INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS
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Uma outra contribuição trazida pelos estudos culturais é o descentramento da fi gura<br />
do autor diante do leitor. Nesse sentido, o leitor passa a endossar o texto também como seu<br />
autor, uma vez que, sem a sua leitura não há produção de sentido e o texto torna-se, apenas,<br />
uma reunião de páginas. No mesmo movimento, o autor, também, atua como leitor na cena da<br />
escritura, pois a escrita envolve a leitura, já que não é possível falar sem acionar outras leituras e<br />
uma comunidade de outros autores, conforme Michel Foucault sinaliza em O que é um autor?<br />
Destituído do estigma de decodifi cador de textos, o leitor passa a ser considerado<br />
um produtor de sentidos e a sua leitura liberta-se da ânsia de seguir padrões cristalizados e<br />
alcançar a “melhor” interpretação. É desse modo que, a partir dessa reviravolta nos estudos<br />
literários, a interpretação passa a ser vista como algo “pessoal e intransferível”, como Silviano<br />
Santiago subintitula o seu texto “Singular e anônimo”, em Nas malhas da letra, subtítulo a<br />
partir do qual indica que a leitura – ele refere-se, em especial, à de poesia – não deve ser<br />
transferida como a mais adequada a outros leitores, nem por esses apropriada.<br />
“‘Fica difícil fazer literatura tendo Gil como leitor’ – comecemos a ler um trecho no<br />
fi nal da Correspondência completa, longo poema-carta de Júlia, endereçado a ‘My dear’.<br />
Dizendo que é difícil fazer literatura para Gil, o poema nos diz que ele não existe para<br />
um leitor de nome próprio. O leitor, quando nomeado poeticamente, é anônimo, é aquele<br />
a quem realmente foi endereçado o poema: ‘My dear’ – hipócrita, semelhante e irmão. No<br />
poema citado, o leitor não tem e não pode ter nome próprio. O leitor se dá nome, isto é,<br />
personaliza a relação poema-leitor, quando ele próprio, leitor, se alça ao nível da produção<br />
dita pública (papo, artigo, livro, sala de aula, conferência etc.), nomeando a si como tal,<br />
assinando, responsabilizando-se. Quanto da assinatura do poeta não se apega na assinatura<br />
do leitor (crítico, professor, exegeta etc.).<br />
[...]<br />
[...] Em didática tradicional, o que se pede – não tenhamos dúvida – é o endosso do<br />
aluno à assinatura oral do professor. A didática moderna é apenas mais ilusória, incorrendo na<br />
falácia do coletivo, ao acreditar que se pode fazer uma leitura com a fi ta durex que emenda<br />
as impressões mais acertadas (de que ponto de vista?) e as mais díspares dos alunos.<br />
Nem um único nem todos.<br />
Qualquer, desde que enfrente as exigências: singular e anônimo. [...]”<br />
(SANTIAGO, 2002, p. 65, 6)<br />
Sendo pessoal e intransferível, o leitor de poesia não pode portanto, limitar-se a leituras<br />
já realizadas sobre um determinado poema. Sobre a concepção de leitura de poesia, Silviano<br />
Santiago forja duas imagens, a saber, a do guardião e a de vestal, ou seja, para o autor o<br />
leitor não deve ser dogmático, nem cético em sua leitura. Para falar sobre estas posturas<br />
diante do texto, Santiago prefi gura duas imagens. A primeira, representada por Mary, seria<br />
o leitor que se comporta como um “vestal”, isto é, um guardião do poema, cujo sentido deve<br />
ser resguardo e é inatingível. A segunda é o detetive, representado por Gil, incumbido da<br />
missão de desvendar os poemas, buscando pistas no autor, e desconsiderando, por vezes,<br />
o papel do leitor no processo de produção de sentido.<br />
“Gil quer desvendar o poema a partir do desejo-do-outro, vicária e parasitariamente,<br />
e não compreendê-lo a partir do seu próprio desejo. Gosta de acumular sem gastar.<br />
Gil é o leitor medroso de se afi rmar, de quebrar a barreira que interdita o outro, de<br />
transgredi-la prazerosamente em favor de uma comunhão/combustão. Tem medo de avançar<br />
como alteridade que separa o sujeito do objeto, guardando a distância dita objetiva. Esquecese<br />
de que, no ler, busca-se exatamente a maneira de se identifi car com o outro, guardando<br />
no entanto os próprios sentimentos, a individualidade, a intimidade.<br />
[...]<br />
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