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HOMERO NUM MANUSCRITO INÉDITO i

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<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 389<br />

ficateur»; daqui derivou a proposição seguinte: «porque o seu sacerdote<br />

Crises ... fora ofendido por Agamémnon, rei dos Acaios». Como é<br />

óbvio, modificações como estas não são irrelevantes. A forma passiva<br />

faz subir o «sacerdote Crises» a uma posição de destaque, à cabeça<br />

da proposição, e aproxima-o de Apolo, do «Deus» que se encontra<br />

no princípio da frase e cujas relações de afecto e estima são sublinhadas<br />

pelo possessivo «seu», do sintagma «seu sacerdote». O segundo<br />

lexema surge aqui como alternativa a «sacrificador», correspondente a<br />

«sacrificateur», elemento que é reservado para outro contexto, mas<br />

que se encontra implícito na longa expansão que se segue e realça<br />

ainda mais a importância de Crises e a gravidade da ofensa: «... o que<br />

no templo de Tenedos, entre loureiros, lhe queimava em seu louvor as<br />

pernas gordas das cabras ...» (cf. 77. 1.41).<br />

É curioso notar como esta expansão narrativa é formada quase<br />

integralmente por elementos transpostos de um género de discurso<br />

totalmente diferente, que valerá a pena transcrever, para melhor apreender<br />

as modificações operadas (p. 2):<br />

— Entendez-moi, Porteur de l'arc d'argent, qui protèges Khrysè et Killa,<br />

et commandes fortement sur Ténédos, Smintheus! Si jamais j'ai orné ton<br />

beau temple, si jamais j'ai brûlé pour toi les cuisses grasses des taureaux et des<br />

chèvres, exauce non voeu: que les Danaens expient mes larmes sous tes flèches!<br />

Como se vê, trata-se de um género particular do discurso relatado<br />

— a súplica (cf. //. 1.37-42). Eça de Queirós eliminou-o, ou, se<br />

se preferir, transformou-o em discurso narrativizado (Genette, 1972:<br />

191 sqq.), aproveitando os elementos que sublinhámos no texto e<br />

rejeitando todos os outros. E já este contraste entre o que escolheu<br />

e o que rejeitou, nos dá uma ideia aproximada do seu fino tacto artístico.<br />

O estilo directo não poderia ter cabimento numa descrição compacta,<br />

em que a fuga à dispersão se revela como um dos maiores esforços do<br />

escritor. Daí a eliminação das marcas da linguagem apelativa, como<br />

os deícticos de segunda pessoa, as formas do imperativo e os vocativos;<br />

e igualmente as da linguagem emotiva: deícticos e formas verbais<br />

da primeira pessoa, as exclamações, as repetições anafóricas «si jamais ...<br />

si jamais», e, enfim, aquele acervo de elementos pertencentes à retórica<br />

do eu, em que se pode incluir, no presente contexto, a sobrecarga de<br />

lexemas maiusculados, como os toponímicos «Khrysè», «Killa» e o<br />

epíteto «Porteur de l'arc d'argent», que, imprimindo ao texto uma<br />

marca de erudição rebuscada e opaca, funcionariam como um ruído<br />

perturbador, impeditivo daquela transparência, leveza e comunicabilidade<br />

que fazem o encanto do estilo queirosiano.

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