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última página<br />
Markus Winkler/Unsplash<br />
O mercado<br />
carece<br />
<strong>de</strong> críticos<br />
STALIMIR VIEIRA<br />
Já contei essa história em algumas circunstâncias,<br />
mas acho que aqui, nunca,<br />
embora já me perca nos tantos anos em que<br />
escrevo no PROPMARK. Foi a primeira vez<br />
em que tive a minha atenção chamada para<br />
a propaganda. Deveria ter uns 7 ou 8 anos e<br />
morava com meus avós paternos. Havia, na<br />
época, um jingle com um refrão que dizia<br />
“Chimarrão gaúcho, o melhor que há...”<br />
Estava com minha avó na cozinha,<br />
quando a melodia tocou no rádio, e ela,<br />
prontamente reagiu: “Mentiiiira!” Aquilo<br />
foi surpreen<strong>de</strong>nte para mim. Quando comecei<br />
a trabalhar no ramo,<br />
essa experiência me acompanhou<br />
por um tempo, até se<br />
dissolver na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
acreditar no que vendia, fosse<br />
o que fosse.<br />
Realmente, com o passar<br />
dos anos e o glamour experimentado no cotidiano<br />
profissional, a questão da verda<strong>de</strong><br />
ou da mentira <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser relevante.<br />
Depois <strong>de</strong> 40 anos <strong>de</strong> entrega à criação<br />
<strong>de</strong> anúncios, gosto da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> voltar para<br />
o outro lado do balcão, o do ouvinte, do<br />
telespectador, do consumidor, <strong>de</strong>svencilhado<br />
do compromisso corporativo com a<br />
profissão e da <strong>de</strong>pendência econômica <strong>de</strong><br />
empregadores ou clientes. E, assim, resgatar<br />
a inocência e a fibra da minha avó, que<br />
rebelou-se, <strong>de</strong>stemidamente, com a uma<br />
mensagem “mentirosa”.<br />
Afinal, ela não tinha nenhum compromisso<br />
com a contratação do jinglista, com<br />
o estúdio <strong>de</strong> gravações, com o intérprete,<br />
com o cliente, não tinha “rabo preso” com<br />
qualquer dos envolvidos com aquela história.<br />
Uma situação privilegiada, hoje reconheço,<br />
quando me sinto à vonta<strong>de</strong> para<br />
criticar, com o cuidado <strong>de</strong> não procurar<br />
saber quem fez o quê. Porque o privilégio<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r expressar a própria opinião<br />
prescin<strong>de</strong> absolutamente <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<br />
autorias do que é criticado; não é uma<br />
opinião a serviço <strong>de</strong> alguém nem contra<br />
ninguém. É apenas uma opinião sobre o<br />
trabalho em si.<br />
Sei muito bem que não é fácil ter opinião<br />
pública quando se está na ativa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />
da simpatia do mercado para se manter<br />
contratável. Isso po<strong>de</strong>ria ser uma verda<strong>de</strong><br />
absoluta, não fossem alguns exemplos <strong>de</strong><br />
profissionais muito bem-sucedidos que foram,<br />
ao mesmo tempo, críticos ácidos do<br />
trabalho alheio.<br />
“você não acha<br />
que o mercado<br />
anda muito<br />
acrítico?”<br />
É inesquecível um artigo<br />
do Nizan (se não me engano<br />
na revista Propaganda) cujo<br />
título era “Desculpe, mas é<br />
muito ruim”, em que o criativo<br />
escancarava sua crítica ao trabalho<br />
<strong>de</strong> dois famosos concorrentes.<br />
Da mesma forma, o Petit, com seu habitual<br />
mau humor, nunca temeu comprar<br />
briga com quem ele julgasse não merecer o<br />
cartaz que tinha: num Roda Viva, partiu pro<br />
pau com ninguém menos que o prestigiado<br />
fotógrafo Oliviero Toscani, então no auge<br />
das campanhas da Benneton.<br />
Lembro também <strong>de</strong> uma entrevista do<br />
Washington na Playboy em que, instado a<br />
citar um profissional a quem julgasse ruim,<br />
<strong>de</strong>clinou, sob a alegação <strong>de</strong> que não queria<br />
ser injusto com todos os <strong>de</strong>mais. Quem<br />
sabe se, com essa coragem <strong>de</strong>saforada, não<br />
terão contribuído para que muitos <strong>de</strong> seus<br />
alvos revissem alguns critérios e tratassem<br />
<strong>de</strong> aperfeiçoar o jeito <strong>de</strong> trabalhar?<br />
Não só eles, mas o mercado inteiro, já<br />
que eram personagens icônicas da qualida<strong>de</strong><br />
criativa. Por falar nisso, você não acha<br />
que o mercado anda muito acrítico?<br />
Stalimir Vieira é diretor da Base <strong>de</strong> Marketing<br />
stalimircom@gmail.com<br />
34 3 <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2021</strong> - jornal propmark