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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

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essas ações estavam circunscritas à cenas cotidianas, próximas à gente vulgar, comuns<br />

aos indivíduos de classes “inferiores”.<br />

Um dos traços mais marcantes da Dramática é o fato de seu autor não “aparecer” na<br />

obra, confundindo-se muitas vezes com os personagens ou com o próprio texto. Isto, porém,<br />

incorre em algumas exigências a fi m de que o seu desenvolvimento ocorra de forma adequada,<br />

como, por exemplo, o recorte dado ao tema. Uma vez que não existe a intermediação do<br />

narrador que inicie um “desenrolar” de um enredo, faz-se necessário que a peça se inicie já<br />

dentro de um contexto, histórico. No Drama a ação se desenrola no presente, no “agora”,<br />

não havendo um narrador que a situe no tempo, nem que a faça tornar ao passado, muito<br />

menos ao futuro. O tempo da ação é sempre o presente, e o futuro desconhecido. A evocação<br />

do passado só pode ser realizada através dos diálogos travados pelos personagens, já que<br />

o tempo no Drama é linear e sucessivo, como na realidade.<br />

A ação dramática acontece agora e não aconteceu no passado, mesmo quando se<br />

trata de um drama histórico. Lessing, na sua Dramaturgia de Hamburgo (11o capítulo), diz<br />

com acerto que o dramaturgo não é um historiador; ele não relata o que se acredita haver<br />

acontecido, mas faz com que aconteça novamente perante os nossos olhos. Mesmo o<br />

novamente é demais. Pois a ação dramática, na sua expressão mais pura, se apresenta<br />

sempre “pela primeira vez”. Não é a representação secundária de algo primário. Origina-se,<br />

cada vez, em cada representação, “pela primeira vez”; não acontece “novamente” o que já<br />

aconteceu, mas, o que acontece, acontece agora, tem a sua origem agora; a ação é “original”,<br />

cada réplica nasce agora, não é citação ou variação de algo dito há muito tempo. 26<br />

Na ação dramática a catarse é gerada pela verossimilhança, cuja ocorrência se dá pelo<br />

funcionamento da peça, que, como um organismo, todas as partes interagem dinamicamente<br />

e são determinadas pelo todo. As funções de coro, prólogo e epílogo no contexto do drama<br />

se manifestam como uma intervenção do autor, no sentido que deslocam cenas e sugerem<br />

um mediador, insinuando uma função lírico-narrativa. Na ausência de um narrador, a ação se<br />

realiza pelo diálogo; Rosenfeld aponta para o fato que o diálogo constitui a Dramática como<br />

literatura e como teatro declamado (apartes e monólogos não afetam a situação essencialmente<br />

dialógica) 27 . Os diálogos representam a tensão suscitada pelo entrechoque de vontades que<br />

caracterizam o confl ito, afi rmando o seu caráter dialético como propulsor da afi rmação e réplica<br />

através dos choques de intenção. Caracterizando a função lingüística dos gêneros literários,<br />

Rosenfeld racionaliza que se o pronome da Lírica é o “eu”, e o do Épico, “ele”, o do Drama seria<br />

o “tu” ou “vós”. Portanto, a sua linguagem, preponderante, seria “apelativa”, diferentemente da<br />

expressiva e comunicativa da Lírica e da épica, respectivamente.<br />

Por não possuir um mediador que componha, descrevendo, seus personagens em seus<br />

aspectos físicos nem psicológicos, nem tampouco o ambiente que a peça se situa, o texto dramático<br />

necessita de um palco, ou local que o complete cenicamente. As representações visuais, as rubricas,<br />

a coreografi a, a música e a pantomima assumem as funções do narrador, situando a platéia acerca<br />

do contexto da peça e seus personagens. O paradoxo da literatura dramática é que ela não se<br />

contenta em ser literatura, já que, sendo “incompleta”, exige a complementação cênica.<br />

O teatro como representação, portanto, depende fortemente de um público presente,<br />

mesmo quando o ato de representar aparentemente não se dirija a ninguém presente. Na<br />

realidade, na maioria das vezes, a platéia inexiste para os personagens. Os atores sabem<br />

da existência do público, porém, desempenham os seus papéis como se ignorassem a<br />

platéia, porque estão metamorfoseados em seus personagens. É importante ressaltar que as<br />

observações aqui realizadas dizem respeito ao Drama “puro”, ou peças “fechadas”; quanto<br />

mais distante a obra dramática se situar da Dramática “pura”, mais se aproximarão do que<br />

chamamos de épica, ou lírica-épicas, ou “abertas”.<br />

26 - ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1985.p.31.<br />

27 - Op. Cit. p.34.<br />

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