal. Éimportante lembrar que estas lutas militarese políticas ocorreram no contexto do cenáriode mudança de regime. Houve invasõesde edifícios, apartamentos, terras. Enormesgrupos de pessoas ocupavam as ruas. Depoisde 1975 muitos portugueses que não foramconsiderados suficientemente revolucionários,que eram donos de propriedades oude fábricas, ou que eram associados com oantigo regime foram forçados ao exílio.O sentimento da população supermobilizadanão podia ser ignorado.Nos finais dos anos 70 a autoridade doEstado foi lentamente recuperada. O papeldo povo consequentemente diminui. Mas aforma como a autoridade estadual foi recuperadacriou novos problemas. Uma novaclasse política emergiu e continua na suamaioria no poder, quarenta anos mais tarde.[P] Qual foi a sua experiência durante a revoluçãoem Portugal? Que avaliação fazia do que seestava a passar?[KM] Eu comecei por viver em Portugalna primeira metade de 1964. Tinha-megraduado na Universidade de Cambridge.Não tinha estudado Portugal, nem conheciaa linguagem, nem sabia bem o quequeria fazer após a licenciatura. E decidipassar um ano a aprender línguas. Vimpara Lisboa e para Madrid. Foi enquantoestava em Lisboa que fui aceite no doutoramentona Universidade de Princeton.Aprendi a falar português em Lisboa efiquei fascinado com a história dePortugal, especialmente o século XVIII (emLisboa vivia perto da estátua do Marquêsde Pombal).Em Princeton estudei como professor Stanley Steinque era um dos principaisespecialistas na história doBrasil. Voltei a Lisboa parafazer investigação para aminha tese, em 1968, sobreo século XVIII em Portugale no Brasil e voltei mais seismeses em 1972.Portanto tinha uma relaçãopróxima com Portugal antesdo golpe de 1974. Tinhabons amigos dos meus temposde estudante. Em 1974estava no Instituto paraEstudos Avançados emPrinceton quando o livro dogeneral Spínola, Portugal e oFuturo foi publicado e penseique estaria para aconteceralgo de muito importante.Convenci a New York Review ofBooks que devia patrocinar aminha ida a Lisboa para vercom os meus próprios olhoso que se estava a passar eescrever sobre Portugal.Assim foi.Eu estava em Lisboa um mês antes dogolpe. Quando regressei a Nova Iorqueera uma das poucas pessoas que podiaexplicar o que tinha acontecido e porquê.O meu primeiro artigo na New York Reviewof Books foi chamado “Neat Revolution”.Voltei em Janeiro de 1975 para escrevervários outros artigos.No Verão de 1975 havia muitos outrosjornalistas estrangeiros em Lisboa, muitosentusiastas da revolução. Alguns escreveramvários livros bons mais tarde. Eu tinhaamigos que faziam parte das milícias epude perceber como estava a ser feito odesmantelamento dos arquivos da PIDE emJaneiro de 1975, por exemplo. Tambémacompanhei as manifestações de rua.Lembro-me da boa disposição que tinham.Certo dia houve uma manifestação emfrente ao Ministério do Trabalho, estava achover torrencialmente. Os manifestantesestavam a gritar contra a CIA mas convidaram-mepara me abrigar debaixo dosseus guarda-chuvas.[P] Qual foi o impacto da revolução portuguesana sua carreira?[KM] Bem, trouxe-me muitas vezes aPortugal. O meu primeiro livro Conflicts andConspiracies: Brazil and Portugal 1750-1808 foipublicado pela Cambridge University Pressem 1973. Tinha começado um estudo sobreMaxwell publicou vários livros sobre Portugal.Aqui no seu gabinete na Universidade de Harvard.‘ O golpe português do 25 de Abrilde 1974 e o seu original sucessoatingido muito rapidamente deixouas pessoas que estavam de foracompletamente surpreendidas.’Kenneth Maxwellas Revoluções Atlânticas no fim do séculoXVIII, especialmente o impacto da revoluçãohaitiana mas acabei por escrever um livrosobre a Revolução Portuguesa: The Makingof Portuguese Democracy. Também escrevi umlivro sobre o Marquês de Pombal. NaUniversidade de Columbia em Nova Iorquefundei e dirigi por muitos anos o CentroCamões para os Países de Língua Portuguesa.A Donzelina Barroso que agora trabalhapara a Rockefeller Trusts trabalhou comigo.Organizámos uma série de conferências emPortugal ao longo dos anos e publicámoso Camões Centre Quarterly que a Donzelinadirigia. Eu, também, publiquei váriosoutros livros sobre Portugal.Neste momento estou a preparar umnovo livro sobre o impacto do terramotode 1755 e a reconstrução de Lisboa, portantonão me afastei muito de Pombal.Acho que a revolução portuguesa teveoutro impacto frutuoso na minha vida. Nãopude regressar ao Brasil antes de 1977.Portanto perdi os piores anos da ditadurabrasileira e das da Argentina e do Chile.Portugal e a Europa do Sul eram uma históriamuito positiva no fim dos anos 70.Portugal, Espanha e Grécia emergiram todos(especialmente Portugal e Espanha) de décadasde ditadura e isolamento. Foi um períodode esperança e expectativa, ao contráriodo que aconteceu na América Latina.Paralelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014 21D.R.