INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS
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prontos, pois destinam-se ao olhar, à consciência e à recriação dos leitores. Cada texto<br />
constitui uma proposta de signifi cação que não está inteiramente construída. A signifi cação<br />
se dá no jogo de olhares entre o texto e seu destinatário. Este último é um interlocutor<br />
ativo no processo de signifi cação, na medida em que participa do jogo intertextual tanto<br />
quanto o autor. A intertextualidade se dá tanto na produção como na recepção da grande<br />
rede cultural de que todos participam. Filmes que retomam fi lmes, quadros que dialogam<br />
com outros, propagandas que se utilizam do discurso artístico, poemas escritos com versos<br />
alheios, romances que se apropriam de formas musicais, tudo isso são textos em diálogo<br />
com outros textos: intertextualidade.<br />
É importante marcar a primazia de Bakhtin em relação a esses estudos, divulgados por Julia<br />
Kristeva. É dela o clássico conceito de intertextualidade: “(...) todo texto se constrói como mosaico de<br />
citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto.” (KRISTEVA, 1974, p. 64).<br />
Por isso mesmo, Antoine Compagnon chama a atenção para o fato de que “escrever,<br />
pois, é sempre reescrever, não difere de citar. A citação, graças à confusão metonímica a<br />
que preside, é leitura e escrita, une o ato de leitura ao de escrita. Ler ou escrever é realizar<br />
um ato de citação”. (COMPAGNON, 1996, p.31)<br />
A intertextualidade, inerente à linguagem, torna-se explícita em todas as produções<br />
literárias que se valem do recurso da apropriação, colocando em xeque a própria noção de<br />
autoria. Referências, alusões, epígrafes, paráfrases, paródias ou pastiches são algumas<br />
das formas de intertextualidade, de que lançam mão os escritores em seu diálogo com a<br />
tradição. Drummond retoma Gonçalves Dias. Adélia Prado retoma Drummond. Bandeira<br />
retoma outros poemas de sua própria autoria, Clarice idem. Um mesmo escritor pode<br />
reler-se, utilizando-se de textos que ele mesmo escreveu, o que resulta numa espécie de<br />
intratextualidade. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, retoma seu conhecido texto<br />
‘No meio do caminho’, para escrever ‘Consideração do poema’:<br />
Uma pedra no meio do caminho<br />
ou apenas um rastro, não importa.<br />
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,<br />
de toda a precisão se incorporaram<br />
Ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius<br />
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.<br />
Que Neruda me dê sua gravata<br />
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus Maiakóvski.<br />
(ANDRADE, 1978, p. 75)<br />
Embaralhando mais as fronteiras discursivas, a obra de Jorge Luiz Borges é exemplo<br />
de um discurso híbrido que associa o fi ccional e o teórico, evidenciando o papel da leitura na<br />
composição dos textos. Tomemos como exemplo o conto ‘Pierre Menard, autor do Quixote’,<br />
em que se propõe o nível máximo da apropriação: escrever, linha por linha, a obra alheia e,<br />
mesmo assim, criar uma obra nova:<br />
“Não queria compor outro Quixote – o que é fácil – mas o Quixote. Inútil<br />
acrescer que nunca visionou qualquer transcrição mecânica do original; não se<br />
propunha copiá-lo. Sua admirável ambição era produzir páginas que coincidissem<br />
– palavra por palavra e linha por linha – com as de Miguel de Cervantes.”<br />
(BORGES, 1995, p. 57)<br />
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