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382 MANUEL DOS SANTOS ALVES<br />
No que diz respeito ao lexema verbal («arremessava»), é digna de<br />
nota a manutenção do imperfeito que se lê no hipotexto francês e é mais<br />
apta para traduzir o carácter durativo de uma situação sem saída.<br />
Mas, em vez da forma «silvavam», correspondente literal de «sifflaient»<br />
reservada para outro contexto — «as longas flechas silvavam através do<br />
acampamento» —, Eça de Queirós optou, numa primeira fase, por um<br />
outro lexema verbal, «lançava», correspondente à proposição hipotextual<br />
«lança une flèche», de que está ausente o aspecto iterativo. Numa<br />
segunda fase, rasurou, no manuscrito, os elementos «lançava as suas»<br />
e escreveu a forma «arremessava» entre linhas, para, finalmente, nos<br />
deixar a redacção definitiva «arremessava flechas».<br />
«Sobre o vasto acampamento dos Acaios»: trata-se de uma tradução<br />
literal da.série sintagmática «vers le vaste armée des Akhaiens»<br />
(p. 15), de que existem numerosas ocorrências ao longo do hipotexto<br />
francês, mas cujo lexema «armée» foi preterido em benefício do monossílabo<br />
«camp» (pp. 159, 175, passim), que foi traduzido primeiro por<br />
«campo» (rasurado no manuscrito) e depois por «acampamento» (inserido<br />
entre linhas, tal como o epíteto «vasto», que o precede). Esta<br />
substituição do lexema esperado, «exército», por «acampamento», ou<br />
seja, de um elemento que releva do animado por outro que releva do<br />
inanimado —, não é um mero capricho : foi imposta pela própria estrutura<br />
do texto, que determinou a deslocação para a parte final, do motivo<br />
das vítimas humanas de Apolo : é aí que a gravidade da situação atinge<br />
o seu clímax. Esta importante modificação revela bem a presença<br />
de uma consciência estruturante, de uma personalidade literária forte,<br />
em luta permanente com textos alheios que quase sempre consegue subjugar.<br />
Esta concepção agónica, de que nem sempre é alheia a «anxiety<br />
of influency» (Bloom, 1973), constitui para nós um dos aspectos mais<br />
interessantes da fenomenologia da intertextualidade em Eça de Queirós,<br />
Também o elemento locativo do cenário — «defronte dos muros<br />
de Tróia» — se deve explicar em relação com o hipotexto francês,<br />
onde se podem 1er muitas ocorrências de sintagmas, como «devant<br />
Troiè» (p. 157), «devant la ville» (p. 397), bem como os repetidos lexemas<br />
«mur» (p. 131), «murs» (p. 397), e «murailles», elemento integrante<br />
de epítetos homéricos como «Troiè aux fortes murailles» (p. 5),<br />
«Uios aux fortes murailles» (p. 23) e outros estereótipos de estrutura<br />
similar, bem próprios do texto homérico.<br />
- A presença, nestes conjuntos, do lexema «fortes» sobredeterminou,<br />
sem dúvida, o emprego do adjectivo «pesados», que lhe é semântica-