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COLETÂNEA ELAS NAS LETRAS

A «ELAS nas Letras» nasce da iniciativa da Pastoral da Mulher Marginalizada de realizar uma incursão na Literatura, para além de sua militância em prol das mulheres em situação de violência, abandono e prostituição. O modelo da coletânea segue o projeto «Antologias Solidárias», comandado pela escritora Sada Ali, cujos primeiros parceiros foram, em 2015, a Academia Barretense de Cultura (ABC) e a Casa Transitória «André Luiz», beneficiária da venda da 1ª edição das Antologias Solidárias, em 2016. As «Antologias» seguintes foram lançadas em Ribeirão Preto, junto à UGT (Memorial da Classe Operária) e em Barretos, junto ao Fundo Social de Solidariedade, além de mais uma obra em parceria com a ABC. Agora é hora das mulheres assumirem, mais uma vez, o protagonismo e, através das letras, deixarem sua mensagem de empoderamento e luta.

A «ELAS nas Letras» nasce da iniciativa da Pastoral da Mulher Marginalizada de realizar uma incursão na Literatura, para além de sua militância em prol das mulheres em situação de violência, abandono e prostituição.
O modelo da coletânea segue o projeto «Antologias Solidárias», comandado pela escritora
Sada Ali, cujos primeiros parceiros foram, em 2015,
a Academia Barretense de Cultura (ABC) e a Casa Transitória «André Luiz»,
beneficiária da venda
da 1ª edição das Antologias Solidárias, em 2016.
As «Antologias» seguintes foram lançadas em Ribeirão Preto, junto à UGT (Memorial da Classe Operária) e em Barretos, junto ao Fundo Social de Solidariedade, além de mais uma obra em parceria com a ABC.
Agora é hora das mulheres assumirem, mais uma vez, o protagonismo e, através das letras, deixarem sua mensagem de empoderamento e luta.

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Sada Ali 133

de um moreno que quase se aproximava ao negro, era um dos mais

próximos amigos. Por que havia lhe assoviado? Aquele era seu costume

para as tardes de verão, quando reunidos a mais uma dúzia de meninos

e meninas, saíam para apanhar as rosadas e suculentas mangas

das chácaras nas redondezas, para nadar no pequeno regueiro que corria

atrás das casas da vila e para outras pueris aventuras... Teria alguma

desventura para lhe contar? Não. Dificilmente. Seus pais eram mais

ponderados na maneira de tratá-lo e ele vivia de um jeito que considerava

até absurdamente feliz. Esquece-o e volta a caminhar.

Sr. Augusto percebe a melancolia e as marcas a brasão feitas nas faces

trigueiras da cliente regular. Como poderia se recusar a entregar três

míseros ovos a um pequeno anjo? O que teria se sucedido àquela menina?

Outra pancadaria inútil? Gostaria de poder ajudá-la, mas a vida,

com sua constante urgência, sempre relegava determinações alheias, ao

nada, ao vazio das próprias necessidades. Caminho de volta e os mesmos

assobios. Aqueles assobios eram galanteios gratuitos. O anseio em

Melcíades resgata parte do seu desejo pela vida. A vida poderia não ser

tão desastrosamente ruim. Ou seria?

Àqueles assovios outros se sucedem, muitos dos quais, inúmeras

vezes, assistidos pelo pai, ocultado pela janela, ou ainda à porta, sentado

junto a outros tão alcoolizados quanto ele. Cerca de cinco anos

transcorrem. Já não brincava de fada com a velha boneca herdada da

prima da filha da vizinha. Por que sua fada a havia abandonado assim

que lhe surgira as primeiras regras? Não sonhava mais com a morte

libertadora, mas continuava como o fizera em toda a sua infância: a

tapar, durante as madrugadas, os próprios ouvidos para se livrar dos

urros de cadela no cio do quarto contíguo. A mãe sibilava mais que o

vento em tempestade de verão. Sibilo agudo e cortante, que bramia e

permanecia.

Aquela fora sua escola, seu meio. Nenhum ser vivente, nenhum ser

onipotente partira em seu socorro. Tinha que se livrar pelos próprios recursos

dos olhares lascivos do pai, dos urros e impropérios intolerantes

da mãe e dos assobios da molecada da redondeza, todos tão miseráveis

e indefinidos quanto seu próprio mundo. Até que, numa tarde chuvosa,

por que fora escolher seu momento favorito na natureza?, quando ouvia e via

chuva rebater contra a janela de vidro – janela tão comum quanto a que

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