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394 MANUEL DOS SANTOS ALVES<br />
du rivage de la mer aux bruit sans nombre» (p. 2). Mas a preterição<br />
do acto de caminhar em benefício do acto de se erguer, confere mais<br />
dramaticidade e realce à decisão e à iniciativa do sacerdote. No que<br />
diz respeito ao conjunto «mer aux bruit sans nombre», dele derivou<br />
sem dúvida o sintagma «mar ressoante», fortemente escorado em outras<br />
variantes de sentido equivalente, como «la mer sonnante» (p. 6).<br />
Mas um dos mais felizes achados de Eça de Queirós está na expressão<br />
«Apolo Vingador», cujo ponto de partida é sem dúvida a frase<br />
já citada, «Il conjura le roi Apollon que Lètô à la belle chevelure enfanta»<br />
(p. 2). Dela extraiu os elementos «conjura» e «Apollon», para traduzir,<br />
adaptando, «chamara Apolo». Que esta redacção definitiva foi precedida<br />
de um período de hesitação, prova-o a rasura que «inutiliza»<br />
os elementos «implorara o», a qual sugere a ideia de uma primitiva<br />
intenção de aproveitar também o sintagma «le roi», do que resultaria<br />
a frase «implorara o rei Apolo», que seria uma tradução literal do<br />
francês. Todavia, como prova do seu labor criativo, Eça de Queirós<br />
eliminou o substantivo comum e todo o resto da frase, para introduzir<br />
no seu texto um epíteto de primordial importância pela interligação<br />
que apresenta com a isotopia da vingança, a mola real da acção no<br />
poema. Trata-se do epíteto «Vingador», sobredeterminado pelo verbo<br />
«venger», de que há numerosas ocorrências disseminadas pelo hipotexto<br />
francês da tradução de Leconte de Lisle: «[Apollon] venge son sacrificateur»<br />
(p. 4), «pour venger Ménélaos» (p. 6), «venge-toi en paroles»<br />
(p. 7), «Et il espéra de se venger de celui qui l'avait outragé» (p. 46),<br />
«Je me vengerai de toi» (p. 400); finalmente, é o próprio Aquiles que<br />
surge diante de Heitor como «un vengeur» da morte de Pátroclo (p. 409).<br />
A presença da inicial maiúscula é uma boa indicação de que Eça de<br />
Queirós modelou o conjunto «Apolo Vingador» em estereótipos homéricos,<br />
como «1'Archer Apollon» (pp. 2, 4, 15, 52, passim), «Apollon<br />
l'Archer» (p. 3), cujo equivalente português, «Archeiro», aplicado a<br />
Apolo, soaria horrivelmente a falso. De resto, a expressão apresenta<br />
um parentesco muito próximo com outras já antes utilizadas pelo escritor<br />
como, por exemplo, «Deus Vingador» (1880: 375).<br />
«E o Deus viera»: tradução literal do francês «était venu», que<br />
aparece no início do poema como predicado de «Celui-ci», quer dizer,<br />
«Khrysès». Esta forma francesa do mais-que-perfeito, a única que<br />
aparece em todo o Canto I, é digna de nota, pois sem dúvida foi ela<br />
que sobredeterminou toda a série de mais-que-perfeitos analépticos<br />
do hipertexto queirosiano : fora ofendido, chamara, viera, ferira, ferira.<br />
Corresponde, além disso, ao predicado entendit, da frase: «II parla<br />
ainsi en priant et Phoibos Apollon l'entendit», (p. 2). Esta forma