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Edição de 3 de maio de 2021

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última página<br />

Markus Winkler/Unsplash<br />

O mercado<br />

carece<br />

<strong>de</strong> críticos<br />

STALIMIR VIEIRA<br />

Já contei essa história em algumas circunstâncias,<br />

mas acho que aqui, nunca,<br />

embora já me perca nos tantos anos em que<br />

escrevo no PROPMARK. Foi a primeira vez<br />

em que tive a minha atenção chamada para<br />

a propaganda. Deveria ter uns 7 ou 8 anos e<br />

morava com meus avós paternos. Havia, na<br />

época, um jingle com um refrão que dizia<br />

“Chimarrão gaúcho, o melhor que há...”<br />

Estava com minha avó na cozinha,<br />

quando a melodia tocou no rádio, e ela,<br />

prontamente reagiu: “Mentiiiira!” Aquilo<br />

foi surpreen<strong>de</strong>nte para mim. Quando comecei<br />

a trabalhar no ramo,<br />

essa experiência me acompanhou<br />

por um tempo, até se<br />

dissolver na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

acreditar no que vendia, fosse<br />

o que fosse.<br />

Realmente, com o passar<br />

dos anos e o glamour experimentado no cotidiano<br />

profissional, a questão da verda<strong>de</strong><br />

ou da mentira <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser relevante.<br />

Depois <strong>de</strong> 40 anos <strong>de</strong> entrega à criação<br />

<strong>de</strong> anúncios, gosto da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> voltar para<br />

o outro lado do balcão, o do ouvinte, do<br />

telespectador, do consumidor, <strong>de</strong>svencilhado<br />

do compromisso corporativo com a<br />

profissão e da <strong>de</strong>pendência econômica <strong>de</strong><br />

empregadores ou clientes. E, assim, resgatar<br />

a inocência e a fibra da minha avó, que<br />

rebelou-se, <strong>de</strong>stemidamente, com a uma<br />

mensagem “mentirosa”.<br />

Afinal, ela não tinha nenhum compromisso<br />

com a contratação do jinglista, com<br />

o estúdio <strong>de</strong> gravações, com o intérprete,<br />

com o cliente, não tinha “rabo preso” com<br />

qualquer dos envolvidos com aquela história.<br />

Uma situação privilegiada, hoje reconheço,<br />

quando me sinto à vonta<strong>de</strong> para<br />

criticar, com o cuidado <strong>de</strong> não procurar<br />

saber quem fez o quê. Porque o privilégio<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r expressar a própria opinião<br />

prescin<strong>de</strong> absolutamente <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<br />

autorias do que é criticado; não é uma<br />

opinião a serviço <strong>de</strong> alguém nem contra<br />

ninguém. É apenas uma opinião sobre o<br />

trabalho em si.<br />

Sei muito bem que não é fácil ter opinião<br />

pública quando se está na ativa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

da simpatia do mercado para se manter<br />

contratável. Isso po<strong>de</strong>ria ser uma verda<strong>de</strong><br />

absoluta, não fossem alguns exemplos <strong>de</strong><br />

profissionais muito bem-sucedidos que foram,<br />

ao mesmo tempo, críticos ácidos do<br />

trabalho alheio.<br />

“você não acha<br />

que o mercado<br />

anda muito<br />

acrítico?”<br />

É inesquecível um artigo<br />

do Nizan (se não me engano<br />

na revista Propaganda) cujo<br />

título era “Desculpe, mas é<br />

muito ruim”, em que o criativo<br />

escancarava sua crítica ao trabalho<br />

<strong>de</strong> dois famosos concorrentes.<br />

Da mesma forma, o Petit, com seu habitual<br />

mau humor, nunca temeu comprar<br />

briga com quem ele julgasse não merecer o<br />

cartaz que tinha: num Roda Viva, partiu pro<br />

pau com ninguém menos que o prestigiado<br />

fotógrafo Oliviero Toscani, então no auge<br />

das campanhas da Benneton.<br />

Lembro também <strong>de</strong> uma entrevista do<br />

Washington na Playboy em que, instado a<br />

citar um profissional a quem julgasse ruim,<br />

<strong>de</strong>clinou, sob a alegação <strong>de</strong> que não queria<br />

ser injusto com todos os <strong>de</strong>mais. Quem<br />

sabe se, com essa coragem <strong>de</strong>saforada, não<br />

terão contribuído para que muitos <strong>de</strong> seus<br />

alvos revissem alguns critérios e tratassem<br />

<strong>de</strong> aperfeiçoar o jeito <strong>de</strong> trabalhar?<br />

Não só eles, mas o mercado inteiro, já<br />

que eram personagens icônicas da qualida<strong>de</strong><br />

criativa. Por falar nisso, você não acha<br />

que o mercado anda muito acrítico?<br />

Stalimir Vieira é diretor da Base <strong>de</strong> Marketing<br />

stalimircom@gmail.com<br />

34 3 <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2021</strong> - jornal propmark

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