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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

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(...)<br />

A literatura pós-moderna existe para falar da pobreza da experiência,<br />

dissemos,<br />

mas também da pobreza da palavra escrita enquanto processo de comunicação.<br />

Trata, portanto, de um diálogo de surdos e mudos, já que o que realmente vale na<br />

relação a dois estabelecida pelo olhar é uma corrente de energia, vital (grifemos:<br />

vital), silenciosa, prazerosa e secreta.<br />

(...)<br />

De maneira sutil, Benjamin toma paralelo o embelezamento da narrativa clássica<br />

com outro embelezamento: o do homem no leito de morte. O mesmo movimento<br />

que descreve o desaparecimento gradual da narrativa clássica serve também para<br />

descrever a exclusão da morte do mundo dos vivos hoje. A partir do século XIX, informanos<br />

Benjamin, evita-se o espetáculo da morte. A exemplaridade que dá autoridade<br />

à narrativa clássica, traduzida pela sabedoria do conselho, encontra a sua imagem<br />

ideal no espetáculo da morte humana. “Ora, é no momento da morte que o saber e a<br />

sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que<br />

são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível.” A morte<br />

projeta um halo de autoridade – “a autoridade que mesmo um pobre-diabo possui ao<br />

morrer” – que está na origem da narrativa clássica.<br />

Morte e narrativa clássica cruzam caminho, abrindo espaço para uma concepção<br />

do devir humano em que a experiência da vida vivida é fechada em sua totalidade,<br />

e é por isso que é exemplar. À nova geração, aos ainda vivos, o exemplo global e<br />

imóvel da velha geração. Ao jovem, o modelo e a possibilidade da cópia morta. Um<br />

furioso iconoclasta oporia ao espetáculo da morte um grito lancinante da vida vivida no<br />

momento de viver. A exemplaridade do que é incompleto. O toureiro na arena sendo<br />

atingido pelo touro.<br />

Há – não tenhamos dúvida – espetáculo e espetáculo, continua o jovem iconoclasta.<br />

Há um olhar camufl ado na escrita sobre o narrador de Benjamin que merece ser revelado e<br />

que se assemelha ao olhar que estamos descrevendo, só que os movimentos dos olhares<br />

são inversos. O olhar no raciocínio de Benjamin caminha para o leito da morte, o luto, o<br />

sofrimento, a lágrima, e assim por diante, com todas as variantes do ascetismo socrático.<br />

O olhar pós-moderno (em nada camufl ado, apenas enigmático) olha nos olhos<br />

o sol. Volta-se para a luz, o prazer, a alegria, o riso, e assim por diante, com todas<br />

as variantes do hedonismo dionisíaco. O espetáculo da vida hoje se contrapõe ao<br />

espetáculo da morte ontem. Olha-se um corpo em vida, energia e potencial de uma<br />

experiência impossível de ser fechada na sua totalidade mortal, porque ela se abre no<br />

agora em mil possibilidades. Todos os caminhos o caminho. O corpo que olha prazeroso<br />

(já dissemos), olha prazeroso um outro corpo prazeroso (acrescentemos) em ação.<br />

“Viver é perigoso”, já disse Guimarães Rosa. Há espetáculo e espetáculo, disse o<br />

iconoclasta. No leito de morte, exuma-se também o perigo de viver. Até mesmo o perigo<br />

de morrer, porque ele já é. Reina única a imobilidade tranqüila do homem no leito de<br />

morte, reino das “belles images”, para retomar a expressão de Simone de Beauvoir diante<br />

das gravuras fúnebres dos livros de história. Ao contrário, no campo da vida exposta no<br />

momento de viver o que conta para o olhar é o movimento. Movimento de corpos que<br />

se deslocam com sensualidade e imaginação, inventando ações silenciosas dentro do<br />

precário. Inventando o agora.<br />

(...)<br />

O olhar humano pós-moderno é desejo e palavra que caminham pela imobilidade,<br />

vontade que admira e se retrai inútil, atração por um corpo que, no entanto, se sente alheio<br />

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