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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

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Introdução aos<br />

Estudos<br />

Literários<br />

à atração, energia própria que se alimenta vicariamente de fonte alheia.<br />

Ele é o resultado crítico da maioria das nossas horas de vida cotidiana.<br />

Os tempos pós-modernos são duros e exigentes. Querem<br />

a ação enquanto energia (daí o privilégio do jovem enquanto<br />

personagem, e do esporte enquanto tema). Esgotada esta, passa<br />

o atuante a ser espectador do outro que, semelhante a ele, ocupa<br />

o lugar que foi o seu. “Azeitona e vinho”. É essa última condição de prazer vicário, ao<br />

mesmo tempo pessoal e passível de generalização, que alimenta a vida cotidiana atual<br />

e que EC dramatiza através do narrador que olha. Ao dramatizá-lo na forma em que<br />

o faz, revela o que nele pode ser experiência autêntica: a passividade prazerosa e o<br />

imobilismo crítico. São essas as posturas fundamentais do homem contemporâneo,<br />

ainda e sempre mero espectador ou de ações vividas ou de ações ensaiadas e<br />

representadas. Pelo olhar, homem atual e narrador oscilam entre o prazer e a crítica,<br />

guardando sempre a postura de quem, mesmo tendo se subtraído à ação, pensa e<br />

sente, emociona-se com o que nele resta de corpo e/ou cabeça.<br />

O espetáculo torna a ação representação. Dessa forma, ele retira do campo<br />

semântico de “ação” o que existe de experiência, de vivência, para emprestar-lhe<br />

o signifi cado exclusivo de imagem, concedendo a essa ação liberta da experiência<br />

condição exemplar de um agora tonifi cante, embora desprovido de palavra. Luz, calor,<br />

movimento – transmissão em massa. A experiência do ver. Do observar. Se falta à ação<br />

representada o respaldo da experiência, esta, por sua vez, passa a ser vinculada ao<br />

olhar. A experiência do olhar. O narrador que olha é a contradição e a redenção da<br />

palavra na época da imagem. Ele olha para que o seu olhar se recubra de palavra,<br />

constituindo uma narrativa.<br />

O espetáculo torna a ação representação. Representação nas suas variantes<br />

lúdicas, como futebol, teatro, dança, música popular, etc.; e também nas suas variantes<br />

técnicas, como cinema, televisão, palavra impressa etc. os personagens observados, até<br />

então chamados de atuantes, passam a ser atores do grande drama da representação<br />

humana, exprimindo-se através de ações ensaiadas, produto de uma arte, a arte de<br />

representar. Para falar das várias facetas dessa arte é que o narrador pós-moderno ele<br />

mesmo detendo a arte da palavra escrita – existe. Ele narra ações ensaiadas que existem<br />

no lugar (o palco) e no tempo (o da juventude) em que lhes é permitido existir.<br />

O narrador típico de EC, pelas razões que vimos expondo, vai encontrar na<br />

“sociedade do espetáculo” (para usar o conceito de Guy Debord) campo fértil para as suas<br />

investidas críticas. Por ela é investido e contra ela se investe. No conto “A lugar algum”,<br />

transcrição ipsis litteris do script de um programa de televisão, em que é entrevistado um<br />

jovem marginal, a realidade concreta do narrador é grau zero. Subtraiu-se totalmente.<br />

O narrador é todos e qualquer um diante de um aparelho de televisão. Essa também –<br />

repitamos – é a condição do leitor, pois qualquer texto é para todos e qualquer um.<br />

Em “A lugar algum”, o narrador é apenas aquele que reproduz. As coisas se<br />

passam como se o narrador estivesse apertando o botão do canal de televisão para<br />

o leitor. Eu estou olhando, olhe você também para este programa, e não outro. Vale a<br />

pena. Vale a pena porque assistimos aos últimos resquícios de uma imagem que ainda<br />

não é ensaiada, onde a ação (o crime) é respaldada pela experiência. A experiência<br />

de um jovem marginal na sociedade do espetáculo.<br />

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