ECONOMIA44Alguns autores referem que a redução do custoassociado à burocracia e regulação pode significarcerca de 80% dos ganhos totais com a liberalizaçãodo comércio internacional.Aqui, a experiência europeia com a definição destandards comuns, transversais aos Estados-membros,pode ser decisiva para o sucesso do mercado emformação.Na verdade, a definição de standards operada anível europeu – supra-nacional – tem permitidosolucionar eventuais conflitos entre Estados.Veja-se, a este propósito, a exigência de neutralidadeassociada à definição de especificações técnicasno contexto das directivas sobre contrataçãopública.Este exemplo pode ser aplicado, na prática, naindústria automóvel.Todos conhecemos os níveis de segurança exigidosaos fabricantes de automóveis quer nos EUA querna UE.Se, no final, os padrões de segurança são equivalentes,certo é que os standards não são comuns.‘ Os contratos públicos equivalem,na União Europeia, a cerca de 20% do PIBe são responsáveis por cerca de 31 milhõesde empregos.’Há aqui, por conseguinte, um caminho a percorrer.É certo que se tem procurado derrubar os obstáculosnão-pautais existentes ao comércio internacionalquer pela actuação de organizaçõesinternacionais, como a Organização Mundial doComércio – através de acordos multilaterais comoo GATS ou o TRIPS ou de acordos plurilaterais comoo Acordo sobre Contratos Públicos – quer atravésde acordos bilaterais celebrados directamente entreEstados ou entre a União Europeia e outrosEstados.É o que sucede, por exemplo, com diversosacordos bilaterais celebrados entre a UniãoEuropeia e países do leste da Europa ou do nortede África.A celebração de acordos bilaterais faz parte, aliás,da actual estratégia comercial da União Europeia.Tudo isto sem prejuízo de se considerar, comoreconheceu o Parlamento Europeu, que o desenvolvimentoe o reforço do sistema multilateral éum objectivo crucial. 2Na verdade, a conclusão de acordos bilateraisdeve concorrer para uma crescente harmonizaçãode padrões e uma mais ampla liberalização, quefavoreça o sistema de comércio multilateral.“A supressão de obstáculos não-pautais seráum tema central das negociações.”A supressão de obstáculos não-pautais será, consequentemente,um tema central das negociações.Em alguns casos pode até estar em causa a negociaçãode matérias simultaneamente abrangidas poracordos já celebrados pelos EUA e pela UniãoEuropeia.Vejamos, por exemplo, o caso dos contratospúblicos.Os contratos públicos equivalem, na União Europeia,a cerca de 20% do PIB e são responsáveis por cercade 31 milhões de empregos.Já existe um acordo sobre contratos públicos emvigor no contexto da OMC que, no entanto, é umacordo plurilateral, assinado, até ao momento, porapenas 43 Estados-membros da OMC, na sua esmagadoramaioria países desenvolvidos.Deste acordo fazem parte os EUA e a União Europeia.Porém, uma vez que se trata de um acordo degeometria variável – face ao conjunto de excepçõesque o mesmo faculta aos Estados outorgantes –tem-se verificado um efeito de encerramento dosmercados públicos nos EUA decorrente, nomeadamente,do Buy American Act – que implica a preferênciapor PME's americanas – da circunstância dealgumas das entidades adjudicantes mais relevantesnos EUA – como a Federal Aviation Agency – nãoestarem abrangidas por aquele acordo ou de 13dos 50 Estados norte-americanos não fazerem partedo âmbito do acordo.Consequentemente, apenas 32% (178bn) dos contratospúblicos nos EUA estão abertos a empresaseuropeias afectando, consequentemente, a possibilidadede empresas portuguesas ou da UniãoEuropeia actuarem no sector das obras públicas ounos chamados sectores especiais (utilities) no caso deentes públicos infra-estaduais.O acordo sobre contratos públicos da OMC tem ficado,por isso, aquém do pretendido procurando-se,através das negociações em curso, abrir efectivamenteos contratos públicos nos EUA a empresas europeiase vice-versa.Aqui importará assegurar o acesso de pequenas emédias empresas (PME's) a contratos públicos, algoque deve preocupar os negociadores e que está emlinha com os projectos recentes de novas directivasde contratação pública que visam promover a participaçãode PME's em contratos públicos.As negociações irão seguramente tropeçar noutrospontos sensíveis no contexto do comérciotransatlântico.Refiro-me, inter alia, aos seguintes aspectos emparticular:i) Os transportes aéreos e marítimos, conhecendoas restrições aos serviços de transportes marítimose de transportes aéreos que são propriedadede empresas europeias, nomeadamente noque diz respeito à propriedade estrangeira decompanhias aéreas e à reciprocidade na cabotagem,assim como ao controlo de carga marítima;ii) A liberalização dos serviços financeiros, sem aqual dificilmente se pode construir um verdadeiromercado livre ou um mercado interno.Paralelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014
ECONOMIA© EUROPEAN UNION, 2013Conversa entre Herman van Rompuy, à direita, e José Manuel Durão Barroso. Alguns consideram que estas negociaçõesserão "as negociações do século".Aqui, a União Europeia poderá contribuir coma recente experiência da União Bancária e dacentralização dos processos de supervisão prudencialdos grandes bancos no BCE como ensaiopara a criação de um regulador financeirocomum entre os EUA e a UE;iii) As indicações geográficas, como exemplo deprotecção necessária a dar aos direitos de propriedadeintelectual;iv) As questões relacionadas com a segurança alimentar,em que deve ser salvaguardado, no casoda UE, o princípio de precaução uma vez que,como reconheceu o Parlamento Europeu, “aspercepções sobre organismos geneticamente modificados(OGM), clonagem e saúde dos consumidores tendem a divergirentre os EUA e a UE” tendo sido historicamentediscutidas no seio da OMC;v) Os serviços culturais e audiovisuais, excluídosdas negociações, por decisão do ParlamentoEuropeu, considerando o receio de que o acordopusesse em risco a diversidade cultural elinguística da União.vi) A protecção dos dados pessoais, em que os pontosde vista americanos e europeus são diferentes,devendo aqui recordar-se o Acordo Geral sobreComércio de Serviços (GATS) e as normas deste,relativas à protecção de dados pessoais;vii) Os direitos dos trabalhadores;viii) Protecção ambiental;Em todas as questões analisadas há diferentespercepções entre os EUA e a União Europeia quefazem antever algumas dificuldades de negociação.“alguns consideram que estas serão as “negociações doséculo”.”“Todos estão conscientes que o aprofundamentodas relações bilaterais transatlânticas é indispensávelpara sairmos da crise económica erecolocar os EUA e a UE na liderança económicamundial, relançando o processo de liberalizaçãodo comércio mundial.”Talvez por isso alguns consideram que estas serãoas “negociações do século”.Porém, todos estão conscientes que o aprofundamentodas relações bilaterais transatlânticas éindispensável para sairmos da crise económica erecolocar os EUA e a UE na liderança económicamundial, relançando o processo de liberalizaçãodo comércio mundial.Trata-se de uma experiência singular.Alguém disse que os tempos de crise são temposde oportunidade.Caso este Tratado venha a ser aprovado tambémnós, Portugueses, teremos uma oportunidade deconquistar novos mercados que porventura pensávamosjá conquistados.Assim os saibamos aproveitar.* Doutor em Direito. Professor Auxiliar da Faculdade de Direito daUniversidade de Lisboa.O presente texto resulta da adaptação da intervenção efectuada no dia 8 deNovembro de 2013 na conferência realizada no Centro Cultural de Belém,organizada pelo Professor Vital Moreira, intitulada “O Tratado de Comércioe Investimento EU-EUA: uma perspectiva Luso-Americana”.1 Dados fornecidos pelo Center for Transatlantic Relations JohnsHopkins University.2 Cfr. Resolução sobre as negociações em matéria decomércio e investimentos entre a UE e os Estados Unidosda América.Paralelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014 45