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opinião<br />
Pixabay<br />
Realida<strong>de</strong><br />
cruel<br />
BRITTO JR<br />
“E na<br />
distribuição<br />
dE rEnda, a<br />
situação é<br />
ainda pior,<br />
nEgros são<br />
75% EntrE os<br />
mais pobrEs”<br />
Infelizmente é preciso que situações<br />
grotescas aconteçam para que o mundo<br />
grite e proteste contra essa disfunção<br />
sistêmica do preconceito, principalmente<br />
quando ela atinge a sua forma mais primitiva<br />
e animal, a violência física com efeitos<br />
letais.<br />
Porém, diariamente, existem muitos<br />
outros tipos <strong>de</strong> situações, não menos graves,<br />
que, sabemos, algumas vezes fazemos<br />
parte e muitas vezes nos omitimos a<br />
resolver com pequenas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro do<br />
alcance <strong>de</strong> cada um.<br />
Nesses casos, o resultado não é a violência<br />
física, não mata ninguém explicitamente,<br />
mas produz uma tortura moral<br />
também letal.<br />
Não alcança a gran<strong>de</strong> mídia,<br />
mas atinge a consciência<br />
<strong>de</strong> muitas pessoas.<br />
Não é tangível e fácil <strong>de</strong> medir,<br />
ao contrario, é abstrata, sútil<br />
e inteligentemente silenciosa.<br />
É cultural, transmissível e<br />
se espalha na velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um vírus.<br />
Conveniente pra quem se<br />
omite, <strong>de</strong>vastadora para quem<br />
sofre diariamente, repetidamente<br />
e injustamente.<br />
Gritar e protestar é importante, mas<br />
muitas vezes o efeito se restringe a um<br />
curto movimento midiático, como um<br />
analgésico, alivia a dor, mas não tem o<br />
efeito prático e prolongado <strong>de</strong> uma vacina.<br />
Como todo vírus, existem muitos tipos,<br />
com dores, causas e efeitos colaterais diferentes.<br />
E o pior, muitos têm, transmitem, mas<br />
não são autodiagnosticados, pois se percebem<br />
assintomáticos.<br />
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro <strong>de</strong><br />
Geografia e Estatística), essa realida<strong>de</strong> é<br />
matematicamente cruel.<br />
Enquanto a população negra representa<br />
56,10%, eles correspondiam a cerca <strong>de</strong><br />
dois terços das pessoas que não tinham<br />
emprego, ou seja, 64,2%. Além disso, na<br />
classe <strong>de</strong> rendimento mais elevado, apenas<br />
11,9% das pessoas ocupadas em cargos<br />
gerenciais são pretas ou pardas.<br />
E na distribuição <strong>de</strong> renda, a situação é<br />
ainda pior, negros são 75% entre os mais<br />
pobres.<br />
Muitos criticam o sistema <strong>de</strong> cotas em<br />
universida<strong>de</strong>s públicas, mas, diante <strong>de</strong><br />
um <strong>de</strong>sequilíbrio vergonhosamente crônico,<br />
<strong>de</strong>veria ser o ponto <strong>de</strong> partida para<br />
um movimento muito mais abrangente e<br />
consciente da socieda<strong>de</strong> como um todo.<br />
Nāo <strong>de</strong>veria ser apenas uma regra imposta,<br />
mas uma autorregulamentação alinhada<br />
com as missões e valores <strong>de</strong> muitas<br />
empresas que prezam por valores mais<br />
humanos e a favor da diversificação<br />
real.<br />
Mas quais são essas situações<br />
que algumas vezes fazemos parte,<br />
vemos diariamente e transmitimos<br />
silenciosamente <strong>de</strong> uma geração<br />
para a outra?<br />
Muitas, porém cabe a cada um<br />
pensar sobre o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alcance<br />
<strong>de</strong> cada interessado em mudar essa<br />
realida<strong>de</strong>.<br />
No meu alcance, por exemplo,<br />
uma das perguntas que me faço<br />
com intensida<strong>de</strong> é se quando planejo,<br />
<strong>de</strong>cido ou indico algum profissional, eu<br />
penso prover oportunida<strong>de</strong> em equilíbrio<br />
<strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong> e realida<strong>de</strong> tão distorcida?<br />
Isso tem me fortalecido a tomar <strong>de</strong>cisões<br />
práticas <strong>de</strong> implementar programas<br />
<strong>de</strong> conscientização e incentivo, sem críticas,<br />
falso moralismo ou julgamentos, mas<br />
com a melhor estratégia, que é a motivação<br />
e a ação.<br />
Faça as próprias perguntas e encontre<br />
novas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> você.<br />
Com certeza, cada um vai encontrar o<br />
próprio remédio para esse vírus e ajudar<br />
pouco ou muito nessa transformação.<br />
Essa é a missão <strong>de</strong>ste texto, refletir e fazer<br />
você refletir.<br />
Britto Jr. é sócio e CEO da Score Group<br />
brittojr@scoregroup.com.br<br />
24 3 <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>2020</strong> - jornal propmark