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HOMERO NUM MANUSCRITO INÉDITO i

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<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 401<br />

caíam, tal como a sua congénere «ruído de armas estropeadas» se<br />

adivinha no caminhar de Apolo, adequadamente expresso pelo sintagma<br />

«a cada largo passo».<br />

Quanto à frase final deste mesmo fragmento, «sem cessar as longas<br />

flechas silvavam através do acampamento», ela é, como se vê, uma<br />

tradução literal do francês «sans cesse... les flèches divines sifflaient<br />

à travers l'armée». Todavia, se o sintagma «sans cesse» se encontra<br />

repetido ad nauseam ao longo da tradução de Leconte de Lisle — «tu<br />

me soupçonnes sans cesse» (p. 18), «des essaims ... sortent ... sans cesse<br />

(p. 37), passim —, há transformações a ter em conta. Assim, para<br />

«flechas», o esperado qualificativo «divinas», que tem o seu equivalente<br />

no hipotexto, é preterido em favor do adjectivo «longas», mais apto<br />

a sublinhar a ideia de distância e o efeito de longo alcance também<br />

favorecido pelo sintagma «à l'écart», pertencente ao mesmo núcleo<br />

hipotextual e se encontra representado em expressões, como «longue<br />

pique» (p. 90). Também para o lexema «armée», ao correspondente<br />

literal «exército», preferiu o termo «acampamento», não só pela razão<br />

acima apontada, mas também porque, neste passo, aquele lexema não<br />

se harmonizaria bem com a locução preposicional «através de». Aliás,<br />

a opção está solidamente apoiada no hipotexto francês: «[les chefs]<br />

erraient à travers le camp (p. 41); « — Pourquoi errez-vous seuls...<br />

à travers le camp?» (p. 175).<br />

Como estamos a ver, a análise intertextual destes processos, o<br />

estudo contrastivo entre um antes e um depois, entre a redacção primitiva<br />

e a redacção (definitiva?) do manuscrito, com a tortura das emendas,<br />

das rasuras, das entrelinhas e das entrelinhas das entrelinhas — introduzem-nos<br />

no labirinto oficinal, na génese da escrita queirosiana.<br />

E esta aturada luta pela expressão artística não deixa, por outro lado,<br />

de pôr em evidência a forte sedução do escritor português pela épica<br />

homérica.<br />

5. As Vítimas do Castigo<br />

O último fragmento do manuscrito destaca-se dos anteriores por<br />

uma intervenção elaborativa mais intensa. A consciência estruturante<br />

de Eça de Queirós revela-se no contraste entre a solidez do seu tecido<br />

hipertextual e a dispersão dos significantes, que se encontram num<br />

espaço muito mais dilatado da tradução de Leconte de Lisle (pp. 2-411).<br />

Isso constitui um desafio para o analista, tanto mais estimulante quanto<br />

mais complexa se torna a análise.

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