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última página<br />
Clarke San<strong>de</strong>rs/Unsplash<br />
Uma evolução ética<br />
da propaganda<br />
Stalimir Vieira<br />
Você percebe que está há muito tempo<br />
na profissão quando viveu épocas em<br />
que: 1) Nem passava pela sua cabeça colocar<br />
um negro num anúncio; 2) Passava pela<br />
sua cabeça colocar um negro num anúncio,<br />
mas a agência não tinha coragem <strong>de</strong><br />
apresentar ao cliente; 3) Você colocava um<br />
negro num anúncio, a agência apresentava,<br />
mas o pessoal do marketing pedia para<br />
retirar o negro; 4) Você colocava um negro<br />
num anúncio, a agência apresentava, o<br />
marketing aprovava, mas o presi<strong>de</strong>nte da<br />
empresa pedia para retirar o negro; 5) Você<br />
colocava um negro num anúncio, a agência<br />
apresentava, o marketing aprovava e o<br />
presi<strong>de</strong>nte “<strong>de</strong>ixava passar”.<br />
Em todas essas situações,<br />
ninguém assumia que se tratava<br />
<strong>de</strong> racismo próprio, mas <strong>de</strong><br />
uma precaução com o racismo<br />
dos outros. Ou seja, a agência<br />
temia, o marketing temia, o<br />
presi<strong>de</strong>nte da empresa temia,<br />
temiam o quê? Que o consumidor,<br />
em última instância, fosse<br />
racista. Já hoje, o cliente pe<strong>de</strong><br />
que se coloque um negro no anúncio para<br />
que a marca não seja acusada <strong>de</strong> racista.<br />
Por quem? Por aquele mesmo consumidor<br />
que ele suspeitava que fosse racista? Será<br />
o Brasil menos racista hoje do que era há<br />
30 anos?<br />
“as crianças<br />
começaram<br />
a se tornar<br />
adultas<br />
vendo<br />
negros nos<br />
anúncios”<br />
O fato é que as marcas viram-se obrigadas<br />
a se alinhar internacionalmente, pressionadas,<br />
elas, sim, por movimentos antirracistas<br />
em seus países <strong>de</strong> origem. Com<br />
isso, se impõe ao Brasil um tratamento<br />
mais civilizado à questão. O que contribuiu<br />
para a paulatina, mas inequívoca, aceitação<br />
natural do negro na propaganda. E as<br />
crianças começaram a se tornar adultas<br />
vendo negros nos anúncios e os filhos <strong>de</strong>las<br />
muitos negros mais. Aliás, essa é a única<br />
maneira <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> incorporar verda<strong>de</strong>iramente<br />
conceitos justos e corretos: a<br />
persistência. O racismo, no entanto, ainda<br />
está vivo e bastante impregnado na socieda<strong>de</strong>,<br />
o mesmo racismo que, cruelmente<br />
silencioso, barrava o negro na propaganda.<br />
A diferença é que os racistas passaram a<br />
ser obrigados a aceitar a diversida<strong>de</strong> como<br />
a melhor representação humana.<br />
A maioria, em silenciosa resignação. Já<br />
uma minoria barulhenta aponta um exagero<br />
na imposição do politicamente correto,<br />
tentando disfarçar seu preconceito.<br />
No caso da homofobia, não é diferente.<br />
Tudo o que não era natural na propaganda<br />
sempre parecerá exagerado no<br />
início.<br />
Vale lembrar que há, poucos<br />
anos, homossexuais só apareciam<br />
em anúncios para serem<br />
<strong>de</strong>bochados. Piadas grotescas<br />
com gays ajudaram a consagrar<br />
gran<strong>de</strong>s nomes da criação publicitária.<br />
São coisa ainda fresquinha<br />
suas obras incorretas.<br />
Não surpreen<strong>de</strong>, portanto, que<br />
cause polêmica uma marca não apenas<br />
tratar um transexual com dignida<strong>de</strong>, como<br />
dar a ele o merecido protagonismo num<br />
exemplo a ser seguido. Coisa inimaginável<br />
há duas décadas. Iniciativas <strong>de</strong>sse tipo, no<br />
entanto, precisam ser mais do que espasmos<br />
sazonais politicamente corretos da<br />
propaganda.<br />
Se um dia negros surpreen<strong>de</strong>ram num<br />
anúncio, a persistência na sua inclusão<br />
vem acabando com qualquer estranheza.<br />
É preciso insistir em outros representantes<br />
da nossa diversida<strong>de</strong> para que também<br />
sejam percebidos, aos olhos da maioria da<br />
socieda<strong>de</strong>, naturalmente em seus papéis.<br />
Só assim evoluímos como nação.<br />
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />
stalimircom@gmail.com<br />
34 3 <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>2020</strong> - jornal propmark