PORTUGAL/EUAFLAD apoia a tradução de obrasem português e em inglêsProgramas Alberto de Lacerdae Gregory Rabassa contribuempara divulgar autores portuguesesnos Estados Unidos e autoresamericanos em PortugalOs nomes de um grande poeta e de um reconhecido tradutor – Alberto de Lacerdae Gregory Rabassa – honram o programa de apoio à tradução patrocinado pela FLAD.O concurso é anual, abrange obras literárias, históricas, filosóficas ou ensaísticase podem candidatar-se tanto autores individuais como instituições e editoras.POR CARLA BAPTISTA*Teresa Alves, investigadora no Centrode Estudos Anglísticos da Universidadede Lisboa, especialista em EstudosAmericanos e um dos membros do júrideste concurso, salienta a importânciada iniciativa: “a FLAD já apoiava a traduçãode obras mas este concurso, por serregular, estar aberto a todos e procurarpôr as duas culturas a dialogarem umacom a outra, num espírito universalistae humanista, acrescenta uma dimensãonova”.Valoriza ainda o facto do concurso nãoestar circunscrito à literatura mas serigualmente aberto à divulgação de obrascientíficas ou ensaísticas. Além da qualidadeliterária e do rigor científico, oscritérios de selecção referem explicitamentea diversidade de géneros e a promoçãodo intercâmbio entre Portugal eos Estados Unidos como aspectos diferenciadoresdas candidaturas.As obras seleccionadas para apoio naúltima edição do programa AlbertoLacerda ilustram bem o espírito eclécticoe multidisciplinar que presidiu àsescolhas do júri: das 8 obras a concurso,foram seleccionadas 5, incluindoromances de luso-descendentes, como‘ Gregory Rabassadefende a tesede que a tradução éuma coisa impossível:“As pessoas esperamreprodução mas o melhorque podemos fazeré aproximação”.’Stealing Fátima, de Frank Gaspar; ensaiosque cruzam ciência e arte, como ScienceMatters: Humanities as Complex Systems, organizadopor Maria Burguete e Lui Lam;ou poesia, como um livro de textos inéditosatribuídos a um dos heterónimosde Fernando Pessoa, organizado porJerónimo Pizarro. Os tradutores destasobras são, respectivamente, Maria EmíliaMadureira, José Maria Ribeirinho eMargarida Vale de Gato.Entre outros, o Programa GregoryRabassa apoiou o livro A Piada Infinita, deDavid Foster Wallace, traduzido por LúciaPinho e Melo, uma obra imensa e labiríntica(1198 páginas), de grande complexidadesintáctica, lexical e semântica,o trabalho mais memorável do autorantes do seu suicídio em 2008, vítimade depressão, doença da qual sofria desdeos 26 anos de idade.Gregory Rabassa é uma figura incontornávelna história moderna da tradução.O primeiro livro que traduziu, a convitede um amigo editor que o conhecia daUniversidade de Columbia, onde se doutorou,ganhou em 1967 o National BookAward para Tradução. Era a novela Rayuela,escrita em 1963 pelo argentino JúlioCortázar (em Portugal, está editado pelaCavalo de Ferro com o título O Jogo doMundo – Rayuela; em inglês, o título dessaprimeira edição da Pantheon ficouHopscotch).Seguiram-se muitos outros livros deautores de língua espanhola e portuguesa,incluindo Jorge Amado, Machado deAssis, Clarice Lispector, Mário VargasLlosa e Gabriel García Marquez. Entre osescritores portugueses, traduziu AntónioLobo Antunes e Mário de Carvalho. Aos82 anos, escreveu o seu primeiro livro,34Paralelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014
PORTUGAL/EUAintitulado If This Be Treason: Translation and ItsDyscontents (não está editado em Portugal),um registo autobiográfico sobre o seuofício onde defende a tese de que a traduçãoé uma coisa impossível: “As pessoasesperam reprodução mas o melhorque podemos fazer é aproximação”.Alberto de Lacerda nasceu na ilha deMoçambique em 1928 e morreu emLondres, em 2007. O jornal britânicoThe Independent dedicou um obituário ao“aclamado poeta, artista e crítico” quepassava parte do seu tempo no café Picasso,na King’s Road, ou no Dino, perto da estaçãode metro de South Kensington, um homempequeno e nervoso com ar de vagabundo,deambulando de galeria de arte em cinema,carregando um saco de plástico cheiode livros e jornais e atravessando as ruassem olhar para os carros.Foi um dos mais brilhantes poetas dasua geração, amigo de Sophia de MelloBreyner, Jorge de Sena, António RamosRosa e Ruy Cinatti; um artista plásticoque chegou a expor trabalhos em colageme privava com os pintores amigos,como Vieira da Silva, Arpad e JorgeMartins (ambos o retrataram); um coleccionador,conhecedor e crítico eruditode literatura e pintura e um professor‘ A obra de Alberto de Lacerda “vive em permanenteconfronto com a tripla pulsão da melancolia,da liberdade e da iconoclastia”, expressa no seguinteverso: “O tigre que caminha nos meus gestos/Tem a graça insolente dos navios.”’Eduardo Pittainspirador de Poética na Universidade deAustin, brevemente em Nova Iorque edepois, durante 26 anos, na Universidadede Boston.Eduardo Pitta, seu amigo e admirador,escreveu no jornal Público, por ocasião dasua morte que, enquanto viveu nosEstados Unidos, “conviveu com os poetasMarianne Moore e Thom Gunn e com opintor David Hockney, frequentou ossofisticados círculos literários da costaLeste e, em 1969, tinha uma antologiasua publicada pela Universidade do Texas,Sellected Poems. Foi o primeiro e único autorde língua portuguesa a dar um recital dasua poesia na Biblioteca do Congresso,em Washington”.O mesmo sucedeu em Londres: foi ocrítico de arte John McEwen, com quemtinha combinado um almoço domingueiroque, estranhando a demora, acaboupor arrombar a porta de casa,descobrindo Alberto de Lacerda aindaem coma, vítima de ataque cardíaco, eum apartamento cuja indescritível desarrumaçãoe espólio (mais de mil inéditos,muitos ainda por editar) se tornou lendária.É ainda Eduardo Pitta quem, “simplificandomuito”, refere que a obra deAlberto de Lacerda “vive em permanenteconfronto com a tripla pulsão damelancolia, da liberdade e da iconoclastia”,expressa no seguinte verso: “O tigreque caminha nos meus gestos/Tem a graça insolentedos navios.”* Jornalista freelancerParalelo n. o 8 | INVERNO 2013/2014 35