INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS
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Para Foucault, o que denomina como “função-autor”, dispensada nos discursos<br />
científi cos pela sua participação em um sistema que lhe confere garantia, permanece<br />
nos discursos literários. A “função-autor” não se constrói simplesmente atribuindo um<br />
texto a um indivíduo com poder criador, mas se constitui como uma “característica do<br />
modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior<br />
de uma sociedade” (Foucault, 1992, pág. 46), ou seja, indica que tal ou qual discurso<br />
deve ser recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber um<br />
certo estatuto. O que faz de um indivíduo um autor é o fato de, através de seu nome,<br />
delimitarmos, recortarmos e caracterizarmos os textos que lhes são atribuídos.<br />
Em seu polêmico estudo “A Morte do Autor”, Barthes enfatiza a questão da não<br />
existência do autor fora ou anterior à linguagem. Procurando apresentar a idéia do<br />
autor como sujeito social e historicamente constituído, Barthes o vê como um produto<br />
do ato de escrever - é o ato de escrever que faz o autor e não o contrário. Para ele<br />
um escritor será sempre o imitador de um gesto ou de uma palavra anteriores a ele,<br />
mas nunca originais, sendo seu único poder mesclar escritas. Barthes retira a ênfase<br />
de um sujeito que tudo sabe, unifi cado, intencionado como o “lugar” de produção da<br />
linguagem, esperando assim libertar a escrita do despotismo da obra - o livro.<br />
O hipertexto, de certa forma, vai ao encontro das postulações de Barthes:<br />
libertando a escrita da “tirania do autor” pela facilidade que dá a cada leitor de adicionar,<br />
alterar ou simplesmente editar um outro texto, abrindo possibilidades de uma autoria<br />
coletiva e quebrando a idéia da “ecriture” como originária de uma só fonte. Nesse<br />
sentido hipertexto e teoria contemporânea, reconfi guram o autor sob diversos aspectostanto<br />
na teoria do hipertexto como na teoria literária as funções do escritor e do leitor<br />
tornam-se profundamente entrelaçadas. Por um lado, hipertextos transferem parte do<br />
poder do escritor para o leitor pela possibilidade e habilidade que este último passa<br />
a ter de escolher livremente seus trajetos de leitura elaborando o que poderíamos<br />
denominar “meta-texto”, anotando seus escritos junto aos escritos de outros autores e<br />
estabelecendo links (nexos ou interconexões) entre documentos de diferentes autores<br />
de forma a relacioná-los e acessá-los rapidamente. (...)<br />
Por outro lado, as experiências com hipertexto estreitam a distância que separa<br />
documentos individuais - uns dos outros - no mundo da impressão e pelo fato de reduzirem<br />
a autonomia do texto, reduzem também a autonomia do autor. O leitor pode, por sua vez,<br />
tornar-se um construtor de signifi cados ativo, independente e autônomo (Snyder, 1996). As<br />
chances de traçar padrões pessoais de leitura, de mover-se de forma aleatória de maneira<br />
não linear servem para destacar a importância do leitor na “escrita” de um texto.<br />
Cada leitura não muda fisicamente as palavras, mas reescreve o texto,<br />
simplesmente através de sua reorganização enfatizando diferentes pontos que podem,<br />
de forma sutil, alterar seu signifi cado. Barthes sugere que os leitores criam suas próprias<br />
interpretações independentemente das intenções do autor.<br />
Um outro aspecto a se observar é que na tradição da história social da impressão<br />
os livros sempre possuíram autores, os leitores fi cavam restritos aos estudos de teoria<br />
literária. Mais recentemente, com a estética da recepção a signifi cação do texto como<br />
historicamente construída, e produzida no interstício existente entre a proposição da<br />
obra - leia-se a vontade do autor - e as respostas dos leitores, estes últimos passaram<br />
a ser levados em conta em função das atenções se voltarem para a maneira como as<br />
formas físicas, com que o texto é apresentado, afetam a construção do sentido.<br />
Benjamin, referindo-se à imprensa russa, fez alusão ao desaparecimento da<br />
distinção convencional entre autor e público. Ao afi rmar que leitores estavam sempre<br />
prontos “a escrever, descrever e prescrever,” nos jornais soviéticos, fazendo com que o<br />
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