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CARTA BRANCAD.R.Várias AméricasMARIA JOÃO AVILLEZHá muitas Américas na minha cabeça quando me falam dos EstadosUnidos. Comecei, corriam os anos setenta, por uma travessia deNorte a Sul, pela costa leste. De automóvel, com mochilas e duascrianças pela mão, a Verónica e o Pedro, meus filhos de 12 e 8anos e felizmente para todos nós, o pai delas! Desde as cataratasdo Niagara até à cosmopolita Miami, passando pela quase provincianacapital federal e pela efervescente Nova Iorque, com muitasparagens pelo meio, foi a aventura da descoberta: os parques, osmuseus, as Smoky Mountains, os diversos skyline de tirar a respiração...O espaço e a diversidade. Percebi que ia voltar porque era‘ A convite do Departamento de Estado – sorte minha– seguiu ‐se a vivência de um mosaico paradoxal evertiginoso feita em voo picado sobre estados, cidades,lugares, pessoas, histórias. [...] O mosaico é de talmodo diverso e permanente no seu carrocel de raças,credos, línguas, usos e costumes que os seus cinquentaestados e mais de trezentos milhões de habitantesnos surgem de imediato com a evidência de umcontinente mais do que com a verosimilhançade um país.’imperioso voltar. A convite do Departamento de Estado – sorteminha – seguiu-se a vivência de um mosaico paradoxal e vertiginosofeita em voo picado sobre estados, cidades, lugares, pessoas,histórias. Como um livro mágico que alguém fosse abrindo àminha frente catapultando-me para dentro de cada uma das suaspáginas. O mosaico é de tal modo diverso e permanente no seucarrocel de raças, credos, línguas, usos e costumes que os seuscinquenta estados e mais de trezentos milhões de habitantes nossurgem de imediato com a evidência de um continente mais doque com a verosimilhança de um país.Na minha cabeça, por tudo isto, uma só ideia nessa já longínquadécada de oitenta: estar à altura daquele quase demencial desafioque seria depois transformar as impressões em palavras para podercontar o que vira. Sem perder o fio à meada.Voltei a Washington, onde me falaram de Mário Soares, et pourcause: “Doctor Soares é muito nosso amigo! Mostrou-o bem quandoesteve no poder!”Foi no Departamento de Estado, estava-se em Abril de 1986,Soares acabava de ser eleito Presidente da República, os meusinterlocutores rejubilavam. E que delícia foi o mergulho nas conferênciasde imprensa de Larry Speaks, porta-voz de Reagan naCasa Branca: em mais parte nenhuma do mundo há igual. Nemna forma nem no conteúdo. Seguiram-semilhares de quilómetros enfeitados depasmo: a mítica Califórnia, onde mora SãoFrancisco tingida pela mesma luz de Lisboae também a inquietante Los Angeles que viunascer (em 1881) o Los Angeles Times, catedraldo jornalismo que pude visitar e questionar;a ruralidade desconcertante do Middle-West(“Europe...? Where?”); as maravilhas emestado quimicamente puro da arquitecturade Chicago, horas e horas de nariz no ar eolhar emocionado face às maravilhas; a festade Nova Orleães, o eco musicalmente perfeitodos concertos no Met e no LincoldCenter de Nova Iorque debruando dias deencontros, excitação e frenesim... A paisagemprodigiosa do Grand Canyon; a planura dePhoenix onde se abriga a mais avançada tecnologiaespacial do país; Atlanta, pátria dacnn e da Coca-Cola....Mas neste desorganizado mapa que amemória hoje me encena que dizer da amena e amável cidade deBoston, onde num ápice voltei cinco séculos atrás quando, numadas cem (!) bibliotecas da Universidade de Harvard, me mostraramuma edição de Os Lusíadas datada de 1572?Voltei uma e outra vez, voltei muitas vezes. Mas um dia, de umsegundo para o outro, com um agudo aperto no coração, apercebi-meque uma foto dos meus filhos, já desbotada pelo tempo,deixara derisoriamente de fazer sentido: tirada no World TradeCenter na Primavera de 1979, ficara brutalmente amputada doseu próprio cenário. Restavam os sorrisos da Verónica e do Pedroestampados agora numa ficção que antes fora glorioso ex-líbris.Sim, voltei. Mas essa América tinha desaparecido.Paralelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014 33

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