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HOMERO NUM MANUSCRITO INÉDITO i

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<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 407<br />

aparece no início da Ilíada, centrado na figura de Crises, após a recusa<br />

afrontosa de Agamemnon: «le vieillard trembla et obéit» (p. 2).<br />

Todos estes pormenores nos ajudam a compreender melhor a<br />

importância do motivo do medo ao texto homérico e, por essa via, a sua<br />

presença no hipertexto queirosiano : neste, em relação ao hipotexto, é<br />

efectuada a transferência do estado psicológico de um indivíduo particular<br />

— Agamémnon, Menelau, Crises —, para o plano geral de um<br />

povo, de uma colectividade — os «Acaios». Esse estado psicológico<br />

aparece expresso de forma ao mesmo tempo semelhante e diferente,<br />

inovadora. Com efeito, a semelhança e a diferença, o semelhante no<br />

diferente e o diferente no semelhante constituem, a nossa ver, as duas<br />

grandes coordenadas de qualquer reescrita intertextualizante. É o que<br />

se verifica nos processos operatórios pelos quais da proposição matricial<br />

«Tout son coeur tremblait» derivou, com transparente tautologia, a<br />

proposição hipertextual «sentiam o coração tremer». O que as torna<br />

semelhantes é o imperfeito durativo («tremblait» < «sentiam»), a mesma<br />

reacção provocada por idêntico estado psicológico («sentiam tremer» <<br />

«tremblait») e a mesma sede dessa reacção («coração» < «coeur»). Mas<br />

há diferenças. Em Eça de Queirós, a tónica é posta, não no órgão,<br />

mas in supposito attributionis, isto é, no todo de que o órgão faz parte,<br />

no sujeito da sensação: o realce não é conferido ao coração que tremia,<br />

mas aos «Acaios» que o sentiam tremer; o fenómeno psíquico passa<br />

a ser encarado enquanto sentido, como uma sensação subjectiva.<br />

Esta modificação mostra-se mais adequada ao próprio contexto e até<br />

imposta por ele. Com efeito, Eça de Queirós apresenta-nos, em belos<br />

pormenores de ilusão referencial, uma situação em que os «Acaios,<br />

agachados à sombra das naves», «com os longos cabelos sob a face e<br />

os olhos no solo», tentavam abrigar-se das flechas mortíferas de «Apolo<br />

Vingador». Ora, nesta posição tão crítica e desconfortável, hão era<br />

apenas o seu coração que tremia: eram sobretudo eles que o sentiam<br />

tremer. A focalização está centrada no sujeito.<br />

Esta situação psicológica — o sentimento de insegurança, de<br />

medo, de angústia — tão do agrado de um romancista como Eça de<br />

Queirós pelo seu elevado índice de vis dramática, é ainda realçado<br />

pelo contraste implícito no epíteto «fortes», que, lhe é antitético e tem<br />

valor (ironicamente) concessivo — apesar de «fortes». O adiectivo<br />

ajusta-se perfeitamente ao texto épico, quer a nível do significado<br />

— os sujeitos do medo são, de facto, fortes, como os chefes Agamémnon<br />

e Menelau—, quer a nível do significante, pois na tradução de<br />

Leconte de Lisle aparece, como vimos, o qualificativo «fortes», embora<br />

apenas aplicado a seres inanimados, como as muralhas de Tróia. Em

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