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<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 393<br />
trados neste segmento do que nos anteriores, o que também favorece<br />
a utilização deles.<br />
3. A Súplica de Crises<br />
O fragmento relativo à súplica de Crises está intimamente ligado<br />
ao anterior através da função analéptica que ele continua, como se<br />
pode ver:<br />
E o sacrificador, erguendo-se junto ao mar ressoante, chamara Apolo Vingador.<br />
E o Deus viera, dos cimos olímpicos, com a aljava cheia, que sobre as<br />
espáduas do Deus, fazia a cada largo passo, sobre o anel, um ruído de pratas<br />
es tropeadas.<br />
Tal função é assegurada por um par de formas verbais do mais-<br />
-que-perfeito : chamara e viera. A primeira, que sobreviveu a uma<br />
outra, «implorara o», rasurada no manuscrito, não constitui apenas<br />
um eco do francês «.conjura», que funciona como elemento do discurso<br />
atributivo (cf. Gerald Prince, 1978: 305-313), na frase introdutória<br />
da súplica: «II conjura le roi Apollon que Lètô à la belle chevelure<br />
enfanta» (p. 2). Muito mais que isso, constitui uma palavra-chave,<br />
uma síntese, aquilo a que com Gérard Genette (1972: 191 sqq.), poderíamos<br />
chamar uma narrativização do discurso directo em que foi<br />
enunciada a súplica a Apolo. O escritor, na sua luta com o hipotexto<br />
homérico, acabou por sair vencedor, isto é, realizou um texto inteiramente<br />
seu: retirou do seu contexto os significantes que integram o<br />
enunciado da prece e integrou-os no seu texto, para com eles realçar<br />
a gravidade da ofensa de Agamémnon. Quer dizer: enquanto em<br />
Homero eles funcionam como meios de persuasão, em Eça de Queirós<br />
têm como objectivo agravar o delito e intensificar a cólera de Apolo,<br />
para mais facilmente o fazer passar à acção. Tudo, afinal, vem a dar<br />
no mesmo, mas por caminhos outros — bem queirosianos —, e isto<br />
é o que importa realçar.<br />
Quanto ao sintagma nominal «o sacrificador», é uma evidente<br />
tradução literal do seu correspondente francês «le sacrificateur». Porém,<br />
dada a posição estratégica em que se encontra no hipertexto queirosiano,<br />
à cabeça da frase, mantém o realce já dado à actividade cultural<br />
e ao carácter sagrado da figura de Crises, circunstância agravante do<br />
crime. A participial gerundiva «erguendo-se junto ao mar ressoante»<br />
substitui, por um lado, a sua homóloga do hipotexto francês «se voyant<br />
éloigné», pertencente ao mesmo contexto, e constitui, por outro, uma<br />
afternativa para o período homérico: «Et il allait, silencieux, le long