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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

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O termo clássico surgiu derivado do adjetivo latino classicus, que indicava o cidadão<br />

pertencente às classes mais elevadas de Roma. No século II d.C. um certo Aulo Gelio<br />

(Noctes Atticae) utilizou-o para designar o escritor que por suas qualidades literárias poderia<br />

ser considerado modelar em seu ofício: “Classicus scriptor, non proletarius”. Durante o<br />

Renascimento, o termo clássico reapareceria, seja em textos latinos, seja nas línguas<br />

vernáculas, referindo-se tanto a autores greco-latinos quanto a autores modernos da própria<br />

época, considerados modelos de linguagem literária na língua vernácula. No século XVIII - o<br />

termo se estenderia aos autores que aceitavam os cânones da retórica greco-latina: ordem -<br />

clareza - medida - equilíbrio - decoro - harmonia e bom gosto. Tornou-se, pois, a base de uma<br />

estética essencialmente normativa. Assim, clássico, indicando modelo exemplar, cristalizouse<br />

como tradição, como cânone gramatical e semântico, como relicário do idioma e como<br />

um conjunto de regras imutáveis, isto é, universais e atemporais. No plano da mensagem,<br />

o que valia para caracterizar um clássico era a sua dimensão edifi cante, seus componentes<br />

morais e a sua capacidade de apresentar as paixões humanas de forma decorosa.<br />

No século XIX, a grande rebelião romântica começou a destruir a rigidez conservadora<br />

que envolvia a idéia de uma obra clássica. Victor Hugo mandou as regras às favas, abrindo<br />

um caminho mais liberto para a criação literária. Contudo, foram as vanguardas das primeiras<br />

décadas do século XX - especialmente Futurismo e Dadaismo - que levaram a ruptura com<br />

o classicismo às ultimas conseqüências, propondo, a exemplo de Marinetti, a destruição de<br />

bibliotecas, museus e tudo aquilo que representasse o “peso vetusto da tradição”.<br />

Passado o furor das vanguardas, o que fi cou? No plano do senso comum, clássico,<br />

hoje, indica uma obra artística superior, defi nitiva e que, por seus vários elementos estéticoideológicos,<br />

aproxima-se daquilo que (de forma mais ou menos nebulosa) chamaríamos de<br />

‘perfeição’. Porém esta obra não tem mais o sentido normativo que possuía no passado<br />

já que sua beleza lhe é irredutivelmente própria. Verdade que, nas escolas, a reverência<br />

exagerada aos clássicos - sobretudo aos da Antigüidade - veio até a década de 1960, a ponto<br />

de muitos de nós, professores, termos sido torturados, nas aulas de língua portuguesa, com<br />

a análise sintática de Os Lusíadas. As sucessivas mudanças culturais, ocorridas no Ocidente,<br />

especialmente a partir dos anos de 1960, quebraram toda e qualquer idéia de obra modelar<br />

e instauraram um conceito mais amplo e fl exível do que seria um clássico.<br />

Esquematicamente poderíamos apontar alguns traços defi nidores do que hoje se<br />

considera um texto clássico:<br />

1. São obras que ultrapassam o seu tempo, persistindo de alguma maneira na memória<br />

coletiva e sendo atualizada por sucessivas leituras, no transcurso da história.<br />

2. Apresentam paixões humanas de maneira intensa, original e múltipla. São paixões<br />

universais (ou pelo menos “ocidentais”) e têm um grau de maior ou menor fl exibilidade em<br />

relação à historicidade concreta.<br />

3. São obras que registram e simultaneamente inventam a complexidade de seu<br />

tempo. De maneira explícita ou implícita desvelam a historicidade concreta, as idéias e os<br />

sentimentos de uma época determinada. Há uma tendência geral: quanto mais explícita for<br />

a revelação histórica, menor o resultado estético. Na verdade, o espírito da época deve estar<br />

‘introjetado’ na experiência dos indivíduos.<br />

4. São obras que criam formas de expressão inusitadas, originais e de grande<br />

repercussão na própria história literária. Há clássicos que interessam em especial (ou talvez<br />

unicamente) ao mundo literário, como, por exemplo, o Ulisses, de Joyce.<br />

5. São obras de reconhecido valor histórico ou documental, mesmo não alcançando<br />

a universalidade inconteste. Nesta linha situam-se aquelas obras que são clássicas<br />

apenas na dimensão da história literária de um país, como, por exemplo, a obra de José<br />

de Alencar, ou apenas de uma região, como por exemplo as obras de Cyro Martins ou<br />

Aureliano de Figueiredo Pinto.<br />

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