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edição de 6 de abril de 2020

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STORYTELLER<br />

Alexandra Gorn/Unsplash<br />

Nós e o vírus<br />

A humanida<strong>de</strong> inteira está<br />

com o mesmo medo<br />

LuLa Vieira<br />

Temos sempre a tendência <strong>de</strong> achar que<br />

estamos vivendo momentos inéditos na<br />

história da humanida<strong>de</strong>. Geralmente não<br />

é verda<strong>de</strong>. Por que razão, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> milênios,<br />

teríamos agora o privilégio <strong>de</strong> participar<br />

<strong>de</strong> acontecimentos únicos? Conhecem<br />

a expressão “nada <strong>de</strong> novo sob o sol?”<br />

É perfeita para quem, por <strong>de</strong>sinformação,<br />

consi<strong>de</strong>ra que po<strong>de</strong> haver ainda novida<strong>de</strong>s<br />

nesse mundo <strong>de</strong> meu Deus. Ao longo <strong>de</strong> sua<br />

existência na Terra, esse animal, cuja família<br />

pertencemos, já viu <strong>de</strong> tudo. Já viveu todo<br />

tipo <strong>de</strong> experiência. Aparentemente não<br />

há mais nada que ainda possa nos surpreen<strong>de</strong>r.<br />

O quê?, dirá o espantado leitor.<br />

Já apareceu nestes anos <strong>de</strong> nossa vida<br />

humana algum ministro como a Damares?<br />

Eu retruco: sim! Nero, Jânio, alguns papas<br />

da antiguida<strong>de</strong> e Collor, por exemplo.<br />

Loucuras diferentes uma das outras, mas<br />

loucuras. Ver Jesus na goiabeira não é novida<strong>de</strong>.<br />

Há centenas <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> pessoas<br />

que viram <strong>de</strong> tudo vindo do céu. Meteoros,<br />

chuva ácida, marcianos e santos <strong>de</strong> quase<br />

todas as religiões. Na TV mesmo, todo dia<br />

tem gente em ligação direta com a eternida<strong>de</strong>.<br />

Passeie pelos canais e você verá<br />

crentes falando direto com o céu. Tem até<br />

alguns que cobram <strong>de</strong>pósitos bancários em<br />

nome da obra d’Ele. A conta é terrena, <strong>de</strong><br />

um banco terreno.<br />

Mas como o que importa é o gesto, o<br />

Divino anota em seu ca<strong>de</strong>rno o crédito em<br />

dias <strong>de</strong> ventura, <strong>de</strong> leite, mel e ambrosia.<br />

Coros <strong>de</strong> anjos e paz. Longe do cal<strong>de</strong>irão<br />

que cozinha através dos séculos os argentários<br />

que, na vida terrena, não abriram a<br />

bruaca para manter os mensageiros do Senhor.<br />

Entre minhas obrigações, uma das<br />

que mais gosto é escrever esta coluna aqui,<br />

no PROPMARK. Ainda que possa soar pretensioso,<br />

acho que a coluna tem uma utilida<strong>de</strong>:<br />

fazer rir. Olhando meus arquivos,<br />

<strong>de</strong>scubro que há décadas faço piada e conto<br />

casos engraçados, na maioria absoluta das<br />

vezes sobre temas ligados à nossa profissão.<br />

Uma página para fazer rir. Ou sorrir.<br />

Fico muito orgulhoso em encontrar o lado<br />

engraçado dos acontecimentos e narrá-los,<br />

o mais próximo que minha memória consegue<br />

recordar. Em alguns casos, exagero<br />

e dou uma rebuscadazinha para tornar a<br />

história mais picaresca, quando não, mais<br />

crível. Porque têm algumas passagens que<br />

nem eu acredito que tenham acontecido,<br />

como aquele caso da barata no banheiro<br />

das moças. Agora o leitor pergunta: “on<strong>de</strong><br />

esse imbecil quer chegar?”. Calma lá, estamos<br />

indo.<br />

Essa introdução é para dividir com a leitora<br />

ou o leitor uma constatação que me<br />

<strong>de</strong>ixa boquiaberto: nunca houve dias assim<br />

como estes que estamos vivendo. Não<br />

há nos anais registro <strong>de</strong> um acontecimento<br />

que botou praticamente a população do<br />

mundo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Mesmo na peste negra,<br />

durante as guerras, sempre houve países<br />

inteiros à margem do que ocorria. Nas<br />

guerras, mesmo as batizadas <strong>de</strong> mundiais,<br />

povos inteiros continuaram suas vidinhas,<br />

alheios ao que ocorria. Mas agora não. A tal<br />

al<strong>de</strong>ia global, como batizou McLuhan, reagiu<br />

<strong>de</strong> uma única forma.<br />

Que se tenha registro, a humanida<strong>de</strong> inteira<br />

está com o mesmo medo. Tirando o<br />

Bolsonaro, toda humanida<strong>de</strong> ficou alarmada<br />

e se trancou em casa. Ou – pelo menos<br />

– a maioria dos terráqueos o fez. E todos<br />

os jornais, todas as emissoras <strong>de</strong> rádio<br />

e televisão do mundo inteiro, registram ruas<br />

vazias, cida<strong>de</strong>s paradas, aviões no solo,<br />

navios nos portos, limites fechados. Um<br />

único assunto aparece nas re<strong>de</strong>s sociais.<br />

Sobre um ser microscópio ardiloso e mortal,<br />

um vírus até bonitinho, meio parecido<br />

com os <strong>de</strong>senhos dos planetas feitos por<br />

Saint Exupery no Pequeno Príncipe. Pois<br />

esse bichinho, que po<strong>de</strong> matar, se fixou no<br />

pensamento <strong>de</strong> muitos milhões <strong>de</strong> pessoas<br />

que estão abestalhadas diante <strong>de</strong> uma<br />

ameaça global.<br />

Quem tinha medo da hecatombe universal,<br />

causada por bombas, <strong>de</strong>scobre agora<br />

que a Terra tem, sim, um inimigo. Mas só o<br />

vemos com aparelhos sofisticados. Quando<br />

menos se espera, ele pimba! Ele surge para<br />

matar. E eu não gostaria que meu querido<br />

leitor, minha doce leitura, reaja diante <strong>de</strong><br />

meu texto com raiva, achando que não estou<br />

respeitando a dor <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas,<br />

mundo a fora. Piada numa hora <strong>de</strong>ssa?<br />

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa<br />

e da Approach Comunicação, radialista, escritor,<br />

editor e professor<br />

lulavieira.luvi@gmail.com<br />

22 6 <strong>de</strong> <strong>abril</strong> <strong>de</strong> <strong>2020</strong> - jornal propmark

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