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edição de 3 de agosto de 2020

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última página<br />

Clarke San<strong>de</strong>rs/Unsplash<br />

Uma evolução ética<br />

da propaganda<br />

Stalimir Vieira<br />

Você percebe que está há muito tempo<br />

na profissão quando viveu épocas em<br />

que: 1) Nem passava pela sua cabeça colocar<br />

um negro num anúncio; 2) Passava pela<br />

sua cabeça colocar um negro num anúncio,<br />

mas a agência não tinha coragem <strong>de</strong><br />

apresentar ao cliente; 3) Você colocava um<br />

negro num anúncio, a agência apresentava,<br />

mas o pessoal do marketing pedia para<br />

retirar o negro; 4) Você colocava um negro<br />

num anúncio, a agência apresentava, o<br />

marketing aprovava, mas o presi<strong>de</strong>nte da<br />

empresa pedia para retirar o negro; 5) Você<br />

colocava um negro num anúncio, a agência<br />

apresentava, o marketing aprovava e o<br />

presi<strong>de</strong>nte “<strong>de</strong>ixava passar”.<br />

Em todas essas situações,<br />

ninguém assumia que se tratava<br />

<strong>de</strong> racismo próprio, mas <strong>de</strong><br />

uma precaução com o racismo<br />

dos outros. Ou seja, a agência<br />

temia, o marketing temia, o<br />

presi<strong>de</strong>nte da empresa temia,<br />

temiam o quê? Que o consumidor,<br />

em última instância, fosse<br />

racista. Já hoje, o cliente pe<strong>de</strong><br />

que se coloque um negro no anúncio para<br />

que a marca não seja acusada <strong>de</strong> racista.<br />

Por quem? Por aquele mesmo consumidor<br />

que ele suspeitava que fosse racista? Será<br />

o Brasil menos racista hoje do que era há<br />

30 anos?<br />

“as crianças<br />

começaram<br />

a se tornar<br />

adultas<br />

vendo<br />

negros nos<br />

anúncios”<br />

O fato é que as marcas viram-se obrigadas<br />

a se alinhar internacionalmente, pressionadas,<br />

elas, sim, por movimentos antirracistas<br />

em seus países <strong>de</strong> origem. Com<br />

isso, se impõe ao Brasil um tratamento<br />

mais civilizado à questão. O que contribuiu<br />

para a paulatina, mas inequívoca, aceitação<br />

natural do negro na propaganda. E as<br />

crianças começaram a se tornar adultas<br />

vendo negros nos anúncios e os filhos <strong>de</strong>las<br />

muitos negros mais. Aliás, essa é a única<br />

maneira <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> incorporar verda<strong>de</strong>iramente<br />

conceitos justos e corretos: a<br />

persistência. O racismo, no entanto, ainda<br />

está vivo e bastante impregnado na socieda<strong>de</strong>,<br />

o mesmo racismo que, cruelmente<br />

silencioso, barrava o negro na propaganda.<br />

A diferença é que os racistas passaram a<br />

ser obrigados a aceitar a diversida<strong>de</strong> como<br />

a melhor representação humana.<br />

A maioria, em silenciosa resignação. Já<br />

uma minoria barulhenta aponta um exagero<br />

na imposição do politicamente correto,<br />

tentando disfarçar seu preconceito.<br />

No caso da homofobia, não é diferente.<br />

Tudo o que não era natural na propaganda<br />

sempre parecerá exagerado no<br />

início.<br />

Vale lembrar que há, poucos<br />

anos, homossexuais só apareciam<br />

em anúncios para serem<br />

<strong>de</strong>bochados. Piadas grotescas<br />

com gays ajudaram a consagrar<br />

gran<strong>de</strong>s nomes da criação publicitária.<br />

São coisa ainda fresquinha<br />

suas obras incorretas.<br />

Não surpreen<strong>de</strong>, portanto, que<br />

cause polêmica uma marca não apenas<br />

tratar um transexual com dignida<strong>de</strong>, como<br />

dar a ele o merecido protagonismo num<br />

exemplo a ser seguido. Coisa inimaginável<br />

há duas décadas. Iniciativas <strong>de</strong>sse tipo, no<br />

entanto, precisam ser mais do que espasmos<br />

sazonais politicamente corretos da<br />

propaganda.<br />

Se um dia negros surpreen<strong>de</strong>ram num<br />

anúncio, a persistência na sua inclusão<br />

vem acabando com qualquer estranheza.<br />

É preciso insistir em outros representantes<br />

da nossa diversida<strong>de</strong> para que também<br />

sejam percebidos, aos olhos da maioria da<br />

socieda<strong>de</strong>, naturalmente em seus papéis.<br />

Só assim evoluímos como nação.<br />

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />

stalimircom@gmail.com<br />

34 3 <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>2020</strong> - jornal propmark

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