10.03.2016 Views

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

experiência de alguém que é observado e muitas vezes desprovido de palavra. Subtraindose<br />

à ação narrada pelo conto, o narrador identifi ca-se com um segundo observador - o<br />

leitor. Ambos se encontram privados da exposição da própria experiência na fi cção e são<br />

observadores atentos da experiência alheia. Na pobreza da experiência de ambos se<br />

revela a importância do personagem na fi cção pós-moderna; narrador e leitor se defi nem<br />

como espectadores de uma ação alheia que os empolga, emociona, seduz etc.<br />

A maioria dos contos de Edilberto se recobrem e se enriquecem pelo enigma que cerca<br />

a compreensão do olhar humano na civilização moderna. Por que se olha? Para que se olha?<br />

Razão e fi nalidade do olhar lançado ao outro não se dão à primeira vista, porque se trata<br />

de um diálogo-em-literatura (isto é, expresso por palavra) que, paradoxalmente, fi ca aquém<br />

ou além das palavras. A fi cção existe para falar da incomunicabilidade de experiências: a<br />

experiência do narrador e a do personagem. A incomunicabilidade, no entanto, se recobre pelo<br />

tecido de uma relação, relação esta que se defi ne pelo olhar. Uma ponte, feita de palavras,<br />

envolve a experiência muda do olhar e torna possível a narrativa.<br />

No conto “Azeitona e vinho”, insiste o narrador: “Pablito não sabe que o estou observando,<br />

naquele grupo”. E ainda: “Não se lembrará de mim, mas talvez não tenha esquecido as coisas<br />

de que lhe falei.” Permanece a fi xidez imperturbável de um olhar que observa alguém, aquém<br />

ou além das palavras, no presente da bodega (de uma mesa observa-se a outra), ou no<br />

passado revivido pela lembrança (ainda o vejo, mas no passado).<br />

Não é importante a retribuição do olhar. Trata-se de um investimento feito pelo<br />

narrador em que ele não cobra lucro, apenas participação, pois o lucro está no próprio<br />

prazer que tem de olhar. Dou uma força, diz o narrador. Senti fi rmeza, retruca o<br />

personagem. Ambos mudos. Não há mais o jogo do “bom conselho” entre experientes,<br />

mas o da admiração do mais velho. A narrativa pode expressar uma “sabedoria”, mas<br />

esta não advém do narrador: é depreendida da ação daquele que é observado e não<br />

consegue mais narrar - o jovem. A sabedoria apresenta-se, pois, de modo invertido.<br />

Há uma desvalorização da ação em si.<br />

Eis nas suas linhas gerais a graça e o sortilégio da experiência do narrador que<br />

olha. O perigo no conto de EC não são as mordaças, mas as vendas. Como se o<br />

narrador exigisse: Dei¬xem-me olhar para que você, leitor, também possa ver.<br />

O olhar tematizado pelo narrador de “Azeitona e vinho” é um olhar de generosidade,<br />

de simpatia, amoroso até, que recobre o jovem Pablito, sem que o jovem se dê conta<br />

da dá¬diva que lhe está sendo oferecida. Mas, atenção!, o mais experiente não tem<br />

conselho a dar, e é por isso que não pode visar lucro com o investimento do olhar. Não<br />

deve cobrar, por assim dizer. Eis a razão para a briga entre Hemingway (observador e<br />

também homem da palavra) e o toureiro Dominguín (observado e homem da ação):<br />

Nessa época, Dominguín o chamava de Pai. Papá. Agora dizia que o velho andava<br />

zureta. Pai pirado. Poucos dias depois pude mostrar a Clara uma entrevista em que<br />

Dominguín contava: Eu era seu hóspede em Cuba. Vieram uns jornalistas à casa dele,<br />

para entrevistar-me. [...] Quando um jornalista quis saber se era verdade que eu procurava<br />

os conselhos [o grifo é nosso] do dono da casa, para melhorar a minha arte, compreendi<br />

bem como pudera ter surgido o despropositado boato, só de ver o rosto dele. Pensei em<br />

dar uma resposta diplomática, mas mudei de idéia e falei com toda a franqueza: Não creio,<br />

no ponto a que cheguei, precisar dos conselhos de ninguém em questão de tourada.<br />

(...) A vivência do mais experiente é de pouca valia. Primeira constatação: a ação<br />

pós-moderna é jovem, inexperiente, exclusiva e privada da palavra - por isso tudo é<br />

que não pode ser dada como sendo do narrador. Este observa uma ação que é ao<br />

mesmo tempo, incomodamente auto-sufi ciente. O jovem pode acertar errando ou errar<br />

acertando. De nada vale o paternalismo responsável no direcionamento da conduta. A<br />

49

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!